Texto

Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

terça-feira, 29 de abril de 2014


A EVOLUÇÃO DA DÍVIDA PORTUGUESA
Texto do Eng.º João Pais
Quadro I - Evolução do défice das contas públicas e crescimento da dívida pública (mil milhões de Euros)

DividaedeficeFonte: Pordata, Banco de Portugal

Quadro II - Evolução da dívida pública (mil milhões de Euros) e em % do PIB (%)

DividaFonte: Pordata, Banco de Portugal

Usando a mesma base e os mesmos critérios de contabilização da dívida pública, a dívida pública do ano seguinte será igual à dívida pública do ano anterior acrescido do deficit público do ano findo. Tal pressuposto se observa na evolução da dívida e do deficit até 2008, mas não se observa mais a partir de 2008.

Aqui começa em larga escala a ocultação de dívida pública usando os truques da engenharia financeira tanto relativamente à dívida como ao deficit.

De 2011 a 2013 inclusive (3 anos), a dívida pública, seguindo a mesma base e critérios (incluindo o fundo de maneio do Estado), aumentou de 25.3 MM Euros, igual á soma dos deficits de 2011 a 2013; mas esquecendo a mesma base e critérios, se observa que a dívida pública declarada aumentou no mesmo período de 53 MM Euros.

A diferença resulta fundamentalmente da dívida escondida deixada pelo anterior governo:

- necessidade de capitalizar os bancos para evitar a falência dos mesmos

- dívidas a fornecedores que pelo facto de não serem pagas evitaram mais contratação de dívida

- dívida das empresas públicas e a fornecedoras das mesmas não contabilizadas na dívida pública

- algumas dividas de autarquias e regiões autónomas

- operações de swap e PPP que ainda só muito parcialmente aparecem na dívida pública.

- necessidade de criar um fundo de maneio correspondente a cerca de 20% dos encargos médios do Estado.

 A dívida pública hoje 2013, se incluísse, como seria de boa transparência, os investimentos realizados nas PPP será de cerca de 240 MM Euros ou cerca de 150% do PIB e não 130%; nos próximos anos esta dívida irá aparecer ano após ano (+20%).

Numa base muito realista, a dívida pública bruta real hoje (fim 2013 e incluindo PPP) será de cerca de 150% do PIB; usando a mesma base e premissas deste cálculo incluindo o mesmo valor em fundo de maneio de hoje, a dívida pública real em 2011 seria de 223 MM Euros ou 141% do PIB; as razões deste brutal endividamento foram do governo Sócrates (dívida escondida incluindo a resultante de engenharia financeira, ou resultante do seu exercício).

Actualmente o ritmo de novo endividamento está caindo a passos largos, mas dívida pública bruta só parará de subir quando se atingir o deficit público de zero, e só começará a cair quando houver superavit.

domingo, 27 de abril de 2014


1974-2014 – UM POUCO DO QUE MUDOU EM 40 ANOS

 

“O MANTO DIÁFANO DA FANTASIA SOBRE A NUDEZ CRUA DA VERDADE”

 

É preciso deixar assentar a poeira depois da “ditadura dos discursos”. Não nos deixemos inebriar, mas passemos a palavra à “eloquência” das estatísticas.

 

- Esperança de vida à nascença

                      – homens – passou de 64 a 77 anos

                      - mulheres – passou de 71 a 83 anos

- % de pensionistas (na população com mais de 15 anos)

                      – passou de 10% a 49%

- Taxa de mortalidade infantil 

                       - desceu de 45 (por mil nados vivos) a pouco mais de 3

- PIB per capita a preços constantes (com base em 2006)

                       - passou de 7.220 a 14.748 euros

- Taxa de analfabetismo (maiores de 10 anos que não sabem ler nem escrever)

                       - desceu de 26% para 5%

- Alunos inscritos no ensino superior

                        - passou de 59 mil a 390 mil

- Doutoramentos

                         - passou de 60 a 2.209

 - Alojamentos com água canalizada

                        - passou de 47% a 99%

 

Calemos por momentos os comentários, dando espaço para os números erguerem a sua voz.

segunda-feira, 21 de abril de 2014


CAUSAS OU CONSEQUÊNCIAS?


Hoje vou arriscar a dizer um conjunto de banalidades, muito repetidas por muita gente. Mas faço-o porque sei que, apesar de tudo, são ideias não partilhadas (ou não totalmente partilhadas) por todos os nossos concidadãos. E é necessário perceber que todas as nossas posições e decisões como cidadãos assentam em princípios básicos do tipo dos que vou enunciar e que traduzem valores e são princípios orientadores de toda a nossa conduta e vida em sociedade. Quem partilha essas ideias e valores vive num mundo completamente diferente de quem os nega. É a própria dialética social a funcionar.

