Texto

Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014


O ERRO DE CAMILO LOURENÇO E JOSÉ GOMES FERREIRA (II) - Continuação

Em Maio deste ano publiquei aqui um artigo a que dei o título A dimensão da nossa irresponsabilidade. Aí analisei 5 hipóteses que nos poderiam ter evitado a queda na crise se tivessem sido tomadas algumas medidas, entre 2000 e 2008, que passo a resumir:

1.ª via – opção pelo crescimento – se o nosso PIB tivesse crescido 2,24% acima do valor real verificado nesses 8 anos, teríamos chegado a 2008 com a dívida a representar exatamente 60% do PIB. Estes 2,24% representam a dimensão da nossa incompetência.

 2.ª via – redução da despesa – se tivéssemos conseguido uma redução estrutural de despesa da ordem dos dois mil e sessenta milhões de euros, teríamos atingido o mesmo objetivo. Assim, 2.060 milhões é a dimensão do nosso despesismo.

3.ª via – aumento das receitas – um aumento da carga fiscal em 3,15%. Este valor traduz a dimensão da nossa incapacidade de perceber que são os nossos impostos que devem financiar as nossas despesas.

4.ª – via – solução mista -  uma das muitas soluções poderia ter sido, por exemplo, aumentar o crescimento do PIB em 0,5%, reduzir a despesa em 800 milhões e fazer crescer os impostos em 1,25%.

5.ª via – havia ainda uma possível 5.ª via, mas essa já não dependia de nós – se as taxas de juros (que no período 2000/2008 se situaram num valor médio de 4,7%) tivessem baixado 2,5%, o objetivo também seria atingido. Mesmo assim pagaríamos uma taxa de juro de 2,2%, valor que se situa muito acima daquilo que os mercados exigem a países como a Alemanha. Esta é a dimensão da nossa pequenez e da nossa impotência.

Ficou aí claramente quantificada, a dimensão da nossa (i)responsabilidade e das nossas limitações e incapacidades.


E volta a colocar-se agora a questão: onde é que isto entronca nas análises de Camilo Lourenço e José Gomes Ferreira? É o que vamos ver no próximo post.

 

(continua)


segunda-feira, 29 de dezembro de 2014


O ERRO DE CAMILO LOURENÇO E JOSÉ GOMES FERREIRA (I)

Camilo Lourenço (CL) e José Gomes Ferreira (JGF) são 2 reputados jornalistas. Ambos lançaram livros recentemente, Irresponsáveis e Carta a um bom português, respetivamente.

CL e JGF abordam a temática da dívida portuguesa, da crise e das soluções para a mesma. E embora seguindo diferentes metodologias de abordagem pode dizer-se que praticamente coincidem no diagnóstico, na terapêutica a aplicar e no prognóstico de evolução do “doente”. E nesses pontos estou bastante de acordo com eles, embora me distancie significativamente numa faceta da abordagem. Mas vamos por partes.

A origem da crise portuguesa (versão CL e JGF)

A crise portuguesa tem como primeiríssima origem o consumo excessivo do país. Desde há muitos anos (décadas) Portugal vem apresentando contas deficitárias, gastando em cada ano mais do que arrecada em receitas, deficit que não é suficientemente coberto por aumentos do produto. Este problema, estrutural, é transversal a governos de diferentes origens partidárias, que só se diferenciarão no maior ou menor laxismo com que abordaram a questão.

E a este deficit “estrutural”, que só por si iria fatalmente desembocar num abismo se não fosse arrepiado caminho, juntam-se as conhecidas ineficiências do estado e a sua captura pelos grandes lobbies, que vão da construção civil à banca, passando pela saúde, educação e energia, só para citar alguns. Poderíamos ainda acrescentar o nosso atávico atraso nas exportações, e no excessivo ênfase colocado nos serviços destinados a consumo interno, em detrimento da produção de bens transacionáveis. E não vale a pena alongar-me mais para não complicar a análise.

