Texto

Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014


O ERRO DE CAMILO LOURENÇO E JOSÉ GOMES FERREIRA (II) - Continuação

Em Maio deste ano publiquei aqui um artigo a que dei o título A dimensão da nossa irresponsabilidade. Aí analisei 5 hipóteses que nos poderiam ter evitado a queda na crise se tivessem sido tomadas algumas medidas, entre 2000 e 2008, que passo a resumir:

1.ª via – opção pelo crescimento – se o nosso PIB tivesse crescido 2,24% acima do valor real verificado nesses 8 anos, teríamos chegado a 2008 com a dívida a representar exatamente 60% do PIB. Estes 2,24% representam a dimensão da nossa incompetência.

 2.ª via – redução da despesa – se tivéssemos conseguido uma redução estrutural de despesa da ordem dos dois mil e sessenta milhões de euros, teríamos atingido o mesmo objetivo. Assim, 2.060 milhões é a dimensão do nosso despesismo.

3.ª via – aumento das receitas – um aumento da carga fiscal em 3,15%. Este valor traduz a dimensão da nossa incapacidade de perceber que são os nossos impostos que devem financiar as nossas despesas.

4.ª – via – solução mista -  uma das muitas soluções poderia ter sido, por exemplo, aumentar o crescimento do PIB em 0,5%, reduzir a despesa em 800 milhões e fazer crescer os impostos em 1,25%.

5.ª via – havia ainda uma possível 5.ª via, mas essa já não dependia de nós – se as taxas de juros (que no período 2000/2008 se situaram num valor médio de 4,7%) tivessem baixado 2,5%, o objetivo também seria atingido. Mesmo assim pagaríamos uma taxa de juro de 2,2%, valor que se situa muito acima daquilo que os mercados exigem a países como a Alemanha. Esta é a dimensão da nossa pequenez e da nossa impotência.

Ficou aí claramente quantificada, a dimensão da nossa (i)responsabilidade e das nossas limitações e incapacidades.


E volta a colocar-se agora a questão: onde é que isto entronca nas análises de Camilo Lourenço e José Gomes Ferreira? É o que vamos ver no próximo post.

 

(continua)


segunda-feira, 29 de dezembro de 2014


O ERRO DE CAMILO LOURENÇO E JOSÉ GOMES FERREIRA (I)

Camilo Lourenço (CL) e José Gomes Ferreira (JGF) são 2 reputados jornalistas. Ambos lançaram livros recentemente, Irresponsáveis e Carta a um bom português, respetivamente.

CL e JGF abordam a temática da dívida portuguesa, da crise e das soluções para a mesma. E embora seguindo diferentes metodologias de abordagem pode dizer-se que praticamente coincidem no diagnóstico, na terapêutica a aplicar e no prognóstico de evolução do “doente”. E nesses pontos estou bastante de acordo com eles, embora me distancie significativamente numa faceta da abordagem. Mas vamos por partes.

A origem da crise portuguesa (versão CL e JGF)

A crise portuguesa tem como primeiríssima origem o consumo excessivo do país. Desde há muitos anos (décadas) Portugal vem apresentando contas deficitárias, gastando em cada ano mais do que arrecada em receitas, deficit que não é suficientemente coberto por aumentos do produto. Este problema, estrutural, é transversal a governos de diferentes origens partidárias, que só se diferenciarão no maior ou menor laxismo com que abordaram a questão.

E a este deficit “estrutural”, que só por si iria fatalmente desembocar num abismo se não fosse arrepiado caminho, juntam-se as conhecidas ineficiências do estado e a sua captura pelos grandes lobbies, que vão da construção civil à banca, passando pela saúde, educação e energia, só para citar alguns. Poderíamos ainda acrescentar o nosso atávico atraso nas exportações, e no excessivo ênfase colocado nos serviços destinados a consumo interno, em detrimento da produção de bens transacionáveis. E não vale a pena alongar-me mais para não complicar a análise.

A solução, na versão CL e JGF

A solução passa por uma resposta à letra às questões acima colocadas. Desde logo a redução da despesa, conjugada com o aumento de impostos. É o que simplificadamente poderíamos chamar austeridade, que aparece assim como uma inevitabilidade. Deveríamos também obrigatoriamente reduzir as rendas excessivas e/ou outros benefícios de quem têm tirado proveito os sectores que capturaram o estado. O aumento de exportações não pode deixar de ser parte importante da solução, assim como a reforma do estado, onde a segurança social assume um peso relevante.

Não falo aqui na importância da regeneração da classe política e da luta contra a corrupção, tão óbvias e obrigatórias se apresentam.

Com pequenas nuances, eu não poderia estar mais de acordo com CL e JGF no diagnóstico quanto à verdadeira origem da crise e quanto à solução para dela sairmos.

Onde é que então a minha análise se distancia destes jornalistas/escritores?

(continua)


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (XII) - FINAL

A “aventura” em Angola e a minha participação no projeto CFB foi uma extraordinária experiência pessoal e profissional, numa vertente que antes não havia experimentado. Ali somos pagos exclusivamente para pensar e para colocarmos os nossos conhecimentos e experiência ao serviço de uma empresa. Ali sentimos que o nosso contributo é fundamental para o êxito da missão; sentimos que a missão é importante para a regeneração da empresa. Pessoalmente aprendi muito sobre uma atividade que desconhecia por completo; senti-me perfeitamente integrado na equipa; conheci um país que conhecia muito mal e sobre o qual tinha muitos preconceitos; senti que os meus saberes e a minha experiência profissional foram úteis e reconhecidos, contribuindo para mudar coisas que precisavam de ser feitas e que vão contribuir para os resultados da empresa e, dessa forma, terá sido um interessante contributo para o progresso do país. A este estado de espírito costuma-se chamar realização profissional.

Fisicamente o que deixamos ficar

Objetivamente deixamos ficar 2 relatórios, que no conjunto e com os anexos, são algumas centenas de páginas. Só o relatório em que intervim diretamente foram 130 páginas, com 90 gráficos, 60 mapas e mais de 20 ilustrações. Um relatório profusamente ilustrado com gráficos de todas as formas e feitios e uma variegada gama de cores, para tornar as análises mais acessíveis, as conclusões mais impressivas e as mensagens/instruções mais apelativas. Diagnóstico, análises, propostas, planos de ações. Clarificação dos pontos fortes e dos pontos fracos da empresa. Chamadas de atenção para as oportunidades que urge aproveitar e para as ameaças que é preciso contornar. Planos para avançar, tarefas para executar, trabalho de casa que agora terão de ser os angolanos a fazer com as ferramentas que lhes entregamos e ensinamos a manejar. Os dados foram lançados e agora espera-se que as sementes frutifiquem.
Em jeito de despedida
Agradeço ao Morgado a oportunidade que me deu. Agradeço ao Vicente Pereira e José Santos, com quem foi um prazer trabalhar e com quem aprendi muito. Quero por isso aqui destacar os predicados que mais apreciei e que, embora em graus diferentes, são comuns aos três: são pessoas com um coeficiente de inteligência muito acima da média; todos têm uma experiência de gestão em empresas de grande dimensão e projeção; todos têm experiência internacional; todos têm uma elevada dose de bom senso e sensibilidade na forma como lidam com as pessoas; todos têm uma forte personalidade e estão habituados a tomar decisões sobre matérias complexas; cada um, dentro da respetiva área, é um especialista.
Mas o que mais me marcou foi a humildade destas pessoas. Pessoas habituadas a um elevado padrão de vida e a níveis de remuneração muito acima da média; pessoas habituadas a lidar com subordinados; pessoas que conhecem o fausto dos gabinetes dos executivos das grandes empresas; pessoas que participam em reuniões com ministros e secretários de estado; pessoas que conhecem as mordomias que os grandes gestores costumam exigir. Mas afinal todos dialogam tu-cá-tu-lá com toda a gente; todos aceitam e valorizam as opiniões contrárias; todos se alojaram num hotel humilde sem fazerem disso qualquer problema; todos viajavam juntos, cinco pessoas no mesmo carro, um pequeno e vulgar utilitário; todos se disponibilizaram, sem qualquer rebuço, para dias de trabalho intenso, no hotel, ao fim de semana; todos aceitaram trabalhar, semanas a fio, num pequeno espaço, um cubículo interior, sem janelas e com menos de 20 metros quadrados; nenhum reclamava refeições em restaurante fora do hotel; todos se prontificavam para os trabalhos mais simples, como tirar cópias. A humildade foi a característica que mais me marcou no relacionamento com estas pessoas verdadeiramente superiores.
(FIM)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (XI)

