HEPATITE
C
Não sou
seguramente a pessoa mais indicada para falar sobre a hepatite C. Nem sequer
para dissertar sobre o “valor” de cada vida humana. Nem quero entrar na análise
da revolta, violenta e dramática, de quem sente que entre a sua vida e a morte
existe uma barreira que se mede em euros. Nem sequer alinho numa via, que
facilmente resvala para a demagogia (de parte a parte), de discutir se o SNS
deve pagar ou não tratamentos que podem custar ao erário público milhares de milhões
de euros. Mas há algumas
facetas do problema que não posso deixar de abordar.
Admitamos que em
Portugal existem 13 mil doentes com hepatite C que podem ser curados com a
medicação inovadora lançada no mercado há pouco mais de um ano. Admitamos que
cada tratamento custa 48.000 euros. Tratar todos estes doentes no SNS custará
ao país 624 milhões de euros.
Admitamos agora que
os fármacos para cada tratamento custam à indústria 1.000 euros. Nesse caso o
lucro das farmacêuticas será 611 milhões, a que corresponde uma taxa de 4.600%.
Estes números são, na aparência, obscenos, tanto mais quando se sabe que estão
em causa vidas humanas. A questão é que o que é preciso pagar não é apenas o custo
dos fármacos, mas os milhões gastos na investigação, que por norma demora anos
e anos e envolve equipas numerosas, altamente qualificadas, e que habitualmente
fazem centenas ou milhares de experiências frustrantes antes de acertarem na
fórmula de sucesso.
Um medicamento
que seja um êxito no mercado - nomeadamente quando permite salvar vidas e se
aplique a um universo alargado – é um filão que a indústria farmacêutica obviamente
não vai largar. Difícil é estabelecer o equilíbrio entre a necessidade de
financiar um setor vital para o desenvolvimento da humanidade e um preço justo
que não traduza apenas a desproporcionada relação de força entre quem não quer
morrer mas não pode pagar o preço da cura. E o mercado costuma ser implacável.
É aqui que se
volta a colocar a questão do apoio que o estado deve dar ao desenvolvimento
científico, nomeadamente na área da saúde. É muito fácil cortar o financiamento
à ciência e, no curto prazo, ninguém nota qualquer diferença nos resultados. E
esse é outro grande drama – a difícil mensuração dos resultados e a demora (que
pode ser de dezenas de anos) para atingi-los. Mas quando o êxito acontece os
resultados podem ser espantosos. Imagine-se o que seria a cura da hepatite C
ter sido uma descoberta dos nossos institutos de investigação e os fármacos serem
fornecidos pela nossa indústria farmacêutica!
Quando pensamos
no quanto custa a educação, a investigação e o desenvolvimento científico,
deveríamos pensar primeiro em quanto custa “investir” na inação.
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