Como é normal na vida real, em economia, por maioria de razão, os factos e ocorrências costumam ter causas várias na sua origem e acabam inevitavelmente por gerar consequências. A questão que muitas vezes se coloca é saber o que nasceu primeiro, se o ovo, se a galinha, porque há um efeito de feedback em que uma dada situação é geradora de novos factos, com retorno e influência sucessiva uns nos outros, tornando-se por vezes difícil discernir onde está a causa primeira das coisas.

Recentemente enunciei aqui três problemas que concentram a minha atenção: a necessidade de crescimento da economia; o desemprego; a dívida.

Para mim (mas é meramente a minha opinião) é muito claro: a causa primeira dos nossos problemas económicos e financeiros é a nossa reduzida capacidade de gerar riqueza e de crescer. Porque se (e quando) crescermos o necessário e suficiente, tudo depois se torna muito mais fácil… desde que a seguir não se cometam asneiras graves. Bastará então ser sensato e responsável. Mas se não conseguirmos gerar riqueza e crescer, não há sentido de responsabilidade nem sensatez que nos valha.

É evidente que o fraco crescimento tem causas: será o nosso baixo nível de instrução e iniciativa; a nossa atávica aversão ao risco e a ausência de capacidade de empreender; serão os baixos níveis de investimento, etc., etc., etc.. Mas voltamos sempre à questão inicial, saber o que apareceu primeiro, se o ovo, se a galinha. O que é facto é que se não ultrapassarmos este nó górdio então nada feito e não saímos da cepa torta.

Como consequência do nosso fraco crescimento durante muitos anos (e da sua queda abrupta nos últimos), os nossos problemas tornaram-se insolúveis num prazo curto.

À cabeça desses problemas de ordem prática surge, na minha maneia de ver, o desemprego, cujos efeitos ultrapassam em muito a vertente económica, sendo particularmente graves na esfera social, destruindo irremediavelmente a necessária coesão e o sentido de pertença dos cidadãos, vitória que tanto esforço custou e tanto tempo demorou até chegarmos ao ponto onde chegamos a estar. E apresentam um efeito perverso incontornável: o desemprego faz cair as receitas (do estado e das famílias) e eleva brutalmente os custos sociais (monetários e não monetários). Só na parte monetária e no que respeita à segurança social, as contribuições terão descido 400 milhões de euros nos anos 2010 a 2012 e as despesas com subsídios de desemprego terão crescido 480 milhões.

Em minha opinião o desemprego é o mais grave de todos os problemas que enfrentamos e que, por isso, deve (deveria) merecer toda a nossa atenção e ocupar todas as nossas energias. Porque tudo o resto, todos os outros problemazinhos, são insignificantes quando comparados com este magno problema.

Provavelmente não lhe damos a devida atenção porque, afinal, “só” 16% dos trabalhadores ativos estarão desempregados e os restantes não sabem verdadeiramente o que é estar desempregado (só o saberão no dia em que o drama lhes bata à porta e apenas caso não disponham de economias que lhes permitam passar mais ou menos incólumes ao lado do problema).

Tudo se iria resolver muito mais facilmente se não tivéssemos resvalado para este poço de onde demoraremos décadas (pelo menos uma) a sair. E depois surgem problemas em cascata: prolongamento indefinido da crise, emigração, subemprego, salários baixos, aumento da conflitualidade social, aumento da criminalidade, surtos de determinado tipo de doenças, etc., etc..

 Sempre me custou muito a perceber como é que vários governos (por cá e lá por fora) e as respetivas sociedades civis não elegem este como o problema dos problemas. E há até quem considere que é precisamente na gestão adequada do desemprego que se encontrará a solução para a saída das crises. Até pode, tecnicamente e no curto prazo, vir daí uma parte da solução. Mas no longo prazo o valor da fatura económica e financeira e da fratura social criadas é dramático.

Retomando o tema: como consequência do fraco crescimento da economia e do crescimento aterrador da taxa de desemprego, aparece o crescimento galopante da nossa dívida. Mas, enquanto o crescimento e o desemprego são questões nucleares e estratégicas, a dívida não passa de uma questão meramente instrumental. A dívida não é um problema em si mesmo (até pode haver dívidas “virtuosas”)

À maneira de Arquimedes - que pedia uma alavanca e um ponto de apoio e dizia que com isso conseguiria mudar o mundo - eu direi algo semelhante: resolva-se o problema do crescimento e do desemprego e a dívida resolver-se-á em três tempos.