A equipa fora dos escritórios

Fora do escritório a equipa funciona também muitíssimo bem. Somos todos um bocado do mesmo estilo e com idênticos hábitos de vida. Ficamos todos no mesmo hotel, saímos todos no carro para o escritório, vimos todos comer ao hotel. A equipa, em total liberdade, passa praticamente as 24 horas do dia em grande proximidade: almoça no hotel (às 13 horas) e janta em conjunto, também no hotel, às 20 horas; depois do jantar e antes de dormir, fica-se no salão a ver televisão, a jogar uma sueca ou ao burro, ou simplesmente a conversar. Quando apetece cada um vai para o quarto dormir, descansar ou telefonar à família; aos fins de semana vamos juntos passear, almoçar com amigos ou fazer algumas compras.

Ainda agora nos conhecemos, estamos em ambiente estritamente profissional, mas na relação pessoal é como se fôssemos colegas ou amigos de longa data. Isto resulta do perfil pessoal de cada um (o Jorge Morgado sabia bem quem estava a contratar e conhecia as condições em que o trabalho iria ser realizado) e da experiência humana e profissional de cada um dos elementos da equipa.

O dia a dia de um consultor emigrante

Estamos instalados no Hotel Navegante, um pequeno e algo humilde mas simpático hotel do tempo colonial, no centro da cidade. Zona de fácil acesso, saída rápida para o escritório, sem problemas de estacionamento. Zona calma, tranquila, onde se pode passear na rua com total à vontade. Aqui no hotel estão também alojados vários militares portugueses, pelo que nos sentimos “em casa”.

Levantámo-nos todos os dias antes das 7 horas, para estar a tomar o pequeno almoço às 7,30 e poder estar no escritório pouco depois das 8 horas. O pequeno almoço é trivial, com sumos, café com leite, fiambre, queijo, salsichas e 3 espécies de pão. Também há bolos e bananas, que aqui são excelentes, pois não têm de ser colhidas verdes e ir para as câmaras frigoríficas. O almoço é um serviço buffet, com 3 pratos à escolha. A comida é tipicamente à antiga portuguesa, onde pontifica a carne de porco e de vaca; o peixe costuma ser grelhado e predomina o pargo, corvina, linguado e chocos grelhados; frequentemente há fêveras grelhadas e iscas de fígado. As sopas também são bem ao estilo antigo português, assim como as sobremesas, sempre com salada de frutas (maçã, mamão, banana), pudim, mousse de chocolate e bolos secos. Às duas horas voltamos ao escritório, que fica a cerca de um quilómetro do hotel, junto ao porto. Regressamos ao hotel entre as 19 e as 20 horas.

(CONTINUA)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (X)

Metodologia de trabalho

A equipa de consultores apresenta-se na CFB antes das 8h30 da manhã e deixa a empresa ao fim da tarde, já noite escura, depois das 19 horas.

Quem os observar à entrada na empresa não pode deixar de fazer associação à troika quando vem a Portugal: com portátil ao ombro, entram em grupo nas instalações, saudando as pessoas por quem passam com um delicado mas algo distante bom dia. Seguem diretos para a sala de trabalho, uma vulgar e despojada sala de reuniões, com uma mesa larga e um quadro. Ligam os computadores, sentam-se em volta da mesa de reuniões e iniciam o seu trabalho. Os primeiros dias foram passados em trabalho de recolha de dados na empresa e tratamento e análise dentro da área de especialização de cada um, mas sem nunca perder de vista a integração no trabalho de grupo que virá a seguir. Fruto da sua longa experiência empresarial, cada um faz trabalho individual, que depois é discutido e integrado no que será o relatório comum. Seguramente é uma metodologia não muito diferente da que é seguida pela troika.

Apesar de antes não se conhecerem, quase não é preciso falarem para cada qual saber com exatidão o que deve fazer. Todos sabem intuitivamente o que se espera de cada um. No segundo dia de trabalho já parecia que tínhamos trabalhado juntos toda a vida, o que é uma coisa absolutamente extraordinária. Todos têm o sentido da missão, a consciência de que individualmente seriam muito limitados face à multiplicidade de matérias que é necessário dominar, mas igualmente conscientes da importância do seu contributo para o resultado final.

Não é preciso andarmos a correr. Não estamos sujeitos a pressões nem a fatores de stress profissional. Com tranquilidade desenvolvemos o nosso trabalho. Dispomos da vantagem de não termos de nos preocupar em obter dinheiro para pagar salários; não temos de nos preocupar com eventuais quebras nas vendas, nem com subidas de custos de matérias-primas; não temos de nos preocupar porque um equipamento avariou ou porque um cliente reclamou. Sem as preocupações do dia a dia da gestão de uma empresa, o nosso trabalho rende muito mais. Chegado ao fim do dia sabemos o quanto o trabalho avançou.

A primeira condição para o êxito de um trabalho deste género é saber o que pedir e a quem. Na empresa cliente de serviços de consultadoria é normal encontrar resistências e/ou incapacidade para responder cabalmente às necessidades de informação dos consultores. E o conhecimento da situação real da empresa é o ponto de partida obrigatório e essencial. Mal integrei a equipa (com 3 semanas de atraso em relação aos restantes elementos) debatia-se esta com insuficiente, incongruente e algo incompreensível informação na área de recursos humanos. Pois bastou uma tarde para eu obter toda a informação necessária, para lhe dar o adequado tratamento e disponibilizar à equipa os dados de que esta necessitava para a correta análise das questões que estavam nessa altura a ser debatidas no grupo. Isto demonstra a mais-valia que representa uma equipa experiente e pluridisciplinar.

(CONTINUA)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (IX)

Objeto de intervenção na CFB

A intervenção da nossa equipa na CFB (Caminho de Ferro de Benguela) fez-se por força de um decreto presidencial promulgado por José Eduardo dos Santos. Teve como objetivo posicionar a empresa “como um meio de transporte estratégico para o desenvolvimento da economia angolana e como condição necessária para a integração regional e coesão do território.” “Este enquadramento estruturante preconiza a reestruturação organizacional em matéria de recursos humanos e respetivo quadro e consequente formação profissional”.

A equipa

O chefe da missão na CFB foi o Jorge Morgado. Acumula uma vasta experiência nas áreas de auditoria e consultadoria, tendo dirigido trabalhos em vários países europeus e africanos, em grandes multinacionais. Está presente nos Conselhos Fiscais de várias empresas portuguesas, com o grupo Sonae à cabeça.

