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Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

quarta-feira, 27 de maio de 2015


O FUTURO DA SEGURANÇA SOCIAL

Voltou a ser colocado bem em cima da mesa e de forma muito acesa a discussão sobre o futuro da segurança social no que respeita ao seu financiamento e ao valor das pensões a atribuir aos beneficiários que, com tal objetivo, procederam aos necessários descontos, juntamente com as respetivas entidades patronais.

O tema é-me muito caro e sobre ele venho escrevendo desde há muitos anos, incluindo um capítulo no meu livro “Economia em contramão”, pelo que me dispenso de aqui proceder à análise das causas e ao apontar de possíveis soluções, limitando-me agora a referir apenas um dado “novo” do problema.

Em minha opinião o grande drama do nosso processo de ajustamento não foi o aumento da carga fiscal, por muito brutal que este tenha sido. O grande drama do nosso processo de ajustamento foi o lançamento de centenas de milhares de pessoas no desemprego e a eliminação de milhares de empresas ditas ineficientes (na maior parte dos casos isso era verdade) mas que desempenhavam um importantíssimo papel no equilíbrio da nossa economia e, regra geral, prestavam serviços ou apresentavam produtos úteis e necessários, sendo por isso um grande “amortecedor dos solavancos” que a nossa economia originava no seu ineficiente processo evolutivo. E assim se fez recuar o nosso PIB para níveis de há mais de uma década.

Voltando à questão da segurança social: a reforma levada a cabo há quase dez anos pelo ex-ministro Vieira da Silva deveria garantir a sustentabilidade da segurança social por mais umas décadas, permitindo o equilíbrio financeiro do sistema e mantendo a solidariedade entre gerações. Que se passou então para voltarmos hoje a um debate, tenso, do tema, com sérios riscos de nova queda no valor das pensões e com desagradabilíssimas guerras geracionais? O grande problema ocorrido entretanto, o grande colapso - que deveria ter sido prevenido mas que era impensável na sua dimensão - foi o nível atingido pelo desemprego. Os seus efeitos são devastadores no equilíbrio das contas da segurança social, como já tive noutras ocasiões oportunidade de analisar. Nenhuma cabeça bem pensante iria admitir como possível, ainda há menos de uma década, que a taxa de desemprego chegasse a rondar os 18% (em níveis oficiais, mas subindo para perto de 30% nas contas de alguns analistas) e os dramas subsequentes iriam abater-se sobre a nossa sociedade, provocando em simultâneo o descalabro financeiro da segurança social e gerando lutas ideológicas intermináveis. E este problema, certamente mais que a subida dos impostos ou a queda do nosso poder de compra, vai prolongar os seus nefastos efeitos por muitas décadas. Mas agora que o mal está feito não adianta chorar e ter ilusões, até porque os verdadeiros culpados pela situação nunca serão responsabilizados. Nunca.

Voltemos agora a atenção para um tema (só) aparentemente lateral. Um dos graves erros das teorias liberais - que em muitos aspetos estão corretas e são teoricamente muito atrativas - é que olham apenas numa direcção e esquecem completamente aspetos colaterais que são importantíssimos. Ilustrarei isso com um exemplo que, não tendo aparente ligação com o tema acima abordado, na verdade apresenta uma umbilical ligação com o mesmo. No exemplo que vou apresentar os números que indico não passam de uma mera ilustração para se perceber a ideia que pretendo transmitir.

Admitamos que uma empresa sistematicamente apresenta custos anuais de 100 e recolhe apenas receitas de 99. É óbvio que esta empresa não tem futuro. E, de acordo com as teorias liberais, terá forçosamente de ser afastada do mercado. O grande problema é que o fecho desta empresa leva as receitas de 99 para 0, mas as despesas, ao nível da comunidade onde se insere, não passam de 100 para 0, mas apenas de 100 para 50. Num curto prazo (que se pode alongar por muito tempo) as receitas caem 99 enquanto as despesas só caem 50.

Este é o grande problema, em relação ao qual as teorias liberais assobiam para o ar. E os resultados depois são dramáticos, mas são sistematicamente escondidos atrás de uma cortina de fumaça.

PS – particularmente sobre este tema eu gostaria de receber comentários dos meus leitores.


terça-feira, 19 de maio de 2015


IMPROBABILIDADES – 3 HISTÓRIAS REAIS

Periodicamente vou ao cemitério da minha terra natal, onde estão sepultados os meus pais. Numa dessas visitas encontrei uma velha amiga, que tinha 2 irmãos da minha geração: o Quim, mais velho que eu 2 anos e o Américo, mais novo um ano.

Como já não os via há muitos anos, comecei por perguntar pelo Quim.

- Então não sabes? O Quim morreu há mais de 6 anos. Deu-lhe um AVC e foi-se.

