Texto

Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015


PRISIONEIROS E CARCEREIROS
 
Nelson Mandela é o exemplo mais conhecido de como é possível ver um carcereiro ser chamado à tomada de posse de um presidente que foi seu prisioneiro. Prisioneiro e carcereiro têm de perceber que estão em posições diferentes, antagónicas, mas não são necessariamente inimigos. Podem cumprimentar-se com respeito e, quiçá, até com alguma simpatia.
 
Havia numa prisão dois carcereiros: um, a que chamaremos o carcereiro mau, era, como o nome sugere, violento para os prisioneiros, sujeitando-os às maiores sevícias, ultrapassando tudo o que a lei e os superiores lhe exigiam, entrando no domínio da perversão de gostar de ver o prisioneiro sofrer; o outro, o carcereiro bom, era diligente no cumprimento das suas funções, mas sempre que podia evitava infligir mais dor na pena que o prisioneiro já era obrigado a sofrer e, não raro, associava-se à sua dor e procurava amenizá-la.
Em determinada altura o diretor da prisão, por razões de organização interna, determinou que um dos carcereiros passaria a exercer vigilância no inverno, enquanto o outro passaria a trabalhar nas três restantes estações, ou seja, primavera, verão e outono. E, num assomo de democracia, definiu que seriam os prisioneiros a escolher o carcereiro que ficaria num período e qual o que ficaria no outro.
Pareceria lógico que o prisioneiro escolhesse o “carcereiro bom” para os dias mais amenos de março a novembro, pois lá diz o ditado popular que “enquanto o pau vai e vem folgam as costas”. Inexplicável seria ver o prisioneiro optar pela solução inversa, preferindo ter o “carcereiro mau” a infernizar-lhe a vida a maior parte do ano. Só um masoquista faria essa opção.
 
Obviamente que a estória acima contada é irreal, e traça um retrato caricatural (propositadamente exagerado) do carcereiro bom e do carcereiro mau. Mas tem um claro e didático objetivo em mente.
Vamos admitir que os carcereiros são PS e o PSD. Os prisioneiros serão, naturalmente, o CDS, o PCP e o BE. Os prisioneiros nunca deixarão de ser prisioneiros e os carcereiros sempre serão carcereiros. Cada um no seu papel. Mas se os prisioneiros puderem escolher o carcereiro custa a perceber que deixem, quanto mais não seja por omissão, que o carcereiro mau assuma o controlo da prisão a maior parte do ano.
Falando agora com seriedade gostaria de referir algumas ideias que considero importantes:
1 - acho que o voto útil é uma séria limitação da democracia. Cada partido deve explicitar claramente as suas opções em matérias importantes, deve apresentar-se a eleições com o seu próprio programa e nele devem votar todos os que se identifiquem com os seus princípios e valores.
2 – quem ganha as eleições deve governar com o seu programa e não com o programa de outros, ou com cedências em matérias inegociáveis.
3 – um governo de maioria absoluta assente numa bipolarização artificial é pouco democrático. E em lugar de termos um governo com “rédea curta” passaremos a ter um governo em “rédea livre”.
4 – caso haja necessidade de acordos interpartidários para garantir a governabilidade, estes implicam necessariamente cedências de parte a parte. Mas nunca podem ser cedências em questões essenciais. Nem o partido maioritário deve aplicar as receitas do partido minoritário nem este pode ser desrespeitado. Mas vejamos um exemplo em que não pode haver cedências: um partido maioritário que defende a permanência no euro não pode de modo algum fazer um acordo que implique aplicar a receita do outro, que defende a saída do euro. Mas tal não invalida que possam estar de acordo em muitas outras matérias. Aquele tema é intocável, e ponto final. Isto só por si não deve nunca pôr em causa a governabilidade do país. Nem devem cair na lama os “parentes” do partido minoritário por não ver aplicada a sua receita, nem o partido maioritário pode, nesta matéria transcendente, fazer quaisquer cedências.
5 – Vale tudo isto por dizer que aceito pacificamente os resultados das eleições e acho que deve governar com o seu programa quem for chamada a formar governo e tenha (ou venha a conseguir) o necessário apoio parlamentar. A questão que se coloca é apenas esta: vai-se conseguir um apoio parlamentar à custa de quê ou de quem?
Tenho dado por mim a pensar no que representa haver recorrentemente uma maioria sociológica no pais e no parlamento (PS+PCP+BE) mas que não consegue governar e entrega de mão beijada o poder a uma clara minoria, a quem se tem de reconhecer o mérito de saber transformar um resultado eleitoral negativo numa via para a governação, a claro contragosto do povo. E não estou aqui a questionar os méritos ou os deméritos de uma qualquer governação, mas apenas a assinalar o demérito de quem não sabe transformar uma clara maioria sociológica num projeto viável de governo, por muitas e profundas divergências que haja no seu eleitorado a propósito de questões fundamentais. Quando não podemos escolher o caminho por onde queremos ir, possamos ao menos escolher o caminho por onde achamos que não devemos seguir. Chama-se a isto optar pelo mal menor. E não há mal nenhum nisso.
Por isso vejo com estupefação o papel do PCP e do BE, partidos com forte expressão parlamentar, colocados em clara posição de charneira, mas que se têm colocado sistematicamente fora do arco da governação. Acho (é minha opinião convicta) que qualquer destes partidos, nomeadamente o BE, poderia ter um enorme incremento eleitoral, passando a ser inequivocamente o terceiro partido do nosso espetro partidário, a morder os calcanhares ao segundo, caso viabilizasse um governo do PS, porquanto evitaria o apelo ao voto útil e os seus eleitores poderiam, simultaneamente, expressar em liberdade e sem temores o repúdio a uma política ou um partido sem apoiar claramente uma outra que também não lhe agrada ou em cujos dirigentes partidários não confia. E para tal não precisaria de ceder um milímetro nos valores que defende nem precisaria de passar a sofrer o desgaste de um partido que assume responsabilidades na governação. Poderia continuar fora do governo e de mãos livres para fazer oposição e defender os seus valores e as suas propostas. Só não poderia obstaculizar (inutilmente, como até agora) as medidas que, para o bem e para o mal e quer queira ou não queira, precisam, na opinião dos maiores partidos, de ser tomadas. Fazem-me lembrar o D. Quixote que, apesar de ter um cavalo e uma espada, malbarata os seus bens e as suas energias lutando contra um inamovível moinho de vento.
  As propostas do PCP e do BE aceitam-se ou não se aceitam, pode-se concordar ou não com elas. São tão legítimas quanto as dos outros partidos. Mas nunca percebi a estratégia destes partidos. Parece que preferem que o carcereiro mau tome conta da prisão na maior parte do ano. Será que são masoquistas, ou estão-se marimbando para o povo, que dizem defender?
Nota final: acho que quem ficaria a perder com uma alteração estratégica do comportamento do PCP ou BE seriam o PS e a PàF. No PS, não mais iria cair um voto dito “útil”, arriscando-se este partido a passar a ser um eterno segundo. Quanto à PàF, poderia ficar arredada do poder por muitos anos. Mas (e sem estar a pôr em causa os méritos das propostas do PS ou da governação do PSD) acho que a democracia é que sairia a ganhar.

quarta-feira, 29 de julho de 2015


OS GENES DA PREPOTÊNCIA ENRAIZADOS NO NOSSO ESTADO

Começo por esclarecer que não confundo estado com governo. O episódio que vou relatar pouco ou nada tem a ver com o atual governo, muito embora haja “tiques de autoritarismo” mais salientes em determinados governos, que depois se repercutem nas diversas instituições que são o braço armado do estado.