Aceite a incumbência, Jorge Morgado constituiu a equipa com base no recrutamento de consultores seniores com “expertise” em diferentes, mas complementares, áreas da gestão empresarial. É o único elemento que conhecia pessoalmente os restantes 4 componentes que escolheu para formar a equipa. Nenhum dos outros se conhecia entre si.

A equipa destacada para a CFB é assim constituída por 5 elementos em full time neste projeto, dos quais 4 são consultores seniores, todos portugueses, todo na casa dos 60 anos. O quinto elemento é uma jovem angolana de 23 anos, que apoia a equipa e vai fazendo o seu percurso de formação. A equipa é pluridisciplinar e cada elemento é um expert em pelo menos uma área funcional. Todos possuem uma larga e comprovada experiência de gestão global em empresas de referência.

Apesar de trabalharmos para uma empresa de caminhos de ferro, o Vicente Pereira é o único da equipa que é perito nessa área. Foi administrador na CP e na Refer, pelo que a sua  competência nessas áreas é incontestável, sendo uma referência na setor, com prestígio e reconhecimento pelos pares a nível da Europa.

O José Santos é um engenheiro perito em Informática e organização. Foi jogador de xadrez, onde acumulou títulos de campeão nacional, sendo perito em partidas rápidas, onde defrontou já grandes mestres russos da modalidade, o que revela o seu elevado perfil intelectual e a sua capacidade analítica.

O Alexandre Ribeiro era o especialista em recursos humanos, área estratégica no projeto de reestruturação da CFB.

(CONTINUA)

quinta-feira, 27 de novembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (VIII)

Colégio de Benguela

O Colégio de Benguela começou a funcionar em 2013, mas já tem 120 alunos. Tem capacidade para 700, desde a classe infantil até à saída para a faculdade. Foi um investimento de 5 milhões de euros, feito quase todo com capitais próprios e só residual recurso à banca para financiar despesas no ano de arranque.

Tem instalações espetaculares; estão a construir uma grande piscina; tem um gimnodesportivo ao ar livre; tem, dentro das instalações do colégio, ao fundo do jardim, 42 quartos para os professores deslocados, com uma cozinha comum e sala de convívio. As salas estão equipadas com as mais modernas tecnologias: quadros interativos, projetores, etc…; tem inúmeras salas ATL; laboratórios muito bem equipados; refeitório amplo, muito arejado e limpo; a cozinha está muitíssimo completa (quem nos dera ter a cozinha de Sandim equipada como esta) e apta a fornecer 1.300 refeições. Muita informação e imagens podem ser vistas em www.facebook.com/colegiobenguela.

Pareceu-me também que em termos pedagógicos o projeto foi cuidadosamente preparado e a pessoa escolhida muito competente. Até se vê nos horários afixados, com uma qualidade de apresentação invejável (a reprografia também é, para não variar, excelente). Até nos jardins há obras de arte, com uma enorme árvore toda esculpida em baixo relevo, com figuras humanas e animais, um trabalho feito por verdadeiros artistas profissionais.

Os uniformes dos alunos primam pelo bom gosto e elegância. Parecem desenhados pela Fátima Lopes. A vigilância à escola é feita 24 horas/dia, por vários seguranças, fardados a rigor e com o aprumo e orgulho que os negros costumam pôr nas paradas militares.

Esta escola, construída, paga e dirigida por portugueses, em Portugal (ou na Europa) estaria no topo, nos vários itens em que possa ser avaliada. Mas obviamente não tem rigorosamente nada a ver com as escolas normais de Angola. E pouco com a generalidade das escolas portuguesas.

A propina por aluno fica entre 300 a 500 euros por mês, valor que pode dobrar com a alimentação, as atividades extracurriculares e os transportes. Têm carrinhas que levam os alunos a casa, inclusivamente ao Lobito, de onde é oriunda metade da população escolar.

O dia foi intenso mas muitíssimo interessante

(CONTINUA)

segunda-feira, 24 de novembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (VII)

Deslocação a Benguela

Um domingo fomos almoçar a Benguela. Benguela fica a 35 kms do Lobito. O percurso é feito por “autoestrada”. Uma autoestrada muito especial, já que atravessa povoações, e nessas zonas é o caos. O percurso até nem é mau e faz-se relativamente bem. Fora das povoações é de facto muito semelhante às nossas autoestradas, quase sempre em linha reta e sem subidas nem descidas, com um engenhoso sistema engendrado para resolver o problema dos cruzamentos ao nível, evitando a construção de pontes. Mas nas povoações a “autoestrada” é um enorme perigo: existem rotundas, muitas motorizadas, passeio à face da via, passadeiras… O pior é que aqui a passadeira para peões nunca é respeitada. A passadeira só dá informação, mas não dá prioridade a quem quer atravessar a estrada e …nenhum carro pára. Por isso há muitos acidentes, até porque os peões, carregados de tralha, atravessam fora das passadeiras. O custo da viagem é económico porque aqui o gasóleo fica a 30 cêntimos o litro e a gasolina a 45.

Benguela é uma cidade com dimensão semelhante ao Lobito. Mas enquanto Lobito é mais turística, com excelentes praias e muitos restaurantes, Benguela é mais cidade do trabalho. Como cidade Benguela está bastante melhor conservada que o Lobito. Os prédios não estão tão degradados e regra geral apresentam muito bom aspeto. Por isso Benguela é mais cidade e, se nos esquecermos da Restinga, Benguela é melhor que o Lobito. Mas falta-lhe a Restinga, as praias, os hotéis e os restaurantes, que tornam o Lobito especial e um polo de atração para o turismo interno.

Fomos almoçar a casa de um advogado português, o dr. Jorge Vieira, há muitos anos radicado em Angola. Foram chegando pessoas, umas atrás das outras, a maior parte para almoçar e alguns, menos, só para o café e meia de palheta. Acabamos por nos juntar perto de trintas bicos, inclusive vários angolanos, que se vê que têm um excelente relacionamento com estes portugueses. Apesar de prevalecerem os homens, a hoste feminina era considerável.

Para além do anfitrião, o advogado, estava o arquiteto Gonçalo, português de gema, um desbocado. Dois amigos e sócios, que são os donos do Colégio de Benguela. Entre outros estavam lá 5 professores portugueses que estão a dar aulas no Colégio, 2 rapazes e 3 raparigas, todos com menos de 30 anos, todos do norte; estava a diretora pedagógica do Colégio, dr.ª Maria de Lurdes (Milu) que vim a saber que tem uma irmã médica que trabalha no Centro de Saúde de Sandim (dr.ª Filomena) e que parece que conhece a Casa dos Laceiras, quem diria?! Como o mundo é pequeno; estava o cônsul de Portugal em Benguela; estavam os diretores do Totta e do Millennium; estava um empresário português; um diretor da Escola Superior de Saúde de Benguela; o diretor do Instituto Cadastral de Angola, que é um negro retinto, da tribo dos Ovibundos, uma jóia de pessoa, sempre pronto a soltar uma sonora gargalhada e com uma boa disposição contagiante. Todos convidados para um almoço normal de um domingo normal.