Fiquei encavacado e sem palavras. Para me redimir, e por curiosidade e simpatia, perguntei pelo Américo.

- O Américo morreu na semana passada, e por isso é que eu hoje vim ao cemitério.

Há momentos em que o melhor era estar calado. Ou não sair de casa.

 

Um casal meu vizinho tinha dois carros, um usado por ele, outro por ela. Apesar de habitarem um apartamento com garagem, por mera comodidade habituaram-se a deixar o carro na rua, mesmo em frente à porta do prédio. Como trabalhavam em locais diferentes, desciam ambos ao mesmo tempo para ir para o trabalho, mas cada qual levava o seu carro. Como às vezes ela se esquecia da chave em casa e tinha de subir dois lances de escadas, passaram a usar o esquema de deixar a chave dela no carro dele. Um dia descobriram que estava vazio o lugar onde deveria estar o carro dele. Depois das habituais olhadelas em volta confirmaram que o carro tinha desaparecido. Decidiram então ir juntos para o trabalho, no carro dela. Mas ao olharem em volta constataram, incrédulos e consternados, que o carro dela também tinha desaparecido. Os larápios, ao verem uma chave no carro, perceberam que lhes tinha saído a sorte grande e não hesitaram. E o casal meu vizinho, na mesma noite, ficou sem 2 carros.

 

Mas agora vou terminar em beleza. No tempo em que o Continente sorteava carros entre os seus clientes uma amiga nossa teve a felicidade de lhe ter sorrido a sorte, sendo brindado com um simpático carrinho. E não é que no natal seguinte voltou a ser premiada com novo carro! Há horas de sorte, como costumam dizer os cauteleiros.


domingo, 17 de maio de 2015


SALÁRIOS DA FUNÇÃO PÚBLICA SOBEM 10%

Vamos já esclarecer o mistério. Não se trata de uma notícia, mas de um simples comentário sobre os perigos na análise das estatísticas. E isto tanto é válido para as estatísticas propriamente ditas como para previsões eleitorais ou situações afins.

Suponhamos que um organismo público anunciava uma estatística que nos informava que os salários médios na função pública tinha subido 10% no último ano. Seguramente iam chover cobras e lagartos por parte dos comentadores menos atentos ou menos informados. Contudo, essa alteração estatística pode ser perfeitamente correta e não estar associada a qualquer aumento nos salário dos funcionários públicos. Pode tratar-se simplesmente da consequência da redução de efetivos nas categorias mais mal remuneradas: se nos escalões mais elevados se mantiverem todos os efetivos o salário médio obviamente vai subir. O mesmo se passará em sentido inverso se houver apenas reduções nos escalões superiores: o salário médio descerá, e aí estariam os sindicatos a dar conta do seu descontentamento, sem uma sólida e factual justificação.

Vamos presumir que os organismos que fornecem estatísticas são confiáveis. Mas não confiemos tanto nas primeiras análises e esperemos sempre por ouvir o contraditório.

terça-feira, 5 de maio de 2015

NO RESCALDO DA SOPA DE PEDRA
A minha história da sopa de pedra motivou muitos comentários que os meus amigos me fizeram chegar. Não faltaram palavras de estímulo e de amizade. Mas também constatei alguma preocupação ou mesmo apreensão com o meu estado de saúde. Isso leva-me a prestar um esclarecimento: neste momento, fruto dos tratamentos a que fui submetido (e que continuam) fiz uma notável recuperação e sinto-me bastante bem, levando uma vida praticamente normal, ou seja, estou efetivamente a saborear a minha sopa, cheia de sabores intensos e carregada mesmo de aromas gostosos e apetecíveis.
O meu muito obrigado a todos pelo estímulo que me deram, pelos ingredientes que forneceram para enriquecer a muita sopa de pedra. Estou numa competição onde quero chegar o mais longe possível e, como em qualquer competição, os aplausos da assistência são um forte estímulo para quem, no terreno do jogo, ambiciona ser campeão.
Um grande abraço
Alexandre Ribeiro




segunda-feira, 4 de maio de 2015


CAMPEONATO NACIONAL DE FUTEBOL

Estando prestes a terminar o campeonato nacional de futebol, com um vencedor já anunciado, é altura de se fazerem alguns balanços e se retirarem algumas conclusões. Como sou parte interessada (adepto do F. C. do Porto) aqui fica desde já a minha declaração de interesses.

 Eis algumas conclusões e análises que faço:

1 – O Benfica é um campeão a quem tem de ser reconhecido todo o mérito, pesem embora algumas vicissitudes (inevitáveis) que todos os anos e em todas as circunstâncias ocorrem. Parabéns ao Benfica.