Estava eu na passada segunda-feira a fazer uma sessão de quimioterapia no IPO do Porto quando entrou no serviço um senhor em cadeira de rodas, aparentando 70 e muitos anos. Também poderiam ser apenas 60 e poucos, mas o estado de evidente degradação física levaria, nesse caso, a que aparentasse muitos mais.

A cadeira de rodas era conduzida por um garboso militar graduado, que se postou ao lado do doente desde que ele iniciou os tratamentos.

Pouco tempo passado irrompem pela sala de tratamentos 2 soldados com camisolas azuis com gravações nas costas a dizer “GUARDA PRISIONAL”. Ninguém ficou com dúvidas sobre o estatuto do doente. Mas muitos se terão perguntado se tal demonstração de força da polícia era proporcional ao perigo que o doente representava no estado de degradação física que aparentava, e certamente com a doença grave que aportava. Outro aspeto revoltante foi constatar que cada doente só poderia levar um acompanhante e aquele doente levava 3. Mais ainda – entravam na sala e movimentavam-se com o à vontade que o estatuto da autoridade lhe conferia, com os ostensivos cassetetes presos no lado esquerdo do cinturão e uma avantajada e moderna arma automática no coldre, no lado direito.

Mais um exemplo de como as nossas autoridades gostam de demonstrar a sua força perante os impotentes e indefesos. E certamente viajaram todos num carro celular com umas minúsculas janelas gradeadas, não vá o doente ser um campeão olímpico e poder escapar-lhes na sua veloz cadeira de rodas.

Há hábitos que dificilmente mudarão e regras que nunca serão adaptadas às circunstâncias reais em que os agentes de autoridade têm de atuar. Há regras que  os funcionários têm de cumprir, por mais anacrónicas que sejam e por mais inútil que seja o custo que geram.



quarta-feira, 24 de junho de 2015


NINGUÉM FOGE À MORTE NEM AO PAGAMENTO DE IMPOSTOS (???!!!)

Costuma dizer-se que na vida só há duas certezas incontornáveis: morrer e pagar impostos. Quanto à primeira “verdade”, não restam dúvidas. Já quanto à segunda tenho muitas e fundadas reservas. É verdade que cada vez se consegue fugir menos aos impostos e mesmo os chico-espertos são frequentemente apanhados na curva. Mas os verdadeiros especialistas continuam a cantar de galo e invariavelmente ganham ao fisco no jogo do gato e do rato. Como nos desenhos animados o gato (o fisco) faz o papel de lorpa, que não consegue nunca apanhar o finório ratinho.

Mas hoje queria falar da outra certeza: a morte. Mas fá-lo-ei de forma ligeira, através da recriação de um conto que me ficou de memória da juventude, e que li na chamada “Selecta”, livro de leitura obrigatória no secundário. A história passava-se no médio oriente, num ambiente das mil e uma noites.  

Vou recriar a história na atualidade, situando-a em Portugal.

 

O Maia era o patriarca de uma família cigana, na casa dos 60 anos, que vendia todo o tipo de artigos de vestuário na feira de Espinho. Naquela segunda-feira tinha deixado a barraca entregue a familiares e tinha-se deslocado a Guimarães atrás de um excelente negócio numa fábrica de confeções que tinha necessidade urgente de resolver alguns problemas de tesouraria.

Nesse mesmo dia, logo pela manhã, a morte apresentou-se ostensivamente na feira e não se coibia de anunciar a todos por quem passava, ao que ia: fazer a ceifa do dia, daqueles que constavam da sua lista para aquela zona. Visitou também a barraca da família Maia e o seu ar sinistro não deixava dúvidas sobre os seus propósitos.

- “Vai-te embora, desgraçada. Não te queremos por aqui”

- “Ah, ah, ah!!!” -  riu a morte, com um frio cinismo e um brilho de prazer no olhar. “Vou dar uma volta pelas redondezas e volto antes do final do dia. O vosso patriarca que espere por mim, pois tenho uns assuntos a tratar com ele”.

E abalou para o trabalho, que incluía levar uma data de acamados, provocar alguns AVC’s fatais e mandar para os anjinhos uns tantos doentes crónicos.

A família cigana de pronto ligou ao patriarca Maia a avisá-lo da visita da morte e do perigo iminente que corria, aconselhando-o a que não voltasse nesse dia a Espinho e se afastasse para o mais longe possível.

O Maia, que ao longo da vida até já tinha sido um aliado da morte, entregando-lhe algumas vítimas, sabia bem o real perigo que enfrentava. Mal fechou o negócio na fábrica, já com o seu velho mas potente BMW atulhado de mercadoria, resolve fugir na direção da fronteira de Espanha, esperando chegar depressa ao outro lado, para melhor poder fugir da terrível ameaça que pairava sobre a sua cabeça.

Entretanto, a morte, cumprido o essencial da sua missão, a meio da tarde volta à feira de Espinho, à barraca da família Maia, que a recebe de facas afiadas, vociferando ameaças caso acontecesse algo ao seu patriarca. Mas a morte não se deixou minimamente intimidar. Com ar gélido e sinistro limitou-se a anunciar que não podia ficar com eles mais tempo. Tinha de partir de imediato para uma missão bastante longe dali, pelo que não tinha mais tempo a perder com a família.

- “Adeus, até á próxima”

E abalou lesta, deixando no ar o som sinistro de uma risada trocista.

 

No dia seguinte um jornal diário anunciava: Ontem, cerca das 18 horas, perto da fronteira de Quintanilha, um automóvel despistou-se, galgando o rail de proteção e precipitando-se numa ravina de 20 metros. O acidente terá como causas prováveis o excesso de carga e velocidade acima dos valores permitidos por lei, a que poderá estar associada alguma falha nos travões da viatura, já com muito anos e deficiente manutenção. O automóvel era conduzido por um feirante de Espinho, de etnia cigana, que teve morte imediata.

terça-feira, 16 de junho de 2015


ONDE ESTÁ A FELICIDADE?

Juro que a história que vou contar é verdadeira e passou-se comigo. Aliás, não teria o mínimo interesse se fosse ficção.  

Em tempos eu tinha por vizinhos um casal na casa dos 70 e tal anos, que entrou numa fase de quezílias permanentes. A senhora andava de rastos e ao mínimo pretexto desatava a chorar, queixando-se amargamente e sem falsos pudores dos maus tratos que o marido passou a infligir-lhe, infernizando-lhe a vida.

Por vicissitudes várias tive de alterar a minha morada e deixei de ter contacto com o referido casal. Meses depois, num dia soalheiro, voltando a passar perto da minha antiga habitação, encontrei a referida senhora a passear o marido, agora numa cadeira de rodas. Ele fixou-me com olhar hirto e distante, não manifestando o mínimo sinal de me ter reconhecido. Perguntei o que tinha acontecido, ao que ela me respondeu que o marido tinha sofrido um AVC e teve uma rápida investida de Alzheimer, que o atirou para aquele estado.

Estranhei o ar feliz da senhora, que andava toda sorridente a passear o marido, sem qualquer sinal de agastamento ou cansaço. Fiz-lho notar, ao que ela me respondeu de forma desconcertante: “sabe, é que ele agora já não ralha comigo nem me bate”.

E esta, hem!

 

quarta-feira, 27 de maio de 2015


O FUTURO DA SEGURANÇA SOCIAL

Voltou a ser colocado bem em cima da mesa e de forma muito acesa a discussão sobre o futuro da segurança social no que respeita ao seu financiamento e ao valor das pensões a atribuir aos beneficiários que, com tal objetivo, procederam aos necessários descontos, juntamente com as respetivas entidades patronais.