A solução, na versão CL e JGF

A solução passa por uma resposta à letra às questões acima colocadas. Desde logo a redução da despesa, conjugada com o aumento de impostos. É o que simplificadamente poderíamos chamar austeridade, que aparece assim como uma inevitabilidade. Deveríamos também obrigatoriamente reduzir as rendas excessivas e/ou outros benefícios de quem têm tirado proveito os sectores que capturaram o estado. O aumento de exportações não pode deixar de ser parte importante da solução, assim como a reforma do estado, onde a segurança social assume um peso relevante.

Não falo aqui na importância da regeneração da classe política e da luta contra a corrupção, tão óbvias e obrigatórias se apresentam.

Com pequenas nuances, eu não poderia estar mais de acordo com CL e JGF no diagnóstico quanto à verdadeira origem da crise e quanto à solução para dela sairmos.

Onde é que então a minha análise se distancia destes jornalistas/escritores?

(continua)


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (XII) - FINAL

A “aventura” em Angola e a minha participação no projeto CFB foi uma extraordinária experiência pessoal e profissional, numa vertente que antes não havia experimentado. Ali somos pagos exclusivamente para pensar e para colocarmos os nossos conhecimentos e experiência ao serviço de uma empresa. Ali sentimos que o nosso contributo é fundamental para o êxito da missão; sentimos que a missão é importante para a regeneração da empresa. Pessoalmente aprendi muito sobre uma atividade que desconhecia por completo; senti-me perfeitamente integrado na equipa; conheci um país que conhecia muito mal e sobre o qual tinha muitos preconceitos; senti que os meus saberes e a minha experiência profissional foram úteis e reconhecidos, contribuindo para mudar coisas que precisavam de ser feitas e que vão contribuir para os resultados da empresa e, dessa forma, terá sido um interessante contributo para o progresso do país. A este estado de espírito costuma-se chamar realização profissional.

Fisicamente o que deixamos ficar

Objetivamente deixamos ficar 2 relatórios, que no conjunto e com os anexos, são algumas centenas de páginas. Só o relatório em que intervim diretamente foram 130 páginas, com 90 gráficos, 60 mapas e mais de 20 ilustrações. Um relatório profusamente ilustrado com gráficos de todas as formas e feitios e uma variegada gama de cores, para tornar as análises mais acessíveis, as conclusões mais impressivas e as mensagens/instruções mais apelativas. Diagnóstico, análises, propostas, planos de ações. Clarificação dos pontos fortes e dos pontos fracos da empresa. Chamadas de atenção para as oportunidades que urge aproveitar e para as ameaças que é preciso contornar. Planos para avançar, tarefas para executar, trabalho de casa que agora terão de ser os angolanos a fazer com as ferramentas que lhes entregamos e ensinamos a manejar. Os dados foram lançados e agora espera-se que as sementes frutifiquem.
Em jeito de despedida
Agradeço ao Morgado a oportunidade que me deu. Agradeço ao Vicente Pereira e José Santos, com quem foi um prazer trabalhar e com quem aprendi muito. Quero por isso aqui destacar os predicados que mais apreciei e que, embora em graus diferentes, são comuns aos três: são pessoas com um coeficiente de inteligência muito acima da média; todos têm uma experiência de gestão em empresas de grande dimensão e projeção; todos têm experiência internacional; todos têm uma elevada dose de bom senso e sensibilidade na forma como lidam com as pessoas; todos têm uma forte personalidade e estão habituados a tomar decisões sobre matérias complexas; cada um, dentro da respetiva área, é um especialista.
Mas o que mais me marcou foi a humildade destas pessoas. Pessoas habituadas a um elevado padrão de vida e a níveis de remuneração muito acima da média; pessoas habituadas a lidar com subordinados; pessoas que conhecem o fausto dos gabinetes dos executivos das grandes empresas; pessoas que participam em reuniões com ministros e secretários de estado; pessoas que conhecem as mordomias que os grandes gestores costumam exigir. Mas afinal todos dialogam tu-cá-tu-lá com toda a gente; todos aceitam e valorizam as opiniões contrárias; todos se alojaram num hotel humilde sem fazerem disso qualquer problema; todos viajavam juntos, cinco pessoas no mesmo carro, um pequeno e vulgar utilitário; todos se disponibilizaram, sem qualquer rebuço, para dias de trabalho intenso, no hotel, ao fim de semana; todos aceitaram trabalhar, semanas a fio, num pequeno espaço, um cubículo interior, sem janelas e com menos de 20 metros quadrados; nenhum reclamava refeições em restaurante fora do hotel; todos se prontificavam para os trabalhos mais simples, como tirar cópias. A humildade foi a característica que mais me marcou no relacionamento com estas pessoas verdadeiramente superiores.
(FIM)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (XI)