O ambiente é aquele que se imagina: muita descontração e boa disposição. As pessoas facilmente estabelecem um relacionamento como se já fossem conhecidas há muito tempo. Fala-se de tudo, em grupo, de forma descontraída: de trabalho, de negócios, de política, de diversão, de futebol, de vinhos, de mulheres…

A casa era uma vivenda enorme e ao nível de uma boa vivenda citadina portuguesa. Cá fora tinha um espaço relativamente grande (talvez 12 x 15 metros), cimentado mas ladeado por coqueiros. Foi aí que comemos, debaixo de uma grande pérgola.  A comida era típica de Angola, mas com muitas reminiscências da comida portuguesa. Entre outras coisas havia feijoada, costelas, fêveras e uma galinha deliciosa, com umas pernas compridíssimas, a lembrar os flamingos. Havia calulo (um guisado de legumes) esparregado de folhas de abóbora, fungi (uma espécie de papas, só de farinha e água, a que os molhos é que dão sabor). Não faltaram bons vinhos, franceses, medalhados. No fim um delicioso bolo, com recheio de compota. Fruta local, da época: bananas, tangerinas, ameixas.  Como digestivos, a acompanhar o incontornável café, vieram aguardentes e cognacs. Mas sem tabaco, que aqui praticamente ninguém fuma.

Ao fim da tarde fomos ver o Colégio de Benguela.

(CONTINUA)

sábado, 22 de novembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (VI)

Caminhos de Ferro de Benguela (CFB)

Os caminhos de ferro de Benguela são uma das 3 grandes companhias que operam em Angola na área das ligações ferroviárias. As outras são a linha de Luanda a Malange (424 kms) e a linha de Moçamedes, do Namibe a Menongue, na distância de 501 kms. A linha de Benguela, com 1.360 kms, é significativamente mais extensa que as outras juntas.

 A linha é uma construção do início do século passado, inaugurada em 1905, e nela chegaram a trabalhar 14 mil pessoas. Nos seus tempos áureos era muito prestigiada como companhia de caminho de ferro e permitia a penetração para o interior e o escoamento de matérias-primas oriundas do Congo e Zâmbia. Passa por Huambo (antiga Nova Lisboa), Kuito (Silva Porto) e Luena (Luso), atravessando a região dos diamantes. A linha teve limitadíssima utilização no período da guerra civil (Huambo era a zona de maior influência da Unita) devido à falta de segurança. Só em 1994 morreram 300 pessoas num despenhamento provocado por sabotagem da via.

Em 2011 a Companhia de Caminhos e Ferro de Benguela (CFB) retomou alguma normalidade no seu funcionamento, após uma total reabilitação em todo o traçado da linha, trabalho efetuado por um consórcio chinês. Dispõe agora de uma moderníssima e atrativa estação no Lobito, ponto de partida da linha. O seu percurso divide-se em dois troços distintos: um traçado, que chamaríamos urbano, que liga duas cidades costeiras – Lobito e Benguela – numa distância de 35 kms; um segundo traçado que vai de Benguela a Luena, atravessando o país, numa extensão de quase 1.300 kms, dos quais está já em funcionamento o troço Huambo-Luena.

No primeiro troço circulam 4 comboios por dia, que demoram quase hora e meia a fazer o trajeto de 35 kms, dadas as frequentes paragens, o perfil de comboio tranvia e o tipo de utilização que lhe é dada pelos utentes – até serve para transportar animais de grande porte. No segundo troço circula apenas um comboio por dia e o transporte de mercadorias é o mais relevante.

A empresa tem atualmente cerca de 1.500 trabalhadores e deverá, num curto prazo, fazer crescer os seus efetivos em 50% para permitir a ampliação prevista no número de composições que se pretende pôr a circular.

(CONTINUA)

quarta-feira, 19 de novembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (V)

Lobito

Lobito, a cidade onde fiquei instalado e onde fica a sede dos Caminhos de Ferro de Benguela, é uma “pequena” cidade tipicamente colonial, com um dos maiores portos de África, onde se inicia/termina um longo percurso ferroviário com mais de 1.300 kms, que se prolonga depois para o antigo Congo belga e Zâmbia, permitindo ligações ferroviárias que chegam a Moçambique, atravessando por isso o continente desde o Atlântico ao Índico.

Noto-lhe algumas semelhanças com Aveiro: uma cidade plana, com alguns canais, com exploração de salinas que eram o habitat natural de uma colónia de flamingos. A dimensão do casco urbano não será muito dissemelhante de Aveiro, tal como os números respeitantes à população residente. Assumiu o estatuto de cidade há precisamente 100 anos (2 de setembro de 1913), por decreto de Norton de Matos.

Hoje a região do Lobito regista quase um milhão de habitantes (cerca de 850 mil) e apresenta uma malha urbana/suburbana cheia de contrastes:

- aquilo a que poderemos chamar o casco urbano da cidade foi traçado na época de domínio português. Lobito é uma cidade bem rasgada que, no auge do período colonial (em meados do século XX) teria excelentes estruturas para a época. Deveria ser uma bela cidade para viver, um local aprazível, uma zona de forte atratividade, com oportunidades de trabalho e de negócios. A construção seguia uma cércea baixa, que obrigou a cidade espalhar-se na horizontal. Apresenta largas e retilíneas avenidas, de um só sentido, com estacionamento dos dois lados, sobrando ainda espaço que daria para 3 faixas de rodagem. Mas a cidade parece que parou no tempo. O parque habitacional está em geral bastante degradado, com vários prédios em estado lastimável, que hoje em Portugal ninguém gostaria de habitar. Os espaços comerciais ou estão recuperados, e apresentam nesse caso bom aspeto, ou estão encerrados e com ar de degradação. Se se procedesse a uma “limpeza” e recuperação geral dos prédios atuais passaria a apresentar interessantes espaços públicos, não desmerecendo das nossas cidades. Além disso há a registar o pó (negro) que nesta época se acumula por todo o lado, desde as árvores às casas, às ruas e aos automóveis.

   - a periferia da cidade é um desordenado e caótico conjunto habitacional sem fim à vista e que se estende pelos morros acima, onde residem algumas centenas de milhar de pessoas, em condições regra geral deploráveis, quer ao nível das habitações, arruamentos ou infraestruturas necessárias a um espaço habitável com a qualidade que hoje exigimos em Portugal. O meio de deslocação com que tropeçamos a cada passo é a motorizada, que se vê por todo o lado às dezenas.

   - uma outra zona, interessante, resulta de construção moderna em zonas antes desertas. Aí se concentra hoje o moderno comércio. Edifícios novos de raiz, que, pela qualidade do edificado e pelo nível das lojas e variedade dos artigos que aí se transacionam e pela facilidade de acessos não fariam má figura em Portugal.

- por último, a sala de visitas da cidade, uma zona com grande beleza natural e em bom estado de conservação - a Restinga, de que voltarei a falar com mais pormenores.

(CONTINUA)

segunda-feira, 17 de novembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (IV)

O povo angolano

O “povo” angolano foi para mim uma das mais agradáveis surpresas que me foram reservadas. Eu, por preconceito e desconhecimento, considerava os angolanos prepotentes e arrogantes. E esperava um clima de alguma intimidação, de segurança à força das armas e recolhimento a casa ao escurecer, aos aldeamentos ou condomínios fechados. Mas mudei radicalmente de opinião, quer quanto às características idiossincráticas do povo quer no que respeita às questões de segurança.