Mas não chega fazer um diagnóstico correto. É depois necessário aplicar a terapia adequada. Se falharmos num ou noutro, seja no diagnóstico seja na terapia, ficamos irremediavelmente enredados numa teia da qual não nos conseguimos desenvencilhar e as amarras não nos deixarão sair do fundo do poço onde caímos.

quinta-feira, 17 de abril de 2014


      SALVÉ  17 de Abril de 1954

      Pudesse eu parar o tempo por instantes

      Ainda que, num fogacho breve, desaparecesse,

      Reteria o fulgor dos teus olhos cintilantes

      Antes mesmo que a magia se desvanecesse.

      Beberia, sôfrego, a presença desejada

      Em que, ao teu lado, adormeço, ausente,

      Na minha a tua mão, firmemente entrelaçada,

      Sem pensar no passado, nem futuro. Só o presente.

 

      Moldava a realidade num golpe de magia

      A minha cabeça esconderia em teu regaço,

      Reconfortante e aconchegado. E adormeceria.

      Intensa e avidamente procuraria o teu abraço,

      Antes que a madrugada abraçasse o novo dia.

 

terça-feira, 15 de abril de 2014


OBSERVAR… EM CONTRAMÃO

Já anteriormente o referi, mas volto a repeti-lo: estar em contramão não significa, no meu caso, ser do contra. Significa apenas que direciono o meu foco mais para as margens da estrada, ou mesmo para trás, para observar as marcas deixadas no caminho ou a poeira que fica a pairar no ar, turvando a vista de quem vem a seguir. Aqui vão mais dois exemplos:

 

I

É mais ou menos unânime que uma taxa de juro à roda dos 4% é considerada muito satisfatória e não podemos legitimamente esperar muito mais. Também é mais ou menos unânime (e até Machete dixit) que uma taxa acima de 4,5% tornava a dívida incomportável. Estamos, assim, perfeitamente balizados entre o expectável e o inaceitável.

Demos agora um passo em frente: apesar de ser matéria com alguma controvérsia, eu até concordo que, por elogiáveis razões de prudência, o estado aproveite as atuais taxas de juro (baixas) para antecipar financiamento, criando uma confortável almofada financeira que nos ponha a salvo de movimentos especulativos do mercado quando viermos a ficar entregues a nós próprios. Mais uma vez se coloca aqui a questão do ponto até onde devemos ir.

Vamos analisar a questão com um exemplo:

Admitamos que precisamos de ir ao mercado buscar 100 e a taxa de juro é 4%. Se em lugar de irmos buscar apenas os 100 de que precisamos aproveitarmos para pedir 120, a nossa taxa de 4% transforma-se, na prática, numa taxa “real” de 4,8%, que é quanto vamos ter de pagar de juros pelo financiamento de que efetivamente precisamos (apenas 100). Ou seja, passamos de uma taxa “interessante” para um custo e uma taxa manifestamente acima dos valores que antes tínhamos considerado como o plafond acima do qual a dívida se tornaria incomportável.

Para fugirmos do lobo metemo-nos na toca da raposa.

 

II

Se perguntarmos a um qualquer português quais os três principais problemas que ele entende que precisavam imperiosamente de ser resolvidos, provavelmente receberíamos respostas centradas naquilo que são as principais preocupações da generalidade dos portugueses: o desemprego, o montante da nossa dívida e a ausência de crescimento. Se os portugueses virem resolvidos estes 3 magnos problemas seguramente verão muitas outras questões resolvidas e começarão a enfrentar o futuro com outro otimismo. Mas enquanto estes problemas subsistirem pode mudar muita coisa mas seguramente o pessimismo continuará a reinar.

Vejamos agora como estava Portugal no início de 2011 (registos do ano 2010) nestes três domínios e como está hoje:

- A taxa de desemprego era de 10,8%. Em 2012 era 15,8% e em 2013 o abaixamento foi  real, mas insignificante.

- A dívida portuguesa era 94% do PIB. Em 2012 passou a 124% e em 2013 é quase 130%

- O PIB (a preços constantes de 2006) foi de 163 mil milhões de euros. Em 2012 foi 156 mil milhões, mantendo um valor semelhante em 2013.

 

Procuremos agora enquadrar estes números na visão do eurodeputado Nuno Melo quando afirma categoricamente que ”Portugal está melhor que em 2011. É um dado objetivo, inquestionável e indesmentível”.

Se o sr. Deputado substituir 2011 por 2013, bastar-nos-á  um pouco de objetividade e ausência de facciosismo para concordar. E também poderá ter alguma razão se quiser analisar mil e um indicadores que, embora importantes, seguramente não têm para os portugueses o impacto dos 3 mencionados.