A equipa fora dos escritórios

Fora do escritório a equipa funciona também muitíssimo bem. Somos todos um bocado do mesmo estilo e com idênticos hábitos de vida. Ficamos todos no mesmo hotel, saímos todos no carro para o escritório, vimos todos comer ao hotel. A equipa, em total liberdade, passa praticamente as 24 horas do dia em grande proximidade: almoça no hotel (às 13 horas) e janta em conjunto, também no hotel, às 20 horas; depois do jantar e antes de dormir, fica-se no salão a ver televisão, a jogar uma sueca ou ao burro, ou simplesmente a conversar. Quando apetece cada um vai para o quarto dormir, descansar ou telefonar à família; aos fins de semana vamos juntos passear, almoçar com amigos ou fazer algumas compras.

Ainda agora nos conhecemos, estamos em ambiente estritamente profissional, mas na relação pessoal é como se fôssemos colegas ou amigos de longa data. Isto resulta do perfil pessoal de cada um (o Jorge Morgado sabia bem quem estava a contratar e conhecia as condições em que o trabalho iria ser realizado) e da experiência humana e profissional de cada um dos elementos da equipa.

O dia a dia de um consultor emigrante

Estamos instalados no Hotel Navegante, um pequeno e algo humilde mas simpático hotel do tempo colonial, no centro da cidade. Zona de fácil acesso, saída rápida para o escritório, sem problemas de estacionamento. Zona calma, tranquila, onde se pode passear na rua com total à vontade. Aqui no hotel estão também alojados vários militares portugueses, pelo que nos sentimos “em casa”.

Levantámo-nos todos os dias antes das 7 horas, para estar a tomar o pequeno almoço às 7,30 e poder estar no escritório pouco depois das 8 horas. O pequeno almoço é trivial, com sumos, café com leite, fiambre, queijo, salsichas e 3 espécies de pão. Também há bolos e bananas, que aqui são excelentes, pois não têm de ser colhidas verdes e ir para as câmaras frigoríficas. O almoço é um serviço buffet, com 3 pratos à escolha. A comida é tipicamente à antiga portuguesa, onde pontifica a carne de porco e de vaca; o peixe costuma ser grelhado e predomina o pargo, corvina, linguado e chocos grelhados; frequentemente há fêveras grelhadas e iscas de fígado. As sopas também são bem ao estilo antigo português, assim como as sobremesas, sempre com salada de frutas (maçã, mamão, banana), pudim, mousse de chocolate e bolos secos. Às duas horas voltamos ao escritório, que fica a cerca de um quilómetro do hotel, junto ao porto. Regressamos ao hotel entre as 19 e as 20 horas.

(CONTINUA)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (X)

Metodologia de trabalho

A equipa de consultores apresenta-se na CFB antes das 8h30 da manhã e deixa a empresa ao fim da tarde, já noite escura, depois das 19 horas.

Quem os observar à entrada na empresa não pode deixar de fazer associação à troika quando vem a Portugal: com portátil ao ombro, entram em grupo nas instalações, saudando as pessoas por quem passam com um delicado mas algo distante bom dia. Seguem diretos para a sala de trabalho, uma vulgar e despojada sala de reuniões, com uma mesa larga e um quadro. Ligam os computadores, sentam-se em volta da mesa de reuniões e iniciam o seu trabalho. Os primeiros dias foram passados em trabalho de recolha de dados na empresa e tratamento e análise dentro da área de especialização de cada um, mas sem nunca perder de vista a integração no trabalho de grupo que virá a seguir. Fruto da sua longa experiência empresarial, cada um faz trabalho individual, que depois é discutido e integrado no que será o relatório comum. Seguramente é uma metodologia não muito diferente da que é seguida pela troika.