O tema é-me muito caro e sobre ele venho escrevendo desde há muitos anos, incluindo um capítulo no meu livro “Economia em contramão”, pelo que me dispenso de aqui proceder à análise das causas e ao apontar de possíveis soluções, limitando-me agora a referir apenas um dado “novo” do problema.

Em minha opinião o grande drama do nosso processo de ajustamento não foi o aumento da carga fiscal, por muito brutal que este tenha sido. O grande drama do nosso processo de ajustamento foi o lançamento de centenas de milhares de pessoas no desemprego e a eliminação de milhares de empresas ditas ineficientes (na maior parte dos casos isso era verdade) mas que desempenhavam um importantíssimo papel no equilíbrio da nossa economia e, regra geral, prestavam serviços ou apresentavam produtos úteis e necessários, sendo por isso um grande “amortecedor dos solavancos” que a nossa economia originava no seu ineficiente processo evolutivo. E assim se fez recuar o nosso PIB para níveis de há mais de uma década.

Voltando à questão da segurança social: a reforma levada a cabo há quase dez anos pelo ex-ministro Vieira da Silva deveria garantir a sustentabilidade da segurança social por mais umas décadas, permitindo o equilíbrio financeiro do sistema e mantendo a solidariedade entre gerações. Que se passou então para voltarmos hoje a um debate, tenso, do tema, com sérios riscos de nova queda no valor das pensões e com desagradabilíssimas guerras geracionais? O grande problema ocorrido entretanto, o grande colapso - que deveria ter sido prevenido mas que era impensável na sua dimensão - foi o nível atingido pelo desemprego. Os seus efeitos são devastadores no equilíbrio das contas da segurança social, como já tive noutras ocasiões oportunidade de analisar. Nenhuma cabeça bem pensante iria admitir como possível, ainda há menos de uma década, que a taxa de desemprego chegasse a rondar os 18% (em níveis oficiais, mas subindo para perto de 30% nas contas de alguns analistas) e os dramas subsequentes iriam abater-se sobre a nossa sociedade, provocando em simultâneo o descalabro financeiro da segurança social e gerando lutas ideológicas intermináveis. E este problema, certamente mais que a subida dos impostos ou a queda do nosso poder de compra, vai prolongar os seus nefastos efeitos por muitas décadas. Mas agora que o mal está feito não adianta chorar e ter ilusões, até porque os verdadeiros culpados pela situação nunca serão responsabilizados. Nunca.

Voltemos agora a atenção para um tema (só) aparentemente lateral. Um dos graves erros das teorias liberais - que em muitos aspetos estão corretas e são teoricamente muito atrativas - é que olham apenas numa direcção e esquecem completamente aspetos colaterais que são importantíssimos. Ilustrarei isso com um exemplo que, não tendo aparente ligação com o tema acima abordado, na verdade apresenta uma umbilical ligação com o mesmo. No exemplo que vou apresentar os números que indico não passam de uma mera ilustração para se perceber a ideia que pretendo transmitir.

Admitamos que uma empresa sistematicamente apresenta custos anuais de 100 e recolhe apenas receitas de 99. É óbvio que esta empresa não tem futuro. E, de acordo com as teorias liberais, terá forçosamente de ser afastada do mercado. O grande problema é que o fecho desta empresa leva as receitas de 99 para 0, mas as despesas, ao nível da comunidade onde se insere, não passam de 100 para 0, mas apenas de 100 para 50. Num curto prazo (que se pode alongar por muito tempo) as receitas caem 99 enquanto as despesas só caem 50.

Este é o grande problema, em relação ao qual as teorias liberais assobiam para o ar. E os resultados depois são dramáticos, mas são sistematicamente escondidos atrás de uma cortina de fumaça.

PS – particularmente sobre este tema eu gostaria de receber comentários dos meus leitores.


terça-feira, 19 de maio de 2015


IMPROBABILIDADES – 3 HISTÓRIAS REAIS

Periodicamente vou ao cemitério da minha terra natal, onde estão sepultados os meus pais. Numa dessas visitas encontrei uma velha amiga, que tinha 2 irmãos da minha geração: o Quim, mais velho que eu 2 anos e o Américo, mais novo um ano.

Como já não os via há muitos anos, comecei por perguntar pelo Quim.

- Então não sabes? O Quim morreu há mais de 6 anos. Deu-lhe um AVC e foi-se.

Fiquei encavacado e sem palavras. Para me redimir, e por curiosidade e simpatia, perguntei pelo Américo.

- O Américo morreu na semana passada, e por isso é que eu hoje vim ao cemitério.

Há momentos em que o melhor era estar calado. Ou não sair de casa.

 

Um casal meu vizinho tinha dois carros, um usado por ele, outro por ela. Apesar de habitarem um apartamento com garagem, por mera comodidade habituaram-se a deixar o carro na rua, mesmo em frente à porta do prédio. Como trabalhavam em locais diferentes, desciam ambos ao mesmo tempo para ir para o trabalho, mas cada qual levava o seu carro. Como às vezes ela se esquecia da chave em casa e tinha de subir dois lances de escadas, passaram a usar o esquema de deixar a chave dela no carro dele. Um dia descobriram que estava vazio o lugar onde deveria estar o carro dele. Depois das habituais olhadelas em volta confirmaram que o carro tinha desaparecido. Decidiram então ir juntos para o trabalho, no carro dela. Mas ao olharem em volta constataram, incrédulos e consternados, que o carro dela também tinha desaparecido. Os larápios, ao verem uma chave no carro, perceberam que lhes tinha saído a sorte grande e não hesitaram. E o casal meu vizinho, na mesma noite, ficou sem 2 carros.

 

Mas agora vou terminar em beleza. No tempo em que o Continente sorteava carros entre os seus clientes uma amiga nossa teve a felicidade de lhe ter sorrido a sorte, sendo brindado com um simpático carrinho. E não é que no natal seguinte voltou a ser premiada com novo carro! Há horas de sorte, como costumam dizer os cauteleiros.


domingo, 17 de maio de 2015


SALÁRIOS DA FUNÇÃO PÚBLICA SOBEM 10%

Vamos já esclarecer o mistério. Não se trata de uma notícia, mas de um simples comentário sobre os perigos na análise das estatísticas. E isto tanto é válido para as estatísticas propriamente ditas como para previsões eleitorais ou situações afins.

Suponhamos que um organismo público anunciava uma estatística que nos informava que os salários médios na função pública tinha subido 10% no último ano. Seguramente iam chover cobras e lagartos por parte dos comentadores menos atentos ou menos informados. Contudo, essa alteração estatística pode ser perfeitamente correta e não estar associada a qualquer aumento nos salário dos funcionários públicos. Pode tratar-se simplesmente da consequência da redução de efetivos nas categorias mais mal remuneradas: se nos escalões mais elevados se mantiverem todos os efetivos o salário médio obviamente vai subir. O mesmo se passará em sentido inverso se houver apenas reduções nos escalões superiores: o salário médio descerá, e aí estariam os sindicatos a dar conta do seu descontentamento, sem uma sólida e factual justificação.

