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Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

segunda-feira, 30 de março de 2015

SALÁRIO PENHORADO POR DÍVIDA DE 5 CÊNTIMOS AO FISCO


A notícia já tem 2 meses e transcrevo-a integralmente, como a vi publicada no ZAP.AEIOU. Afinal não é só a lista VIP a causar mossa ao mexilhão. Decididamente vivemos num estado que se compraz em aterrorizar o cidadão (este é apenas um exemplo caricato e ilustrativo, mas há casos verdadeiramente graves) e não há sistema informático ou dirigente com bom senso e humanidade capazes de porem cobro a estes desmandos. Parece que estamos entregues aos bichos.


"O caso insólito é relatado por Augusto Gonçalves, 46 anos, ao Jornal de Notícias. Este dono de um café foi às Finanças de Lousada pagar o imposto de selo de um carro e ficou a saber que o salário da mulher estava penhorado, por causa de uma dívida de cinco cêntimos.
“Por cinco cêntimos penhoraram o salário da minha mulher! Ainda estive para perguntar se poderia pagar os cinco cêntimos em prestações”, refere Augusto Gonçalves ao JN.
O comerciante foi pagar o selo de um carro que já tinha vendido e foi confrontado com a dívida alusiva aos juros de mora pelo atraso no pagamento do selo de outro veículo, que estaria em nome da sua  esposa e que também já teria sido vendido, há vários anos.
“Disseram-me que o sistema eletrónico é cego e que, por haver juros, foi emitida uma penhora imediata sobre o salário da minha mulher. Será normal que o Fisco penhore um salário por uma dívida de cinco cêntimos?” Eis a pergunta que Augusto Gonçalves deixa no ar.
Para lá do salário penhorado e dos 5 cêntimos de dívida, o comerciante ainda terá que desembolsar 68,25 euros de multa por se ter atrasado no pagamento do selo. Só que este valor ainda não entrou no sistema informático das Finanças".

segunda-feira, 23 de março de 2015


O FUTEBOL TAMBÉM FAZ PARTE DA VIDA

O óbvio, o objetivo, o subjetivo e o estado anímico

O campeonato nacional de futebol está ao rubro agora que passou a haver duas equipas que estão dependentes de si próprias para poderem conseguir o almejado título de campeão nacional, o que não acontecia antes do início desta última jornada. Contudo, os “analistas” podem extrair dos resultados deste fim de semana conclusões muito díspares.

Era comummente aceite entre os comentadores, mesmo os mais ferrenhos adeptos do F. C. Porto, que se os portistas perdessem pontos para o Benfica o campeonato ficava já com o destino traçado. Pois nesta jornada o F. C. Porto perdeu pontos e mesmo assim não só não delapidou a hipótese de ser campeão como se aproximou do Benfica e ganhou o direito de depender de si próprio, sem precisar da ajuda de terceiros. Isto é objetivo, seja qual for o ângulo de análise.

Agora dirão uns que o Porto ganhou um ponto ao Benfica, que pode ser precioso para a atribuição do título. Outros dirão que desperdiçou 2 pontos que chegaram a estar ao seu alcance e que muita falta lhe poderá fazer nas contas finais. Duas verdades que têm muito que se lhe diga e que levam os otimistas e os pessimistas de um e outro clube a fazer análises contraditórias.

À partida para esta jornada quase todos previam que se iria cumprir calendário, mantendo os dois rivais a mesma diferença pontual, ficando a faltar menos um jogo para o final do campeonato. Mas a verdade é que o Porto conseguiu duas importantes vantagens: ganhou o direito a dizer que passou a depender de si próprio para poder ser campeão e ganhou um ponto que pode ser preciosíssimo e que pode levar o campeonato a ser disputado até ao último segundo, não sendo de descartar a hipótese de ser decidido por um qualquer golo nos minutos finais. Mas não é menos verdade que depois do intervalo do jogo na Madeira o Benfica ganhou 2 preciosos pontos, a eles se juntando a vantagem de poder perder o jogo da Luz com o seu rival e mesmo assim poder festejar o título se a derrota for por menos de 3 golos de diferença. Não é coisa pouca.