2 – Sem retirar uma ponta de mérito ao Benfica, que mostrou ser a equipa mais regular e mais trituradora dos adversários ao longo do campeonato, há que reconhecer que o Porto poderia ter sido campeão, o que exigiria e significaria que teria feito uma época extraordinária, quase ao nível das suas melhores de sempre. Efetivamente não foi assim e o Porto fraquejou, por diversas razões, em todos os momentos cruciais do campeonato.

3 – Demonstrou-se de forma evidente que o nosso campeonato tem 4 escalões claramente definidos: os 3 grandes, 3 ou 4 equipas que em cada ano ousam chegar-se aos três do topo e fazer umas gracinhas, meia dúzia de equipas que com alguma tranquilidade conseguem em anos sucessivos garantir a permanência e meia dúzia de aflitos que vão alternando no inevitável sobe e desce. Há muita rigidez neste escalonamento e é difícil a qualquer equipa mudar de escalão.

4 – Num campeonato a 3 – Porto, Benfica e Sporting – o Benfica teria feito 6 pontos, o Porto 5 e o Sporting 3. Estes resultados aparecem claramente refletidos na classificação final. O Benfica demonstrou uma grande consistência defensiva, uma boa leitura do jogo e dos acontecimentos e um enorme pragmatismo. Mas foi dos 3 a equipa menos ousada, a que menos mostrou (pelo menos na aparência) vontade e capacidade para cair em cima dos adversários, afirmando a sua superioridade. No jogo da Luz um Benfica à campeão e com vontade de se afirmar como equipa superior tinha obrigação de cair em cima do Porto e ganhar o jogo. O Porto falhou, perdeu a sua derradeira oportunidade, mas em condições normais até teria obtido um bom resultado. O Benfica atingiu o seu objetivo, mas não foi aqui que demonstrou porque é que está à frente do Porto. Limitou-se a ser pragmático e consistente, o que, já sendo muito, é muito pouco para quem deveria confirmar a sua apregoada superioridade.

5 – Nos jogos entre os 3 grandes não se pode dizer que houve erros clamorosos dos árbitros, pelo que praticamente não há razões para contestação. Curiosamente o grande desequilibrador aqui acabou por ser o fator sorte, que em todas as circunstâncias sorriu ao Benfica, com um estrondoso bambúrrio particularmente no Dragão e em Alvalade. Se a sorte dos jogos tivesse sorriso ao Porto com a mesma intensidade o F. C. P. poderia ter somado 8 ou até 10 pontos e o Benfica poderia ter-se ficado pelos 2 ou 3. E a sorte do campeonato teria sido completamente outra. Diga-se o que se disser, o fator sorte acaba por ser, em jogos entre equipas de valor semelhante, um fator decisivo e que acaba por marcar os jogadores para o resto do campeonato.

6 – No campeonato com os médios e pequenos clubes o Benfica revelou uma manifesta superioridade, somando sucessivas e esmagadoras vitórias, ao contrário do Porto e do Sporting que foram desperdiçando pontos por todo o lado.

7 – Quando há um notório equilíbrio entre equipas que lutam pelo título, este acaba por decidir-se pelos pontos ganhos em jogos onde se anteviam dificuldades e os pontos perdidos onde era suposto ganhar-se. Sem querer dar nenhum ênfase especial a qualquer dos fatores que vou citar, considero que há 4 de relevância decisiva na atribuição dos pontos:

  1. Os erros (penalizadores ou de favorecimento) da arbitragem
  2. Os erros taticos ou estratégicos dos treinadores
  3. A atitude dos jogadores em campo em determinados jogos
  4. O fator sorte/azar, nomeadamente quando decididos nos últimos minutos de um jogo

Tendo em conta estes 4 fatores acho que o Porto terá perdido mal cerca de 14 pontos -  com o Guimarães, com o Benfica no Dragão, com o Boavista, com o Estoril, com o Marítimo, com o Nacional. Neste critério o Benfica terá perdido apenas 6 pontos (com o Rio Ave e com o Paços de Ferreira) em jogos que chegou a ter na mão.

Já quanto a pontos ganhos de forma inesperada ou com favorecimento (do árbitro ou da sorte) o Porto terá beneficiado apenas nos jogos de Penafiel e Estoril, enquanto o Benfica soma uma mão cheia, nos jogos com o Porto e Sporting, Rio Ave e Gil Vicente na Luz e com o Moreirense.

Foi aqui que se decidiu o campeonato e aqui o Porto perdeu em toda a linha. Nestes 4 fatores decisivos e em jogos cruciais o Benfica levou claramente a melhor sobre o Porto. E se o Benfica acabar sendo campeão apenas com 3 pontos de avanço isso significa que o Porto bem poderia ter trocado as voltas ao destino. Mas a vida é assim. Para o ano há mais.