Vamos presumir que os organismos que fornecem estatísticas são confiáveis. Mas não confiemos tanto nas primeiras análises e esperemos sempre por ouvir o contraditório.

terça-feira, 5 de maio de 2015

NO RESCALDO DA SOPA DE PEDRA
A minha história da sopa de pedra motivou muitos comentários que os meus amigos me fizeram chegar. Não faltaram palavras de estímulo e de amizade. Mas também constatei alguma preocupação ou mesmo apreensão com o meu estado de saúde. Isso leva-me a prestar um esclarecimento: neste momento, fruto dos tratamentos a que fui submetido (e que continuam) fiz uma notável recuperação e sinto-me bastante bem, levando uma vida praticamente normal, ou seja, estou efetivamente a saborear a minha sopa, cheia de sabores intensos e carregada mesmo de aromas gostosos e apetecíveis.
O meu muito obrigado a todos pelo estímulo que me deram, pelos ingredientes que forneceram para enriquecer a muita sopa de pedra. Estou numa competição onde quero chegar o mais longe possível e, como em qualquer competição, os aplausos da assistência são um forte estímulo para quem, no terreno do jogo, ambiciona ser campeão.
Um grande abraço
Alexandre Ribeiro




segunda-feira, 4 de maio de 2015


CAMPEONATO NACIONAL DE FUTEBOL

Estando prestes a terminar o campeonato nacional de futebol, com um vencedor já anunciado, é altura de se fazerem alguns balanços e se retirarem algumas conclusões. Como sou parte interessada (adepto do F. C. do Porto) aqui fica desde já a minha declaração de interesses.

 Eis algumas conclusões e análises que faço:

1 – O Benfica é um campeão a quem tem de ser reconhecido todo o mérito, pesem embora algumas vicissitudes (inevitáveis) que todos os anos e em todas as circunstâncias ocorrem. Parabéns ao Benfica.

2 – Sem retirar uma ponta de mérito ao Benfica, que mostrou ser a equipa mais regular e mais trituradora dos adversários ao longo do campeonato, há que reconhecer que o Porto poderia ter sido campeão, o que exigiria e significaria que teria feito uma época extraordinária, quase ao nível das suas melhores de sempre. Efetivamente não foi assim e o Porto fraquejou, por diversas razões, em todos os momentos cruciais do campeonato.

3 – Demonstrou-se de forma evidente que o nosso campeonato tem 4 escalões claramente definidos: os 3 grandes, 3 ou 4 equipas que em cada ano ousam chegar-se aos três do topo e fazer umas gracinhas, meia dúzia de equipas que com alguma tranquilidade conseguem em anos sucessivos garantir a permanência e meia dúzia de aflitos que vão alternando no inevitável sobe e desce. Há muita rigidez neste escalonamento e é difícil a qualquer equipa mudar de escalão.

4 – Num campeonato a 3 – Porto, Benfica e Sporting – o Benfica teria feito 6 pontos, o Porto 5 e o Sporting 3. Estes resultados aparecem claramente refletidos na classificação final. O Benfica demonstrou uma grande consistência defensiva, uma boa leitura do jogo e dos acontecimentos e um enorme pragmatismo. Mas foi dos 3 a equipa menos ousada, a que menos mostrou (pelo menos na aparência) vontade e capacidade para cair em cima dos adversários, afirmando a sua superioridade. No jogo da Luz um Benfica à campeão e com vontade de se afirmar como equipa superior tinha obrigação de cair em cima do Porto e ganhar o jogo. O Porto falhou, perdeu a sua derradeira oportunidade, mas em condições normais até teria obtido um bom resultado. O Benfica atingiu o seu objetivo, mas não foi aqui que demonstrou porque é que está à frente do Porto. Limitou-se a ser pragmático e consistente, o que, já sendo muito, é muito pouco para quem deveria confirmar a sua apregoada superioridade.

5 – Nos jogos entre os 3 grandes não se pode dizer que houve erros clamorosos dos árbitros, pelo que praticamente não há razões para contestação. Curiosamente o grande desequilibrador aqui acabou por ser o fator sorte, que em todas as circunstâncias sorriu ao Benfica, com um estrondoso bambúrrio particularmente no Dragão e em Alvalade. Se a sorte dos jogos tivesse sorriso ao Porto com a mesma intensidade o F. C. P. poderia ter somado 8 ou até 10 pontos e o Benfica poderia ter-se ficado pelos 2 ou 3. E a sorte do campeonato teria sido completamente outra. Diga-se o que se disser, o fator sorte acaba por ser, em jogos entre equipas de valor semelhante, um fator decisivo e que acaba por marcar os jogadores para o resto do campeonato.

6 – No campeonato com os médios e pequenos clubes o Benfica revelou uma manifesta superioridade, somando sucessivas e esmagadoras vitórias, ao contrário do Porto e do Sporting que foram desperdiçando pontos por todo o lado.

7 – Quando há um notório equilíbrio entre equipas que lutam pelo título, este acaba por decidir-se pelos pontos ganhos em jogos onde se anteviam dificuldades e os pontos perdidos onde era suposto ganhar-se. Sem querer dar nenhum ênfase especial a qualquer dos fatores que vou citar, considero que há 4 de relevância decisiva na atribuição dos pontos:

  1. Os erros (penalizadores ou de favorecimento) da arbitragem
  2. Os erros taticos ou estratégicos dos treinadores
  3. A atitude dos jogadores em campo em determinados jogos
  4. O fator sorte/azar, nomeadamente quando decididos nos últimos minutos de um jogo

Tendo em conta estes 4 fatores acho que o Porto terá perdido mal cerca de 14 pontos -  com o Guimarães, com o Benfica no Dragão, com o Boavista, com o Estoril, com o Marítimo, com o Nacional. Neste critério o Benfica terá perdido apenas 6 pontos (com o Rio Ave e com o Paços de Ferreira) em jogos que chegou a ter na mão.

Já quanto a pontos ganhos de forma inesperada ou com favorecimento (do árbitro ou da sorte) o Porto terá beneficiado apenas nos jogos de Penafiel e Estoril, enquanto o Benfica soma uma mão cheia, nos jogos com o Porto e Sporting, Rio Ave e Gil Vicente na Luz e com o Moreirense.

Foi aqui que se decidiu o campeonato e aqui o Porto perdeu em toda a linha. Nestes 4 fatores decisivos e em jogos cruciais o Benfica levou claramente a melhor sobre o Porto. E se o Benfica acabar sendo campeão apenas com 3 pontos de avanço isso significa que o Porto bem poderia ter trocado as voltas ao destino. Mas a vida é assim. Para o ano há mais.

segunda-feira, 20 de abril de 2015



JÁ SÓ QUERO ESTA SOPA DE PEDRA

 
Para quem não conhece a história da sopa de pedra vou contar uma das suas múltiplas versões, de forma muito resumida e ligeira.

Um viajante chegou exausto a uma casa isolada nos confins da serra, depois de uma jornada desgastante e praticamente sem ter comido nesse dia. Acolhido com verdadeiro espírito hospitaleiro pelo dono da casa, pede-lhe “só” um monte de palha onde pudesse pernoitar e uma panela com água e uma pedra “para fazer uma sopinha”. O dono da casa logo se prontifica a satisfazer-lhe o pedido, mas ficou curioso por saber como é que aquele esfomeado e cansado maltrapilho iria fazer uma sopa só com água e uma pedra.

O viajante pôs a água a ferver com a pedra dentro e, depois desta aquecida, provou uma colherada, que saboreou como se fosse um petisco divinal.

O dono da casa, cada vez mais curioso e perplexo, pergunta se a sopa está boa.

- Hum! Uma delícia. Mas ficaria bem melhor se lhe juntasse uma couvinha.

De pronto aparecerem as couves e o viajante repetiu a prova depois do necessário tempo de cozedura.

- Então como é que vai a sopa?