Quanto ao primeiro ponto os meus preconceitos dever-se-iam precisamente à confusão entre elites e povo. Em Portugal não estamos habituados a falar com o “povo” de Angola. Quem costumamos ver na televisão, com quem nos cruzamos na rua ou em ambiente profissional será gente das elites angolanas (ou pessoas que a tal aspiram ou que se destacam do “povo” só porque têm o privilégio de emigrar ou viajar em passeio ou em negócios pela Europa). Pessoas que são referidas nos jornais, que se sentam à mesa das negociações, pessoas que ganham muito dinheiro a dar uns chutos numa bola. Tudo o que estas pessoas ganham, por mais enquadrável que seja nos padrões europeus, atinge uma marca verdadeiramente obscena quando comparada com os rendimentos e consequente padrão de vida do verdadeiro “povo” angolano. Talvez por isso os angolanos que conhecemos sejam habitualmente arrogantes e prepotentes. Muitos angolanos que estão em Portugal, que ocupam as embaixadas e os consulados, que aparecem mencionados nos jornais, regra geral não se integram bem no conceito de “povo, ou aspiram à mudança de escalão social, ou procuram afinidades com as elites. Mas quando lidamos com o povo genuíno, principalmente quando saímos de Luanda e particularmente quando nos deslocamos para o sul, o povo é afável, alegre, confiante no futuro. Não são agressivos, nem vejo notório ressabiamento contra os portugueses (como eu, confesso, estava à espera). Pelo contrário vi muitas manifestações de simpatia e um natural convívio, franco e aberto, em momentos de descontração. Em ambiente profissional registei cordialidade, respeito e consideração. Isto não invalida que haja portugueses ainda com alguns tiques de colonizador e alguns angolanos que apresentem os típicos tiques de novo-rico ou de um ressabiado.

Outro aspeto agradável ao nosso ouvido resulta de confirmarmos que a língua portuguesa chega praticamente a todos os estratos da população (pelo menos nas cidades) sendo já a língua materna de mais de um terço da população e a segunda língua de outro terço. Deixou de ser uma mera língua veicular para ser a língua do futuro, deixando cada vez menos espaço aos dialetos locais que, por muita simpatia e curiosidade que suscitem, estão condenados ao fracasso ou a um papel folclórico, neste caso no sentido mais nobre do termo.

 (continua)

sábado, 15 de novembro de 2014


 MISSÃO EM ANGOLA (III)

Elites e povo

Como vou falar várias vezes em povo convém fazer aqui uma pequena clarificação para apresentar uma definição concetual (sem qualquer pretensão de rigor técnico ou científico). Vou considerar que em Portugal 80% a 90% da população são o povo. Povo anónimo, que engloba o estrato mais baixo da população, toda a classe média e a classe média alta, com eventual vontade (e até capacidade) para integrar as elites, mas com escassas condições para dar esse salto qualitativo.

Vou chamar elites ao grupo que engloba os 10% a 20% da população que usufrui de um elevado padrão de vida, que tem formação cultural bastante acima da média do país, que ocupa lugares de topo nas empresas e nas instituições, que detém efetivo poder, seja a nível local, regional ou nacional, seja a nível empresarial político ou social. Se compararmos Portugal com Angola eu diria que o povo angolano abrangerá mais de 95% da população e as elites  confinam-se aos restantes menos de 5%.

Daqui resultam várias diferenças, que vão desde a grande necessidade de quadros, imprescindíveis para o impulso pedido pelo desenvolvimento, ao longo tempo necessário para produzir mudanças de fundo e duradoiras. A grande dicotomia social observada em Angola, patente na disparidade dos padrões de vida das elites e do povo, não deixa dúvidas quanto aos escolhos do caminho e ao tempo necessário para se verem resultados palpáveis.

 Luanda versus Lisboa

Se considerarmos Lisboa o centro de uma área geográfica que vive o dia a dia centrado e dependente da cidade (agora em sentido estrito), poderemos dizer que Lisboa-cidade terá entre meio e um milhão de residentes e a grande Lisboa cerca de 2 milhões, ou seja 3 vezes mais. Se pensarmos em Luanda os números serão meio milhão para qualquer coisa como 4 a 5 milhões. Ou seja, nos arredores de Luanda há uma imensa mole humana, várias vezes superior a Lisboa. Isto torna o casco da cidade absolutamente caótico quando a atividade diária obriga a um enorme fluxo de pessoas em deslocação da periferia para o centro da cidade.

Por outro lado Lisboa é uma cidade histórica, monumental, recomendável para o turismo. Manteve o centro em condições aceitáveis de habitabilidade, mas cresceu para a periferia em condições que, se não são as melhores para os nossos padrões de exigência, não têm qualquer ponto de comparação com a periferia de Luanda.

Luanda, enquanto cidade, pouco passa de um centro político e empresarial. Não tem propriamente monumentos históricos ou arquitetonicamente atrativos. E se a marginal se engalanou e apresenta uma assinável beleza e atratividade, se há um surto de construção de grandes edifícios, se há planos de reconversão total de algumas zonas (um pouco à semelhança do que foi feito na zona da Expo de Lisboa, embora a outra escala), a verdade é que - e falo por experiência de uma visita anterior a Luanda, há 25 anos - o restante casco da cidade praticamente não foi intervencionado. Talvez 80% da sua área continua profundamente inestética, degradada, carente de tudo o que é mais básico, desde a limpeza à garantia de fornecimento de água, energia ou comunicações dentro dos nossos padrões de exigência.

Os custos de habitação nesta zona são incomparavelmente mais caros que em Portugal (pelo menos o dobro) para um nível de qualidade a que eu não atribuiria um grau superior a 4 se atribuísse o nível 10 às condições médias de qualidade de vida nas cidades portuguesas. E se passarmos aos arredores e compararmos o padrão das nossas aldeias vilas/dormitório eu não atribuiria nem sequer nível 2 às “casas” da periferia de Luanda, onde vivem milhões de pessoas. Em muitos casos o nível 1 seria o mais razoável e nenhum português da classe média aceitaria hoje viver naquelas condições.

(continua)

quinta-feira, 13 de novembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (II)

Integração regional

Portugal fica na Europa e está integrado na CE, com tudo o que isso implica em termos de história, hábitos, valores civilizacionais, padrões de consumo, organização empresarial e administrativa e até mesmo clima (clima temperado, com verão em Julho/Agosto , com o sol sempre a pôr-se à nossa direita).  Angola fica no hemisfério sul (vemos o sol a norte, a pôr-se à nossa esquerda, o que nos deixa completamente desorientados durante muito tempo). A cultura, a civilização, os hábitos, os costumes são totalmente outros. Isto não invalida a capacidade de entendimento e harmonização dos povos, como a história demonstra. Mas também fomenta equívocos e incompreensões que a mesma história também regista. Angola é, nesse domínio e nas relações com Portugal, um caso paradigmático.

O desenvolvimento de Angola

São inquestionáveis os passos que Angola tem dado nos últimos anos, particularmente após o fim da guerra civil que devastou o país nos anos 80 e 90. Mas há um longuíssimo caminho a percorrer até Angola chegar ao nível de Portugal, olhada pelos nossos padrões de análise. Se pensarmos nas condições degradadas das habitações do povo de Angola, se pensarmos que a esperança de vida ronda os 43 anos, se olharmos para as insuficiências da sua rede escolar, se pensarmos no nível dos empregos a que têm acesso, se considerarmos o tempo necessário para que as mudanças sociais ocorram, isso basta para concluirmos, sem margem para grandes dúvidas, que não será muito difícil vaticinar que, por mais que Portugal estagne ou regrida, e por muito que Angola progrida, no final do século XXI Portugal continuará uns passos significativos à frente de Angola. A base da análise é redutora e empírica, mas procura deixar uma ideia clara do quanto falta fazer em Angola.