Como se vê, ambas as equipas podem gritar vitória na jornada, dependendo do ângulo de análise e, obviamente, do que acontecer daqui em diante e da forma como as equipas reajam a uma situação que alterou, e muito, o estado anímico de cada uma.

Até aqui tudo é simples e óbvio. Mas vejamos agora como é que podem então reagir animicamente as duas equipas:

- o Porto pode galvanizar-se por ter passado a depender de si próprio

- o Benfica pode cair em depressão porque perdeu terreno e deixou que o adversário deixasse de depender de terceiros

- mas também pode acontecer o contrário: o Porto pode ter ficado atordoado por ter deixado fugir 2 pontos e a oportunidade de poder ser campeão com um simples golo na Luz no último minuto

Mas analisemos a “evolução” do estado de espírito das 2 equipas num espaço de poucas horas:

- o Benfica, logo no início do jogo em Vila do Conde, entrou em euforia e já via uma larga e plana avenida à sua frente, com as faixas de campeão a reluzir ao fundo.

- no final do jogo o Benfica tinha caído na fossa e não lhe saía da mente a imagem de Jesus ajoelhado depois do golo de Kelvin há 2 anos no Dragão.

- ao intervalo do jogo da Madeira os portistas estavam entusiasmados e já sonhavam com a repetição de um cenário de sonho que conheceram em tempos recentes

- no final do jogo da Madeira os portistas perguntavam a si próprios como era possível o que estava a acontecer. E se o golo do Nacional tivesse sido no último minuto do jogo o Lopetegui poderia ter “ajoelhado”

Mas vamos admitir que se tinha invertido a ordem dos jogos e o primeiro tinha sido o da Madeira e só depois o de Vila do Conde. No final do jogo da Madeira os portistas teriam caído no inferno, e ninguém das suas hostes acreditaria que o Porto ainda poderia recuperar o título. E a euforia dos benfiquistas não teria tido limites, estralejando foguetes logo nos primeiros minutos do jogo de Vila do Conde, depois do golo madrugador de Salvio. Todavia, no final do jogo Jesus voltaria a ajoelhar e os portistas festejariam como se o título já estivesse no bolso.

Ironia e sortilégio do futebol que, “não passando de uns chutos dados numa bola”, tem destas coisas bonitas e profundamente humanas de mergulhar no que há de mais sensível no âmago da alma humana.


quinta-feira, 19 de março de 2015


A LISTA VIP E O DESPRESTÍGIO DAS INSTITUIÇÕES

O tema polémico da semana tem sido a lista de contribuintes VIP. O tema merece-me alguns comentários.

Ponto 1 – O poder dos burocratas

Todos sabemos que o fisco hoje é uma máquina trituradora dos cidadãos, que estão desprotegidos face ao poder discricionário da máquina fiscal. Mas o problema não acaba aqui. Às vezes é precisamente aqui que o problema começa. O cidadão com acesso a informação privilegiada é alguém que detém uma importante fonte de poder. Não se podendo fazer generalizações, que seriam injustas e abusivas, sabemos que há trabalhadores do estado que “sabem e costumam usar” o seu acesso ao conhecimento de assuntos reservados ou confidenciais, utilizando-o para fins absolutamente ilícitos. Desde a simples coscuvilhice, até à demonstração e ostentação do poder “de quem sabe”, passando pelo exercício de vingança ou obtenção de benefícios através da negociação da informação com meios de comunicação social ou outros. Hoje o cidadão é um joguete nas mãos de meros burocratas que detém o privilégio de acesso a informação confidencial.   

O estado democrático precisa de pôr cobro a estes desmandos.

Ponto 2 – O interesse das listas de contribuintes VIP’s

Em minha opinião a existência de listas de contribuintes VIP peca, basicamente, pela discriminação dos contribuintes em contribuintes de primeira e contribuintes de segunda, pois todos terão direito a que a sua situação não seja vasculhada por um qualquer burocrata com fins inconfessáveis. Mas não sejamos ingénuos nem demagogos e atentemos numa coisa: todos os cidadãos devem ser tratados por igual, mas este princípio não invalida, antes é confirmado, pela necessidade de tratar de forma desigual o que é desigual. Todos achamos impossível que o estado possa pôr um guarda-costas a cuidar da segurança de cada cidadão. Mas todos achamos correto que o presidente da república, o primeiro ministro e outras figuras do estado sejam protegidos por guarda-costas, nomeadamente em determinados atos públicos com acrescido risco, sob pena de assistirmos, nos dias de terror que hoje se vivem, a atos de vandalismo, assassinatos ou outros crimes bárbaros. O exercício de determinadas funções e a responsabilidade e o risco inerentes determinam que nessas circunstâncias se tomem medidas especiais.