- Está bem melhor. Mas se lhe juntasse agora uma batatinha…

E logo o dono da casa, pressuroso, foi buscar uma pequena cesta com batatas.

A história repetiu-se ene vezes, com ingredientes pedidos um de cada vez pelo esfomeado viajante, a que o dono da casa ia dando acolhimento: foram feijões, um pedacinho de toucinho, chouriço, carne de porco, etc., etc., etc..

No fim, a sopa de pedra tinha um riquíssimo valor nutritivo e estava de facto uma verdadeira delícia.

 

 
Esta “estória” serve-me de introdução à história que hoje queria contar. Quando há uns bons anos me foi diagnosticado um cancro, por sinal bastante indelicado e agressivo, fiquei, obviamente, siderado. Não quis por isso alimentar falsas ilusões, mas nunca desisti de ter expectativas que pudessem ser consideradas razoáveis. E então a primeira coisa que pedi ao DDT (dono disto tudo), qual génio da lâmpada, foi um singelo, desesperado e humano desejo: que me deixasse viver mais um bom par de anos.

- Hum! Isso não te prometo. Vamos ver. Terás de viver um dia de cada vez.

- De acordo. Não te peço muito. Mas acho que mereço esse “bónus” e gostava de poder viver esses dias com alguma tranquilidade.

 
Pareceu-me que o génio da lâmpada estava predisposto a ajudar-me e a fazer por mim o que lhe fosse possível. E com o passar do tempo fui ganhando a confiança e o descaramento para ir formulando sucessivos pedidos. Os mais óbvios eram sentir-me bem e sem dores, desfrutar de muitos momentos de convívio com a família e com os amigos e que não me faltasse o dinheiro necessário para as necessidades básicas. A todos esses pedidos o génio foi condescendente e generoso, ultrapassando as minhas legítimas expectativas. Isso levou-me ao ponto de me tornar cada vez mais ousado e preciso nos pedidos.

- Gostava que ver crescer o meu primeiro neto, o Francisco - atrevi-me a pedir ao génio da lâmpada.

- Está bem. Fica sossegado Esse teu desejo será satisfeito.

- Gostava muito de poder voltar ao palcos e encenar uma peça de teatro para “o meu povo de Nogueira da Regedoura”.

E o génio da lâmpada satisfez-me o desejo. A peça foi levada à cena e foi um sucesso.

- Já trabalhei em Moçambique. Será que me deixas ir conhecer Angola?

E lá fui a Angola fazer um trabalho de consultadoria, que pessoal e profissionalmente foi muito enriquecedor.

- Gosto tanto de viajar e passar férias! Será que posso?

E lá fui conhecer mais uma ilha e viver uns dias maravilhosos com a Maria, a minha companheira de uma vida.

- Os momentos de família e com os amigos são maravilhosos.

- Vais ter oportunidades de desfrutar muitos desses belos momentos.

E foram natais e páscoas, foram passeios e convívios, incontáveis momentos de prazer ou de serena felicidade.

- Os prazeres da mesa também sabem bem.

- Vais poder saborear belas refeições e gostosos petiscos sem grandes limitações.

E foram incontáveis as tainadas em família e com amigos.

- E outros prazeres?

- Bom, não exageres e não peças demais.

- Mudemos então de tema: se me deixasses conhecer o meu segundo neto  seria uma enorme felicidade.

O génio aquiesceu e pude ver o meu neto Afonso crescer e ensinei-o a erguer-se e a andar. Passei maravilhosos momentos de pura felicidade.

Obviamente houve momentos menos bons. Em determinada altura tive mesmo de usar canadianas, caminhar era um suplício, subir escadas era quase uma impossibilidade e dormir sem dores não chegava a ser um sonho. Pensei que estava arrumado para uma vida normal e para as simples alegria de uma caminhada. Mas estava enganado. Após novo tratamento voltei a poder andar, desapareceram as dores e regressei à rotina, retomando uma vida normal, desde que regrada.

- A minha filha Sara vai casar. Já assisti ao casamento da Sofia e não queria faltar a este momento tão importante na vida da família.

- Esse teu desejo será satisfeito – disse o génio da lâmpada, que parecia que simpatizava sinceramente comigo.

- Se não fosse pedir muito, gostava de encenar um novo espetáculo de teatro para o povo da minha terra.

- Que não seja por isso que te fines de tristeza

E o espetáculo já começou a ser preparado.

- Já escrevi dois livros. Um de poesia e outro sobre a minha área profissional, a economia. Mas como o que eu gosto é de escrever, e ao longo do tempo fui escrevinhando umas crónicas, ficava muito feliz se agora as publicasse em livro.

- Vamos a isso. Também eu estou com curiosidade em ler os teus escritos.

E o Livro de crónicas e afins está praticamente pronto para ser publicado.

 
De tempos a tempos vou desafiando o génio da lâmpada, continuando a formular sucessivos pedidos, um singelo desejo de cada vez. E ele parece condescendente e disponível para satisfazer todos os meus caprichos.

 
O meu tempo de sobrevida após a deteção do cancro acabou por ser uma verdadeira sopa de pedra. Os anos que vivi depois de conhecer o veredito têm sido extremamente saborosos, cheios, preenchidos. Ao contrário do António Variações, em cada momento eu estou bem onde estou e com quem estiver. Saboreei todos os minutos e segundos com uma sofreguidão e uma enorme vontade de viver cada instante com toda a intensidade. Tenho-me deleitado a saborear o magnífico “repasto” que eu próprio fui preparando com os ingredientes por mim solicitados e que o génio da lâmpada generosamente me vai facultando.

Agora já só quero saborear esta gostosa sopa de pedra, que me alimenta o corpo e enriquece e inebria a alma.

 
Abril de 2015

 
Alexandre Ribeiro

segunda-feira, 30 de março de 2015

SALÁRIO PENHORADO POR DÍVIDA DE 5 CÊNTIMOS AO FISCO


A notícia já tem 2 meses e transcrevo-a integralmente, como a vi publicada no ZAP.AEIOU. Afinal não é só a lista VIP a causar mossa ao mexilhão. Decididamente vivemos num estado que se compraz em aterrorizar o cidadão (este é apenas um exemplo caricato e ilustrativo, mas há casos verdadeiramente graves) e não há sistema informático ou dirigente com bom senso e humanidade capazes de porem cobro a estes desmandos. Parece que estamos entregues aos bichos.


"O caso insólito é relatado por Augusto Gonçalves, 46 anos, ao Jornal de Notícias. Este dono de um café foi às Finanças de Lousada pagar o imposto de selo de um carro e ficou a saber que o salário da mulher estava penhorado, por causa de uma dívida de cinco cêntimos.
“Por cinco cêntimos penhoraram o salário da minha mulher! Ainda estive para perguntar se poderia pagar os cinco cêntimos em prestações”, refere Augusto Gonçalves ao JN.
O comerciante foi pagar o selo de um carro que já tinha vendido e foi confrontado com a dívida alusiva aos juros de mora pelo atraso no pagamento do selo de outro veículo, que estaria em nome da sua  esposa e que também já teria sido vendido, há vários anos.
“Disseram-me que o sistema eletrónico é cego e que, por haver juros, foi emitida uma penhora imediata sobre o salário da minha mulher. Será normal que o Fisco penhore um salário por uma dívida de cinco cêntimos?” Eis a pergunta que Augusto Gonçalves deixa no ar.
Para lá do salário penhorado e dos 5 cêntimos de dívida, o comerciante ainda terá que desembolsar 68,25 euros de multa por se ter atrasado no pagamento do selo. Só que este valor ainda não entrou no sistema informático das Finanças".

segunda-feira, 23 de março de 2015


O FUTEBOL TAMBÉM FAZ PARTE DA VIDA

O óbvio, o objetivo, o subjetivo e o estado anímico

O campeonato nacional de futebol está ao rubro agora que passou a haver duas equipas que estão dependentes de si próprias para poderem conseguir o almejado título de campeão nacional, o que não acontecia antes do início desta última jornada. Contudo, os “analistas” podem extrair dos resultados deste fim de semana conclusões muito díspares.