(continua)

quarta-feira, 12 de novembro de 2014


 MISSÃO EM ANGOLA

 Em 2013 fui desafiado para desenvolver uma missão em Angola, no âmbito de um trabalho de reestruturação dos Caminhos de Ferro de Benguela (CFB). Esse trabalho surgiu na sequência de um decreto presidencial assinado pelo presidente José Eduardo dos Santos, que visava desenvolver as comunicações no país, adotando a via férrea como veículo preferencial e estratégico para o desenvolvimento do país e para a sua integração na região.
Não está no meu propósito fazer propriamente um relatório sobre essa missão. Mas julgo útil deixar alguns registos para memória futura e para reflexão. Daí estas “pinceladas”.
É evidente que um trabalho em pinceladas não é uma fotografia, muito menos um filme ou um álbum de fotos que exaustiva e metodicamente retrate um acontecimento. Mas também não pretendo que essas pinceladas sejam uma caricatura, pois a caricatura, por definição, distorce a realidade, o que, de maneira alguma, é meu propósito. Pretendo antes que se associem estas “pinceladas” à ideia do trabalho de um pintor que em meia dúzia de traços permite ao observador identificar o objeto pintado e perceber o contexto, mesmo estando o quadro longe de apresentar o rigor e a policromia de uma fotografia.
Em termos de resultado pretendido é uma análise completamente despretensiosa. Pretende apenas proporcionar informação aos amigos sobre esta minha “aventura africana” e, quando muito, proporcionar pontos de reflexão e enriquecimento sobre temas que são normalmente objeto de conversa de café.
Se estas pinceladas permitirem contextualizar e fundamentar uma visão (entre muitas possíveis) sobre os temas aqui apresentados terá cumprido cabalmente o seu objetivo.

 

Angola
Se habitualmente associamos os contornos geográficos de Portugal a um retângulo com 150 x 600 kms, Angola será um quase quadrado de 1.000 x 1.250 kms.  A área de Angola será qualquer coisa como 14 vezes a área de Portugal continental. E se Portugal tem 10 milhões de habitantes e Angola 20 milhões, isso significa que a densidade populacional do nosso país é cerca de 7 vezes a densidade de Angola.
Portugal é um país rico em recursos humanos e relativamente pobre em recursos minerais. Angola, ao contrário, é um país riquíssimo em produtos minerais mas com recursos humanos a apresentar notórias lacunas. Portugal é um país vocacionado para o turismo e para a prestação de serviços de elevados padrões de exigência, conhecimento ou tecnicidade, até porque tem uma assinalável vocação exportadora. Angola não tem grandes atrativos turísticos e a sua mão de obra é naturalmente desviada para trabalhos menos qualificados.
Assim, há entre Portugal e Angola inúmeros contrastes e alguma complementaridade. Portugal e Angola estão em patamares de desenvolvimento completamente diferentes. Pensando em termos globais Portugal é um país desenvolvido, com toda a carga que quisermos dar a essa expressão. Se pensarmos a nível global Portugal pertence ao clube dos ricos, embora com escassos recursos naturais. Se usarmos os mesmos critérios de análise para posicionar Angola, poderemos dizer, de forma simplificada, que este país é atrasado e pobre, embora com imensos recursos para explorar. Daí ser um país cheio de oportunidades.

(continua)

 

terça-feira, 4 de novembro de 2014


EUROPEUS?

 Mais uma crónica de Henrique Raposo, publicada no Expresso de 18 de Outubro, merece aqui uma menção. Trata-se agora de falar da “malta dos Balcãs e do Leste da Europa”, onde Raposo passou uma temporada nos seus tempos de juventude.

“Foi ali que percebi que não existe Europa ou sentimento europeu. Foi ali que percebi que o choque civilizacional ocorre ao nível mais íntimo, desde os hábitos de higiene até às memórias.

As minhas memórias compunham o quadro típico do garoto que cresceu na pasmaceira do fim da história: saídas à noite, sacar miúdas, histórias de bola, filmes, livros.

Quais eram as histórias dos meus camaradas eslavos, sobretudo os balcânicos? Quase sem excepção eram veteranos de guerra ou guerrilha. Mataram, tentaram matar, quiseram matar. E as suas histórias de sexo eram diferentes das minhas – a violação foi arma de guerra na Bósnia e Kosovo.

Eram tipos decentes, mas o nevoeiro da guerra pode abrir as portas do inferno no peito mais nobre.

Aquela malta estava apenas numa pausa entre conflitos. Nas noites de copos contavam coisas que não posso contar aqui. Mesmo quando o assunto implicava a morte do inimigo a maioria não sentia remorsos. Não eram assassinos. Eram soldados.

Lembrei-me dos meus amigos quando há dias um drone com a bandeira da Grande Albânia entrou no estádio Partisan em Belgrado. Eu vi aquele filme várias vezes. Aliás, fui ator daquele filme, que vai acabar mal. A periferia do leste tem tudo para voltar ao caos”.


sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Os 5.com(e) na Guarda (II)

Porto Guardés
O nosso destino era Porto Guardés, um pequeno e típico restaurante de pescador, o que é desde logo a melhor recomendação quanto à qualidade, frescura e variedade do que se vai “pescar” no prato.
Pendurados nas paredes podem ver-se várias fotografias que testemunham o “terror” daquela barra nos dias de forte temporal. Podem ver-se barcos de médio porte elevados na crista de uma onda gigante como se fossem barquinhos de papel; barcos carregados de contentores com a carga a escorregar para o mar sem nada que possa já travar-lhe a marcha; ondas a bater no molhe e a levantar a água até alturas de um prédio de vários andares; homens a caminhar nas ameias do molhe, cobertos de espuma quase até ao pescoço. Simples amostras que dão para perceber que o mar ali é para homens de barba rija e de mãos calejadas.
Depois desta entrada à leão a mesa começa a exercer o seu forte poder de atratividade. E se a amesendação é muito simples, a culinária é simplesmente primorosa. Escolhemos 5 entradas: pimentos “padron”, a fazerem jus à fama que gozam por estas bandas; um
prato de mexilhões acabadinhos de cozer, de uma leveza e tenrura que confesso nunca havia provado (em Portugal apresentam-nos já frios, ficando um pouco duros e borrachentos); as gambas ao alho estavam no ponto e com um molho delicioso para demolhar o pão; do polvo à galega diga-se exatamente o mesmo que dos mexilhões - divino; os calamares esses estavam um pouco crocantes demais para o meu gosto, mas não deixaram de ser comidos até ao último pedaço.
A bebida universal foi um “vinho de verão”, uma espécie de sangria mas sem ponta de licores. Até o Jorge, um abstémio inveterado, a adotou como bebida oficial.
Depois das tapas veio o prato, ou melhor, um enorme tacho com um arroz amarelo de
açafrão, tipo paella, bem recheado de “bogavante”, partido em postas de dois dedos de grossura, para facilmente se extrair o cobiçado conteúdo. E se o arroz sobrou, tão generosa era a dose e tão bem acomodado estava já o estômago, do bogavante só sobraram as cascas, pois já costumam dizer os maiores gourmets que mais vale fazer mal do que deixar ir para o gato.
O preço só não foi “uma agradável surpresa” porque o Jorge já nos tinha avisado: pagamos 19 euros por cabeça por uma refeição que numa qualquer marisqueira portuguesa ficaria certamente bastante acima dos 30. 