Algo de semelhante se poderá considerar em relações a especiais precauções a tomar no que respeita à reserva de acesso a informação em matéria fiscal. Com algumas ressalvas: o cidadão comum tem igualmente o direito de ser protegido, não são só os VIP’s; o problema não pode ser resolvido através de simples listas nominais, eventualmente elaboradas por meros funcionários, mesmo que do topo da hierarquia, devendo antes obedecer a critérios discutidos e aprovados por órgãos com legitimidade democrática.

Ponto 3 – As trapalhices do governo

Passos Coelho (aliás, na esteira de Sócrates, de quem é, nesse domínio, um diligente discípulo) já nos habituou às suas trapalhices na abordagem de temas incómodos. Num primeiro momento começa por negar com todos os dentes todas as notícias que o possam beliscar a si próprio ou ao governo a que preside, procurando escapar por entre os pingos da chuva e esperando que passe o vendaval. Num segundo momento, quando as evidências são indisfarçáveis e surgem as provas, aparece então com explicações esfarrapadas que só convencem os tansos e põe os seus apaniguados a fazer figura de parvos. Vêm depois os pedidos de desculpa que, se foram aceites com condescendência numa fase inicial, começam já a soar completamente a falso, mesmo que sejam sentidos, fazendo lembrar a história do aí vem lobo. Ao fim de algum tempo já ninguém acredita nos gritos de socorro mesmo quando o lobo desce ao povoado.

Ponto 4 – Parece que ninguém aprendeu nada

Morais Sarmento terá sido porventura o primeiro e único político a tomar a atitude séria e inteligente de informar os portugueses sobre erros que terá cometido na vertigem da juventude.

Os portugueses apreciaram o gesto e hoje respeitam o político e o comentador, ignorando o seu passado pouco recomendável nos meandros da toxicodependência.

Os portugueses sabem compreender e perdoar os erros, distinguindo bem a seriedade e a frontalidade das trapalhices e do chico-espertismo.


quinta-feira, 5 de março de 2015


A MISTIFICAÇÃO DO SUCESSO

“Passos Coelho liderou uma austeridade brutal, superou a birra de Portas, a demissão de Gaspar, a manha de Relvas, o fiasco de Crato; cortou salários, pensões, serviços na saúde – e em vez de guia de marcha tem um boletim eleitoral no bolso.

O que impressiona é a mistificação do sucesso estar a pegar. O programa do governo, ditado pela troika, fracassou. Nas metas, claro, mas sobretudo como modelo de reconstrução da economia e de abertura da sociedade. O modelo económico passava por reformas estruturais que criassem concorrência e descessem os custos do trabalho, para atrair investimento estrangeiro em indústrias exportadoras; a poupança das famílias conteria a dívida pública e os excedentes orçamentais colocariam fim ao descontrolo das contas do Estado. Mais tarde, os impostos desceriam. A economia cresceria 3% a 4% ao ano. O Nirvana.

Nada disso: a economia cresce pouco e, esgotada a subida das exportações, é de novo o consumo interno a puxar pela economia. Estamos a importar automóveis alemães outra vez como se fossemos doidos, a gastar parte do que poupamos, temos a dívida externa no topo, a dívida pública a subir, o défice orçamental ainda acima dos 3%. O governo não acabou com rendas excessivas: vendeu-as a estrangeiros.

As reformas estruturais são uma farsa: a do Estado, a da Segurança Social, até a das leis laborais. O que se fez foi cortar custos do trabalho, desequilibrando apoios sociais.

O problema é e sempre foi político mais do que financeiro”

 

O articulista conclui que O PS não sabe crescer

 

Pedro Santos Guerreiro – Expresso de 28 de Fevereiro 2015