Apesar de antes não se conhecerem, quase não é preciso falarem para cada qual saber com exatidão o que deve fazer. Todos sabem intuitivamente o que se espera de cada um. No segundo dia de trabalho já parecia que tínhamos trabalhado juntos toda a vida, o que é uma coisa absolutamente extraordinária. Todos têm o sentido da missão, a consciência de que individualmente seriam muito limitados face à multiplicidade de matérias que é necessário dominar, mas igualmente conscientes da importância do seu contributo para o resultado final.

Não é preciso andarmos a correr. Não estamos sujeitos a pressões nem a fatores de stress profissional. Com tranquilidade desenvolvemos o nosso trabalho. Dispomos da vantagem de não termos de nos preocupar em obter dinheiro para pagar salários; não temos de nos preocupar com eventuais quebras nas vendas, nem com subidas de custos de matérias-primas; não temos de nos preocupar porque um equipamento avariou ou porque um cliente reclamou. Sem as preocupações do dia a dia da gestão de uma empresa, o nosso trabalho rende muito mais. Chegado ao fim do dia sabemos o quanto o trabalho avançou.

A primeira condição para o êxito de um trabalho deste género é saber o que pedir e a quem. Na empresa cliente de serviços de consultadoria é normal encontrar resistências e/ou incapacidade para responder cabalmente às necessidades de informação dos consultores. E o conhecimento da situação real da empresa é o ponto de partida obrigatório e essencial. Mal integrei a equipa (com 3 semanas de atraso em relação aos restantes elementos) debatia-se esta com insuficiente, incongruente e algo incompreensível informação na área de recursos humanos. Pois bastou uma tarde para eu obter toda a informação necessária, para lhe dar o adequado tratamento e disponibilizar à equipa os dados de que esta necessitava para a correta análise das questões que estavam nessa altura a ser debatidas no grupo. Isto demonstra a mais-valia que representa uma equipa experiente e pluridisciplinar.

(CONTINUA)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (IX)

Objeto de intervenção na CFB

A intervenção da nossa equipa na CFB (Caminho de Ferro de Benguela) fez-se por força de um decreto presidencial promulgado por José Eduardo dos Santos. Teve como objetivo posicionar a empresa “como um meio de transporte estratégico para o desenvolvimento da economia angolana e como condição necessária para a integração regional e coesão do território.” “Este enquadramento estruturante preconiza a reestruturação organizacional em matéria de recursos humanos e respetivo quadro e consequente formação profissional”.

A equipa

O chefe da missão na CFB foi o Jorge Morgado. Acumula uma vasta experiência nas áreas de auditoria e consultadoria, tendo dirigido trabalhos em vários países europeus e africanos, em grandes multinacionais. Está presente nos Conselhos Fiscais de várias empresas portuguesas, com o grupo Sonae à cabeça.

Aceite a incumbência, Jorge Morgado constituiu a equipa com base no recrutamento de consultores seniores com “expertise” em diferentes, mas complementares, áreas da gestão empresarial. É o único elemento que conhecia pessoalmente os restantes 4 componentes que escolheu para formar a equipa. Nenhum dos outros se conhecia entre si.

A equipa destacada para a CFB é assim constituída por 5 elementos em full time neste projeto, dos quais 4 são consultores seniores, todos portugueses, todo na casa dos 60 anos. O quinto elemento é uma jovem angolana de 23 anos, que apoia a equipa e vai fazendo o seu percurso de formação. A equipa é pluridisciplinar e cada elemento é um expert em pelo menos uma área funcional. Todos possuem uma larga e comprovada experiência de gestão global em empresas de referência.

Apesar de trabalharmos para uma empresa de caminhos de ferro, o Vicente Pereira é o único da equipa que é perito nessa área. Foi administrador na CP e na Refer, pelo que a sua  competência nessas áreas é incontestável, sendo uma referência na setor, com prestígio e reconhecimento pelos pares a nível da Europa.

O José Santos é um engenheiro perito em Informática e organização. Foi jogador de xadrez, onde acumulou títulos de campeão nacional, sendo perito em partidas rápidas, onde defrontou já grandes mestres russos da modalidade, o que revela o seu elevado perfil intelectual e a sua capacidade analítica.

O Alexandre Ribeiro era o especialista em recursos humanos, área estratégica no projeto de reestruturação da CFB.

(CONTINUA)