Regresso a Portugal
Saímos da cidade pela marginal sul e pudemos passar por um simpático hotel (O Munho) implantado mesmo em cima do areal de uma praia calma e de águas tranquilas.
Foi rápido o percurso até Caminha, onde fomos comer um pastelinho e tomar uma bebida, sem esquecer, nunca, de levar uma lembrança às caras-metades, a quem foi decidido prometer por um dia destes um passeio ao nordeste. Mais uma vez sem exemplo, para não as habituar mal.
Deu para conhecer a casa do Mota, onde nos refastelamos num sofá e onde estre escriba passou pelas brasas quase sem dar por isso. Mas não conseguiu passar despercebido, pois todos lhe conhecem já o fraco.
Iniciado o regresso ao Porto foi por escassos segundos que chegamos ao carro sem apanhar uma valente molha. No percurso apanhamos chuva copiosa e alguns troços com umas réstias de sol, a provar a dificuldade de os meteorologistas acertarem nas previsões em todo o território e todo o tempo. Ao passar a Arrábida um outro rio corria em cima da ponte. Mas chegamos todos ao destino sãos e salvos.
A Guarda e o Porto Guardés são visitas a repetir e a recomendar vivamente à família e aos amigos.

O secretário/cronista
Alexandre Ribeiro




quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Os 5.com(e) na Guarda (I)
Mais uma crónica com a descrição de um passeio 
turístico-gastronómico do grupo 5.com(e), desta  
vez a terras de nuestros hermanos. O grupo  inter-
nacionaliza a sua meritória "atividade"                  

8 de Outubro de 2014
Correndo atrás do tempo perdido (este ano a performance gastronómica do grupo deixa um pouco a desejar, que o diga o Mota) os 5.com(e) em boa hora aceitaram a sugestão do Jorge e resolveram ir até à Guarda saborear os deliciosos mariscos da costa galega. Está bem de ver que não se trata da nossa Guarda, mas da espanhola, mesmo em frente a Caminha, do outro lado do rio Minho.
Quando o castelhano era língua obrigatória em Espanha a cidade era La Guardia. Agora que o galego passou a ter honras de língua local passou a chamar-se A Guarda. E o Monte de Santa Tecla passou a ser Santa Trepa. Esta custa mais a engolir.
Fácil é constatar a proximidade entre o galego e o português, que se reconhece em vários vocábulos locais: aqui também se diz “auga” como antigamente se dizia nas nossas aldeias; “munho” também ouvia eu dizer na minha terra quando era pequeno; o “lá em riba” cheira mesmo a português arcaico, tal como o “x” galego faz lembrar a pronúncia transmontana que transforma o “ch” em “tch”.
De Coimbra à Corunha poderia existir um país autónomo, independente, com um povo formando uma nação com maior unidade que Portugal ou Espanha. Os minhotos, transmontanos e beirões têm mais afinidades com os galegos que com os alentejanos e algarvios. Tal qual o que separa galegos e castelhanos, onde são grandes as rivalidades e escassa a proximidade.

A Guarda
A Guarda é uma cidade costeira, a mais meridional da Galiza. Uma cidadezinha de
passagem para quem vem de Baiona para Portugal, que não atrai visitantes apressados, ofuscados pela beleza e proximidade daquela vetusta cidade. E assim se passa ao lado de uma pequena pérola sem lhe dar o real valor, qual ostra escondida na sua concha, que só se descobre quando se desce até à parte baixa da cidade e se depara com um pequeno mas gracioso porto de abrigo, curiosamente sem navios à vista, protegido por um molhe com abertura estreita, para evitar males maiores em dias de tempestade. 
A marginal é lindíssima, com casario a dois passos da água e ruas em sobe e desce, a contornar as rochas que dão à praia uma forma irregular mas diferente e cativante.
A zona sul é pejada de restaurantes onde a lista é, naturalmente, recheada de peixe e mariscos.

                                   (continua)


segunda-feira, 27 de outubro de 2014


ABORTO

 

A propósito do recente sínodo dos bispos, e para quem se interessa pelo tema do aborto, recomendo a leitura da crónica de Henrique Raposo, publicada no Expresso de 11 de Outubro. Entretanto deixo aqui alguns excertos da mesma.

“O aborto é um mal, não é um direito, não é uma conquista, não é um avanço. O aborto não é uma questão simples como o casamento homossexual. Dois adultos vacinados podem casar no civil. Ponto final”.

“Lamento, mas uma mulher que aborta dezenas de vezes num curto espaço de tempo é uma criminosa. O protocolo de acesso ao aborto tem de ser alterado. Repare-se que não estou a dizer que o aborto tem de ser proibido. Neste mundo tenho de chegar a um compromisso com quem pensa de forma diferente da minha”

“Anabela tinha 15 anos quando engravidou. Ela recusou a via fácil do aborto, mas depois foi encarada como uma quenga pelas paroquianas, as senhoras que distribuíam os panfletos do “não ao aborto”. É este o problema de boa parte dos apoiantes do não, acham que o catecismo é mais importante do que a caridade, o perdão e a vida. A igreja que luta contra o aborto não pode olhar de lado para as mães adolescentes, mães solteiras e mães em união de facto”.

“O caminho aberto pelo papa Francisco é a forma de o “não” rever a sua arrogância moral. O papel do cristão não é julgar a partir de cima. É muito fácil ser do “não” quando se está numa família confortável, onde há dinheiro, onde mais um filho não faz diferença”. 

 

sábado, 25 de outubro de 2014


O cobrador de fraque
ou

IVA – um imposto cego e estúpido

 

A discussão do orçamento do estado é um momento privilegiado para os deputados e os cidadãos em geral refletirem sobre a forma de o estado se financiar para poder cumprir adequadamente as suas funções.

Por muito que nos custe os impostos são um dever porque traduzem uma necessidade equivalente ao ordenado para uma família. É preciso é que a forma de “sacar” dinheiro ao cidadão seja justa e equilibrada.

Sem quaisquer pretensões, mas apenas para suscitar reflexão, deixo aqui algumas cogitações, de onde antecipo desde já conclusões pouco usuais.

O IRS, com todas as imperfeições que lhe são reconhecidas, acaba por ser um imposto que traduz uma grande preocupação com a justiça retributiva que uma sociedade evoluída sempre persegue. Já o IVA pouco passa de uma forma prática e terrivelmente eficaz de encher os cofres do estado.

Usando a caricatura, que normalmente é a melhor forma de fazer perceber uma ideia ou uma mensagem, vou aqui fazer uma demonstração.

O sr. José e  sr. António são dois vizinhos, habitantes de uma pequena aldeia do interior, meia escondida e isolada do mundo. O sr. José faz trabalhos diversificados de construção civil, nomeadamente como pedreiro, trolha e afins. O sr. António trabalha igualmente na construção civil, mas voltado para as artes de carpintaria e serralharia. Ambos obtém um rendimento médio mensal da ordem dos mil euros. Ambos têm uma família a sustentar. Ambos habitam em moradias típicas de aldeia, com tudo o que é essencial mas sem ponta de luxos, pois o ordenado só lhes permite levarem uma vida decente, de cara levantada.

Num dia de forte invernia abateu-se sobre a aldeia uma tremenda tempestade que provocou sérios danos nas habitações do sr. José e do sr. António, que ficaram meias destruídas. Como trabalhavam em áreas complementares combinaram ajudar-se mutuamente a recuperar as respetivas habitações. Passaram dois meses em obras, cada um com um mês de trabalho na própria casa, na arte que dominava, e outro mês a fazer o mesmo na casa do vizinho.