Era comummente aceite entre os comentadores, mesmo os mais ferrenhos adeptos do F. C. Porto, que se os portistas perdessem pontos para o Benfica o campeonato ficava já com o destino traçado. Pois nesta jornada o F. C. Porto perdeu pontos e mesmo assim não só não delapidou a hipótese de ser campeão como se aproximou do Benfica e ganhou o direito de depender de si próprio, sem precisar da ajuda de terceiros. Isto é objetivo, seja qual for o ângulo de análise.

Agora dirão uns que o Porto ganhou um ponto ao Benfica, que pode ser precioso para a atribuição do título. Outros dirão que desperdiçou 2 pontos que chegaram a estar ao seu alcance e que muita falta lhe poderá fazer nas contas finais. Duas verdades que têm muito que se lhe diga e que levam os otimistas e os pessimistas de um e outro clube a fazer análises contraditórias.

À partida para esta jornada quase todos previam que se iria cumprir calendário, mantendo os dois rivais a mesma diferença pontual, ficando a faltar menos um jogo para o final do campeonato. Mas a verdade é que o Porto conseguiu duas importantes vantagens: ganhou o direito a dizer que passou a depender de si próprio para poder ser campeão e ganhou um ponto que pode ser preciosíssimo e que pode levar o campeonato a ser disputado até ao último segundo, não sendo de descartar a hipótese de ser decidido por um qualquer golo nos minutos finais. Mas não é menos verdade que depois do intervalo do jogo na Madeira o Benfica ganhou 2 preciosos pontos, a eles se juntando a vantagem de poder perder o jogo da Luz com o seu rival e mesmo assim poder festejar o título se a derrota for por menos de 3 golos de diferença. Não é coisa pouca.

Como se vê, ambas as equipas podem gritar vitória na jornada, dependendo do ângulo de análise e, obviamente, do que acontecer daqui em diante e da forma como as equipas reajam a uma situação que alterou, e muito, o estado anímico de cada uma.

Até aqui tudo é simples e óbvio. Mas vejamos agora como é que podem então reagir animicamente as duas equipas:

- o Porto pode galvanizar-se por ter passado a depender de si próprio

- o Benfica pode cair em depressão porque perdeu terreno e deixou que o adversário deixasse de depender de terceiros

- mas também pode acontecer o contrário: o Porto pode ter ficado atordoado por ter deixado fugir 2 pontos e a oportunidade de poder ser campeão com um simples golo na Luz no último minuto

Mas analisemos a “evolução” do estado de espírito das 2 equipas num espaço de poucas horas:

- o Benfica, logo no início do jogo em Vila do Conde, entrou em euforia e já via uma larga e plana avenida à sua frente, com as faixas de campeão a reluzir ao fundo.

- no final do jogo o Benfica tinha caído na fossa e não lhe saía da mente a imagem de Jesus ajoelhado depois do golo de Kelvin há 2 anos no Dragão.

- ao intervalo do jogo da Madeira os portistas estavam entusiasmados e já sonhavam com a repetição de um cenário de sonho que conheceram em tempos recentes

- no final do jogo da Madeira os portistas perguntavam a si próprios como era possível o que estava a acontecer. E se o golo do Nacional tivesse sido no último minuto do jogo o Lopetegui poderia ter “ajoelhado”

Mas vamos admitir que se tinha invertido a ordem dos jogos e o primeiro tinha sido o da Madeira e só depois o de Vila do Conde. No final do jogo da Madeira os portistas teriam caído no inferno, e ninguém das suas hostes acreditaria que o Porto ainda poderia recuperar o título. E a euforia dos benfiquistas não teria tido limites, estralejando foguetes logo nos primeiros minutos do jogo de Vila do Conde, depois do golo madrugador de Salvio. Todavia, no final do jogo Jesus voltaria a ajoelhar e os portistas festejariam como se o título já estivesse no bolso.

Ironia e sortilégio do futebol que, “não passando de uns chutos dados numa bola”, tem destas coisas bonitas e profundamente humanas de mergulhar no que há de mais sensível no âmago da alma humana.


quinta-feira, 19 de março de 2015


A LISTA VIP E O DESPRESTÍGIO DAS INSTITUIÇÕES

O tema polémico da semana tem sido a lista de contribuintes VIP. O tema merece-me alguns comentários.

Ponto 1 – O poder dos burocratas

Todos sabemos que o fisco hoje é uma máquina trituradora dos cidadãos, que estão desprotegidos face ao poder discricionário da máquina fiscal. Mas o problema não acaba aqui. Às vezes é precisamente aqui que o problema começa. O cidadão com acesso a informação privilegiada é alguém que detém uma importante fonte de poder. Não se podendo fazer generalizações, que seriam injustas e abusivas, sabemos que há trabalhadores do estado que “sabem e costumam usar” o seu acesso ao conhecimento de assuntos reservados ou confidenciais, utilizando-o para fins absolutamente ilícitos. Desde a simples coscuvilhice, até à demonstração e ostentação do poder “de quem sabe”, passando pelo exercício de vingança ou obtenção de benefícios através da negociação da informação com meios de comunicação social ou outros. Hoje o cidadão é um joguete nas mãos de meros burocratas que detém o privilégio de acesso a informação confidencial.   

O estado democrático precisa de pôr cobro a estes desmandos.

Ponto 2 – O interesse das listas de contribuintes VIP’s

Em minha opinião a existência de listas de contribuintes VIP peca, basicamente, pela discriminação dos contribuintes em contribuintes de primeira e contribuintes de segunda, pois todos terão direito a que a sua situação não seja vasculhada por um qualquer burocrata com fins inconfessáveis. Mas não sejamos ingénuos nem demagogos e atentemos numa coisa: todos os cidadãos devem ser tratados por igual, mas este princípio não invalida, antes é confirmado, pela necessidade de tratar de forma desigual o que é desigual. Todos achamos impossível que o estado possa pôr um guarda-costas a cuidar da segurança de cada cidadão. Mas todos achamos correto que o presidente da república, o primeiro ministro e outras figuras do estado sejam protegidos por guarda-costas, nomeadamente em determinados atos públicos com acrescido risco, sob pena de assistirmos, nos dias de terror que hoje se vivem, a atos de vandalismo, assassinatos ou outros crimes bárbaros. O exercício de determinadas funções e a responsabilidade e o risco inerentes determinam que nessas circunstâncias se tomem medidas especiais.

Algo de semelhante se poderá considerar em relações a especiais precauções a tomar no que respeita à reserva de acesso a informação em matéria fiscal. Com algumas ressalvas: o cidadão comum tem igualmente o direito de ser protegido, não são só os VIP’s; o problema não pode ser resolvido através de simples listas nominais, eventualmente elaboradas por meros funcionários, mesmo que do topo da hierarquia, devendo antes obedecer a critérios discutidos e aprovados por órgãos com legitimidade democrática.