Mas nos termos em que coloca a questão chega a ser insultuoso tomar-nos por parvos. A memória das pessoas pode ser curta, mas os registos estatísticos não podem ser alterados. Mas os políticos, esses podem ser mudados. O seu futuro está nas mãos dos portugueses.

 

Nota final – não tenho nada de particular contra o deputado Nuno Melo. Mas irritou-me a sua frase e o tom em que foi proferida.

 

 

 

segunda-feira, 14 de abril de 2014


Neste tempo pascal, um tema com referências bíblicas

 

BRUTUS E O CORDEIRO SACRIFICIAL

Há duas figuras lendárias que entraram para a mitologia por razões semelhantes, muito embora de forma completamente diferente.
Uma dessas figuras entrou na mitologia através da religião. É o cordeiro sacrificial, que tem honras de citação em todas as missas, a partir do momento em que Cristo, sem sombra de pecado, assume os pecados dos homens e aceita morrer por eles. Transformou-se assim no “cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”, na senda do “bode expiatório”, outra figura bíblica que se lhe antecedeu.
O cordeiro ou o bode expiatório são animais imaculados e sem culpa alguma das asneiras dos homens, mas que estes imolam sem dó nem piedade, transferindo para o pobre animal todas as culpas. E ao imolar o bode expiatório desviam as atenções e as culpas para um inocente, remetendo para a sombra os verdadeiros culpados das desgraças sofridas ou das atrocidades cometidas por outros.
A outra figura – Brutus – assume semelhanças várias com o cordeiro, mas também óbvias diferenças. Brutus é uma figura histórica que a posteridade associa (com razão) ao assassinato de Júlio César. Ao contrário do cordeiro/bode expiatório, Brutus participou ativamente na conjura. Quiçá teve mesmo uma responsabilidade determinante na decisão de assassinar César. Contudo Brutus não agiu sozinho. Vários senadores acicataram o grupo e assinaram a sentença de morte de César. E concretizaram a decisão, desferindo, à vez, sucessivas facadas no indefeso Júlio.
Mas a história que é do domínio popular não acrescentou mais um único nome ao de Brutus no assassinato de César. Para a posteridade ficou apenas e só o Brutus, que César identificou e individualizou com a célebre e histórica frase: “também tu, Brutus?”.
A história está cheia de Brutus, que permitem que se deixe na sombra tantos e tantos responsáveis por atrocidades, erros ou momentos infelizes.
Já os cordeiros sacrificiais (impolutos e completamente alheios aos erros humanos) são verdadeiramente raros. Penso mesmo que, fora da religião, a história não regista nenhum.

sexta-feira, 11 de abril de 2014


PRODUTIVIDADE E SALÁRIO

Será mais ou menos consensual que os níveis salariais deveriam andar particularmente ajustados com os níveis da produtividade. Independentemente das fórmulas de cálculo, é evidente que não faz sentido (nem é possível) pagar salários altos quando as produtividades são baixas. Mas, da mesma forma, não faz sentido nem é justo haver grandes diferenças salariais quando as produtividades são equivalentes.

E se este princípio é válido para as empresas também o deveria ser para os países. Só que aí o equilíbrio de forças é mais desproporcionado, acabando por produzir resultados mais desequilibrados que quando é um mercado aberto a servir de pêndulo.

 

CHARADA II

Dois colegas de escola, o Alberto e o Pedro, alunos com médias equivalentes e capacidades semelhantes, foram trabalhar para duas empresas geridas de forma completamente diferente, apesar de produzirem bens concorrenciais no mercado. O Alberto foi ganhar 100 e o Pedro ficou a ganhar 70.

O Alberto, poupadinho, passou a gastar 90. Como poupava 10, ao fim de algum tempo tinha acumulado um bom pecúlio.

O Pedro, com a expectativa de vir a subir para um patamar equiparado ao Alberto, ganhava 70, mas ia gastando 80. Ao fim de algum tempo tinha consumido as suas economias e acumulava já uma dívida “impagável”.

É absolutamente fora de questão que o Pedro não podia gastar 80 quando só ganhava 70. Mas isso não invalida que se possam colocar algumas questões em torno do tema, para uma reflexão sobre o que se passa “atrás do espelho” onde vemos refletida a nossa imagem:

Pergunta 1 – Qual dos dois é o mais produtivo e o mais trabalhador?

Pergunta 2 – Qual dos dois é o mais poupado e qual é o mais gastador?

Pergunta 3 – Qual dos dois está a ganhar acima do que merece ou abaixo do que é justo?

Perguntas para as quais não se espera resposta:

 - como é que se vai resolver o problema?

 - qual é a responsabilidade das entidades patronais?

 - e qual é a capacidade do mercado para resolver um problema destes?