É óbvio que foram dois meses em que ficaram privados da sua fonte de receitas, para além dos elevados gastos em materiais que foram obrigados a suportar.

Entretanto, massacrados com as campanhas contra a evasão fiscal e puristas do cumprimento das suas obrigações de cidadãos, entenderam que deveriam faturar um ao outro o tempo de trabalho na casa do vizinho. Assim, o sr. José faturou ao sr. António 1.000 euros respeitante aos trabalhos de trolha e pedreiro que executou na casa deste. Por sua vez o sr. António também faturou ao sr. José 1.000 euros pelos trabalhos de carpintaria e serralharia. Tudo conforme a lei, tudo limpinho.
É evidente que no mês seguinte apareceu o cobrador de fraque a cobrar 230 euros a cada um destes dois exemplares cidadãos que haviam ficado sem casa e privados de receitas durante dois meses.    



sábado, 18 de outubro de 2014


COLIGAÇÕES

Participar em governos é uma decorrência da atividade partidária.

Passados 40 anos já seria tempo de vencer o trauma. De derrubar um muro que ignora que não há protesto consequente sem alternativa e não há alternativa sem soluções de poder. Perante os efeitos concretos desta crise as pessoas já se contentam com a promessa de resistência.

O que interessa às pessoas não é se o PS tem parceiro. É o que muda nas suas vidas. Quem se apresenta como alternativa ao voto do PS, com a real disposição de participar num governo de esquerda, tem de se distinguir do PS. Começando por uma agenda programática muito mais clara. Que, na salvaguarda do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública e na Segurança Social, ultrapasse o mero discurso defensivo.

Todas as escolhas dependem de uma: a forma como lidar com os constrangimentos externos, a começar pela dívida e pelas metas do tratado orçamental. Na prática trata-se de saber com que dinheiro vai a esquerda cumprir a promessa de travar a austeridade e defender o estado social.

Quem se conseguir distinguir do discurso difuso e da prática temerosa do PS sobre isto tem condições para se sair bem. Mas não pode marcar tantas e tão radicais linhas vermelhas que as pessoas sintam que só se quer, mais uma vez, provar que o PS não é de esquerda.

É um caminho muito estreito. Mas para quem se contenta em picar o ponto na resistência sem alternativa, nem acha que isso se resolve com salvadores da pátria cheios de carisma, é este o caminho que sobra.

 Daniel Oliveira – Expresso de 11 de outubro

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Os G5.com(e) na Ribeira do Porto


10 de setembro de 2014
Quase 3 meses depois do último almoço (ó malta temos de trabalhar a outro ritmo, assim não pode ser. Qualquer dia o patrão despede-nos!) o Grupo 5.com(e) desceu à Ribeira do Porto para festejar a entrada na reforma do único elemento do grupo que, apesar de inativo, ainda estava no ativo, e estava a estragar a estatística: o Alexandre.
Ufa!!! Finalmente! - disse ele, que há tanto tempo ansiava por este dia.

O português é uma língua traiçoeira
O tempo estava algo incerto, mas agradável para passear. O ponto de encontro foi na estação de S. Bento, mas à hora combinada o Jorge estava à espera dos colegas… na estação de Valadares. E assim se prova, mais uma vez, a extrema dificuldade em pôr duas pessoas em sintonia, mesmo quando o tema é inócuo e a mensagem é aparentemente transmitida na perfeição, não deixando dúvidas ao transmissor nem ao receptor. Imaginem só as confusões que se poderiam gerar se houvesse uma conjugação de circunstâncias que originassem um imbróglio.

A caminho da Ribeira
O caminho de S. Bento à Ribeira, quer pela Mouzinho da Silveira quer pela rua das Flores apresenta um intenso movimento que contrasta vivamente com o fluxo de pessoas nessas ruas há uma dezena de anos atrás.
O casario degradado deu lugar a uma elevada percentagem de edifícios excelentemente recuperados.
O comércio mudou de ramo, centrando-se agora particularmente na restauração. Os portuenses que por aí vadiavam deram lugar a uma indescritível mistura de raças e de línguas, onde um poliglota não chega para as encomendas e um etnógrafo fica todo baralhado.
O que isto mudou em meia dúzia e anos!!!

A Ribeira do Porto
A velha Ribeira é a grande sala de visitas do Porto. A cada passo tropeçamos em espanhóis, italianos, franceses e ingleses. Depois há aqueles que arranham uns sons guturais que ninguém entende. E há aqueles de olhos em bico, elas com sombrinhas de um euro, de usa e deita fora, certamente produzidos por garotos de 8 ou 10 anos, que trabalham 15 horas por dia por uma malga de arroz, naquelas oficinas indescritíveis que mais parece estarmos no meio de aterro sanitário com cobertura a telhas de fibrocimento.
A Ribeira fervilha de vida e o Douro é uma passerelle de pequenos barcos a fazer o cruzeiro das 6 pontes, por 10 euros. 
Do outro lado do rio destaca-se o cais de Gaia, a pedir meças à Ribeira do Porto em beleza e movimento, com o Yeatman sobranceiro no cimo da colina, de onde se observa um Porto singular a partir de um posto de vigia privilegiadíssimo.

Ter amigos e usufruir das vantagens de passar à reforma
Num dos muitos bares/restaurantes para turista regalar a vista e apreciar a nossa gastronomia, tomamos uma bebida. O grupo
aproveitou para oferecer ao Alexandre um livro sobre economia, para ele aprender mais alguma coisa dessa arte esotérica, para muitos uma adivinhação de quem pouco sabe, pois estão sempre a falhar os prognósticos. A prenda foi complementada com um CD da Ana Moura – “Leva-me ao fado”, um bestseller da canção nacional. Surpresa para o homenageado, que não esperava nada daquilo.

E vamos ao que aqui nos trouxe
Estava na hora da papa e o objetivo seguinte foi arranjar o melhor poiso. Escolha deveras difícil, tal a variedade da oferta. Mas a maior parte dos lugares de varanda virada para o rio eram mesas para duas pessoas
e o cardápio era próprio para turista provar e pagar.
Acabamos por fazer uma escolha nem carne nem peixe; nem tasca nem muito requinte; nem caro nem barato. O preço por pessoa ficou abaixo dos 20 euros, mas sem sobremesas e com a opção por cerveja em vez do vinho. O serviço foi muito demorado, pois em lugar de optarmos pelo prato do dia escolhemos pratos complicados: filetes de bacalhau e polvo à lagareiro.
Durante o repasto tivemos direito a 2 concertos a solo por verdadeiros artistas, estrangeiros, com aparência de romenos.

Igreja de S. Francisco
Findo o repasto, e antes de regressarmos a casa, fomos tentados a uma visita à igreja de S. Francisco. Deparamos com 2 seguranças, que nos queriam esfolar 3 euros e meio a cada um para dar uma mirada à igreja, às catacumbas e ao museu. Optamos por seguir o exemplo de uma turista brasileira, que deu meia volta e terá ido gastar os euros noutras paragens. Ou noutras viagens, pois mesmo aqui passam imensos autocarros turísticos, daqueles descobertos que dão a volta à cidade e que ainda há dois ou 3 anos só conhecíamos das visitas a cidades estrangeiras.
O que o Porto mudou em meia dúzia e anos! E não passamos da Ribeira.
Valadares, 10 de Setembro de 2014