Ponto 3 – As trapalhices do governo

Passos Coelho (aliás, na esteira de Sócrates, de quem é, nesse domínio, um diligente discípulo) já nos habituou às suas trapalhices na abordagem de temas incómodos. Num primeiro momento começa por negar com todos os dentes todas as notícias que o possam beliscar a si próprio ou ao governo a que preside, procurando escapar por entre os pingos da chuva e esperando que passe o vendaval. Num segundo momento, quando as evidências são indisfarçáveis e surgem as provas, aparece então com explicações esfarrapadas que só convencem os tansos e põe os seus apaniguados a fazer figura de parvos. Vêm depois os pedidos de desculpa que, se foram aceites com condescendência numa fase inicial, começam já a soar completamente a falso, mesmo que sejam sentidos, fazendo lembrar a história do aí vem lobo. Ao fim de algum tempo já ninguém acredita nos gritos de socorro mesmo quando o lobo desce ao povoado.

Ponto 4 – Parece que ninguém aprendeu nada

Morais Sarmento terá sido porventura o primeiro e único político a tomar a atitude séria e inteligente de informar os portugueses sobre erros que terá cometido na vertigem da juventude.

Os portugueses apreciaram o gesto e hoje respeitam o político e o comentador, ignorando o seu passado pouco recomendável nos meandros da toxicodependência.

Os portugueses sabem compreender e perdoar os erros, distinguindo bem a seriedade e a frontalidade das trapalhices e do chico-espertismo.


quinta-feira, 5 de março de 2015


A MISTIFICAÇÃO DO SUCESSO

“Passos Coelho liderou uma austeridade brutal, superou a birra de Portas, a demissão de Gaspar, a manha de Relvas, o fiasco de Crato; cortou salários, pensões, serviços na saúde – e em vez de guia de marcha tem um boletim eleitoral no bolso.

O que impressiona é a mistificação do sucesso estar a pegar. O programa do governo, ditado pela troika, fracassou. Nas metas, claro, mas sobretudo como modelo de reconstrução da economia e de abertura da sociedade. O modelo económico passava por reformas estruturais que criassem concorrência e descessem os custos do trabalho, para atrair investimento estrangeiro em indústrias exportadoras; a poupança das famílias conteria a dívida pública e os excedentes orçamentais colocariam fim ao descontrolo das contas do Estado. Mais tarde, os impostos desceriam. A economia cresceria 3% a 4% ao ano. O Nirvana.

Nada disso: a economia cresce pouco e, esgotada a subida das exportações, é de novo o consumo interno a puxar pela economia. Estamos a importar automóveis alemães outra vez como se fossemos doidos, a gastar parte do que poupamos, temos a dívida externa no topo, a dívida pública a subir, o défice orçamental ainda acima dos 3%. O governo não acabou com rendas excessivas: vendeu-as a estrangeiros.

As reformas estruturais são uma farsa: a do Estado, a da Segurança Social, até a das leis laborais. O que se fez foi cortar custos do trabalho, desequilibrando apoios sociais.

O problema é e sempre foi político mais do que financeiro”

 

O articulista conclui que O PS não sabe crescer

 

Pedro Santos Guerreiro – Expresso de 28 de Fevereiro 2015

 

sábado, 28 de fevereiro de 2015


GRÉCIA – O MAU ALUNO

“O Syriza ficou muito longe de conseguir o que queria. Mas em vez de novas medidas de austeridade, conseguiu mais financiamento e flexibilidade em troca da promessa do combate à corrupção, à lavagem de dinheiro, à fraude em benefícios sociais e à evasão fiscal. O acordo deixado pelo governo anterior de cortar pensões e aumentar o IVA foi enterrado; o governo vai reintegrar 2100 funcionários públicos ilicitamente despedidos; os cortes na despesa não serão em salários nem pensões; o governo passou a dar apoio a quem não pode pagar a eletricidade e vais oferecer cupões de refeição para famílias sem rendimentos; volta a garantir o Serviço Nacional de Saúde que a troika retirou aos desempregados; o aumento do salário mínimo, se bem que faseado, ficou garantido; quem esteja em dificuldades em pagar dívidas ao Estado e à banca terá apoio especial; foram travadas novas privatizações.

O Syriza conseguiu um conjunto de medidas que vão no sentido inverso ao da austeridade. E conseguiu-o no pior contexto possível: a dias de ficar sem financiamento e com a Grécia sozinha no Eurogrupo.

Os resultados desta negociação não se devem avaliar pela distância entre o que a Grécia queria e o que conseguiu, mas pela distância entre o que tinha e o que conquistou. A verdade é que arrancou muito mais da Europa que a postura do bom aluno”


Daniel Oliveira – Expresso de 28 de Fevereiro 2015



 

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015


O FILME DO MOMENTO

A série que no momento passa nas televisões de todo o mundo, suscitando reações epidérmicas em muitos espetadores, relata-nos uma história que, não sendo inédita, é muito peculiar. Mas para se perceber o enredo é necessário segmentar a série em várias partes.

1.ª parte

O grupo Almeida&Filhos produzia e comercializava vários tipos de cobiçados produtos. Entre eles automóveis topo de gama, que lhe custavam 50 mil euros e que colocava no mercado ao preço de 100 mil euros. E não faltavam compradores.

O sr. Grade era um campónio que ansiava por ter um desses automóveis. Mas como aceder-lhe se custavam 100 mil euros?

Não há problemas: Almeida&Filhos também tinha forma de conceder crédito para que o sr. Grade pudesse comprar o ansiado carro. Com um juro de 10%, resolvia-se o problema.

Assim, o sr. Grade adquiriu um carro que lhe custou 100 mil euros. Pagava de juros 10 mil por ano. Ao fim de 10 anos já tinha pago 100 mil euros de juros (2 vezes o custo de produção do carro) mas continuava a dever os mesmos 100 mil. Mas tinha o carro dos seus sonhos.

Por sua vez Almeida&Filhos tinha fornecido ao sr. Grade um carro que lhe tinha custado 50 mil euros; recebeu 100 mil euros só de juros e continuava a ter um crédito de 100 mil euros.

2.ª parte

Problemas diversos na sua vida pessoal e complicações inesperadas (!!!),levaram a que o Sr. Grade começasse a manifestar dificuldade em pagar os juros a que se havia comprometido. Por sua vez instalou-se a barafunda no grupo Almeida&Filhos, que começava a ter dificuldades de cobrança junto dos seus devedores, tendo tomado decisões drásticas de controlo do crédito. Resumindo: obrigou o sr. Grade a pagar o que devia, estabelecendo um prazo curtíssimo para o efeito. Mas deu-lhe uma chance de o poder fazer com toda a “comodidade”:

- apresentou ao sr. Grade a Companhia da Tralha Lda (onde Almeida&Filhos também era sócio, com uma posição de relevo) a qual abriria uma linha de financiamento de 100 mil euros

- este empréstimo deveria ser liquidado no prazo de 5 anos

- com os 100 mil euros dessa linha de financiamento o sr Grade pagava a dívida a Almeida&Filhos

O sr. Grade aceitou a proposta, mal tendo reparado que, para liquidar o empréstimo em 5 anos, teria de passar a pagar 20 mil euros por ano mais os juros, ou seja mais do dobro do que vinha pagando nos anos anteriores.

3.ª parte

Como a mudança de regime operada na 2.ª parte tinha tido por base as dificuldades económicas, o sr. Grade não conseguiu resolver o problema e passou a não ter sequer possibilidade de pagar a totalidade dos juros à Companhia da Tralha Lda. Por isso, passados alguns anos, a sua dívida era já bastante superior aos 100 mil euros iniciais. Apresenta então à Companhia da Tralha Lda um plano de pagamento que começa por uma proposta de perdão parcial da dívida, mas acaba numa simples redução dos juros e alargamento do prazo de pagamento.

A Companhia da Tralha Lda reage muito mal à proposta do sr. Grade, particularmente o seu sócio Almeida&Filhos, que se coloca numa posição irredutível e exige o cumprimento estrito do contrato, pois eles (Almeida&Filhos) não estão mais dispostos a suportar as dívidas do sr. Grade.

 

Ainda falta muito para a série chegar ao fim, pelo que se espera com expectativa pelas cenas dos próximos capítulos. Mas quem só começou a ver a série na 3.ª parte e não sabe o que se passou nos primeiros capítulos vai ter muita dificuldade em perceber o enredo.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015


HEPATITE C

Não sou seguramente a pessoa mais indicada para falar sobre a hepatite C. Nem sequer para dissertar sobre o “valor” de cada vida humana. Nem quero entrar na análise da revolta, violenta e dramática, de quem sente que entre a sua vida e a morte existe uma barreira que se mede em euros. Nem sequer alinho numa via, que facilmente resvala para a demagogia (de parte a parte), de discutir se o SNS deve pagar ou não tratamentos que podem custar ao erário público milhares de milhões de euros. Mas há algumas facetas do problema que não posso deixar de abordar.

Admitamos que em Portugal existem 13 mil doentes com hepatite C que podem ser curados com a medicação inovadora lançada no mercado há pouco mais de um ano. Admitamos que cada tratamento custa 48.000 euros. Tratar todos estes doentes no SNS custará ao país 624 milhões de euros.

Admitamos agora que os fármacos para cada tratamento custam à indústria 1.000 euros. Nesse caso o lucro das farmacêuticas será 611 milhões, a que corresponde uma taxa de 4.600%. Estes números são, na aparência, obscenos, tanto mais quando se sabe que estão em causa vidas humanas. A questão é que o que é preciso pagar não é apenas o custo dos fármacos, mas os milhões gastos na investigação, que por norma demora anos e anos e envolve equipas numerosas, altamente qualificadas, e que habitualmente fazem centenas ou milhares de experiências frustrantes antes de acertarem na fórmula de sucesso.

Um medicamento que seja um êxito no mercado - nomeadamente quando permite salvar vidas e se aplique a um universo alargado – é um filão que a indústria farmacêutica obviamente não vai largar. Difícil é estabelecer o equilíbrio entre a necessidade de financiar um setor vital para o desenvolvimento da humanidade e um preço justo que não traduza apenas a desproporcionada relação de força entre quem não quer morrer mas não pode pagar o preço da cura. E o mercado costuma ser implacável.

É aqui que se volta a colocar a questão do apoio que o estado deve dar ao desenvolvimento científico, nomeadamente na área da saúde. É muito fácil cortar o financiamento à ciência e, no curto prazo, ninguém nota qualquer diferença nos resultados. E esse é outro grande drama – a difícil mensuração dos resultados e a demora (que pode ser de dezenas de anos) para atingi-los. Mas quando o êxito acontece os resultados podem ser espantosos. Imagine-se o que seria a cura da hepatite C ter sido uma descoberta dos nossos institutos de investigação e os fármacos serem fornecidos pela nossa indústria farmacêutica!

Quando pensamos no quanto custa a educação, a investigação e o desenvolvimento científico, deveríamos pensar primeiro em quanto custa “investir” na inação.



 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015


AINDA O MASSACRE DE PARIS

Sobre o massacre de Paris têm sido tentadas diversas explicações, nomeadamente baseadas em razões históricas e sociológicas.

Na minha opinião nenhuma delas é minimamente consistente para explicar (e muito menos justificar) estes atos hediondos.

Fala-se em vingança resultante do movimento das cruzadas do séculos XI e XII. Mas basta pensar nas barbaridades cometidas hoje nos países de origem dos fundamentalistas e nas pretensas regras da “charia”” aplicadas aos próprios muçulmanos (mutilações, apedrejamentos, assassinatos por motivos fúteis, total desrespeito pelos mais elementares direitos humanos) para verificarmos que não pode ser aí encontrada a explicação. Também não colhem, quanto a mim, e por idênticas razões, as explicações destes atos com base nas condições em que os islâmicos vivem na Europa e nas dificuldades de integração. O maior viveiro de jihadistas e um dos países onde a charia é aplicada pelo estado com todo o fervor é a Arábia Saudita, país onde o petróleo abunda e supostamente não há pobres. E os portugueses (só a título de exemplo) não apresentam em França os problemas de integração de que se queixam os islâmicos. Nem pouco mais ou menos.

Na Europa não é permitido ensinar fascismo, nazismo ou racismo, mas permite-se ensinar islamofascismo e aceitam-se mesquitas que funcionam como centros de recrutamento de jihadistas. Deixemo-nos de masoquismos e olhemos o problema de frente. O tempo da inquisição e das cruzadas já passou há muitos séculos e a igreja católica, que tantos erros cometeu nessa fase, mas que não tem o terror e a guerra inscritos no seu ADN herdado da Bíblia (mas antes o perdão e a oferta da outra face a quem nos ofende), fez entretanto um percurso notável, enquanto o fundamentalismo islâmico continua no século XXI mergulhado no mais obscuro período da idade média e sem dar sinais de qualquer progresso, antes pelo contrário.

Vejamos o que diz José Rodrigues dos Santos em entrevista à revista Sábado de 22 de Janeiro:

“Há uma série de líderes ocidentais que dizem que o Islão é uma religião pacífica que foi sequestrada por um bando de extremistas. Esta é a versão politicamente correta. Mas será verdadeira? As pessoas que dizem isso nunca leram uma linha do Alcorão. Limitam-se ao politicamente correto. Eu li o Corão e os ahadith (conjunto de leis, lendas e histórias sobe a vida de Maomé) e o que encontrei é perturbador. Muitos dos atos levados a cabo pelos fundamentalistas não se devem a atos de loucura, mas a injunções do Alcorão e dos ahafith. Maomé liderou exércitos em mais de 70 batalhas. Maomé não era um pacifista. Era um líder militar. O que fazem os líderes militares? Matam e mandam matar.

Muita gente fala do fundamentalismo islâmico sem alguma vez ter estudado essa ideologia. As pessoas limitam-se a exprimir ideias feitas do estilo “o Islão é pacífico e esta gente anda a adulterar a sua mensagem de amor”. Existe uma vertente violenta nesta religião. Os fundamentalistas não inventaram nada. Eles conhecem de cor os versículos e os ahadith de apologia da guerra. O que se passa é que acreditam que tudo o que está nos textos é literalmente verdadeiro  (e para cumprir, digo eu). Existe um ahadith em que Maomé diz que quem morrer em jihad tem lugar garantido no paraíso, por mais pecados que tenha cometido. Mais, terá 72 virgens à sua disposição. É tudo levado à letra”.

Os praticantes pacíficos do islamismo e que absorveram e/ou aceitam os valores culturais da Europa e do Ocidente em geral – desde logo a liberdade e os direitos humanos - terão de ser chamados a cooperar com os estados onde as suas comunidades se instalaram e deverão ser responsabilizados pela defesa desses valores, sob pena de perda de nacionalidade, expatriação ou sanções semelhantes e, obviamente, terão de sujeitar-se estritamente às leis vigentes no país de acolhimento. Isto tem de ser válido para comunidades islâmicas, ciganos ou quaisquer outras comunidades mais resistentes à integração. Quem melhor conhece e melhor pode controlar os extremistas e os desintegrados que os próprios líderes? Tem de haver uma estreita cooperação entre os estados e os líderes dessas comunidades.