Texto

Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

sexta-feira, 30 de maio de 2014


Portugal será capaz? (conclusão do post anterior)

Se queremos saber se, enquanto povo e nação autónoma, somos capazes de dar a volta a uma situação complicada, não chega olhar para a história e regozijar-nos com os períodos de ouro que vivemos. Cada momento é único e as condições em que se operou são determinantes. O que não há dúvida é que os genes estão cá, e se noutras ocasiões conseguimos, provavelmente voltaremos a conseguir… desde que se criem as condições adequadas.

Vou aqui apresentar algumas explicações (algumas eventualmente polémicas) que são apenas um pequeno contributo para a discussão do problema e para a abertura de uma frente de diálogo. Para além dos comentários que os meus leitores possam fazer, certamente irão acrescentar muitos tópicos à minha análise que, aliás, quero deixar propositadamente incompleta e polémica.

Começo por fazer um pequeno enquadramento da situação sócio-política vivida na altura em Portugal. No período 1995/2000 tivemos um governo de caras novas, gente cheia de vontade de mudar, após um período natural e inevitável de desgaste, cansaço e esgotamento de um governo que estava há muitos anos à frente do país. Conclusão: sem se pôr em causa o que vem de trás, por vezes é absolutamente necessário mudar os rostos e injetar sangue novo. Acresce que se viveu um período de paz social, fator não despiciendo para se mobilizar um país para os desafios que se têm de enfrentar. O crescimento económico foi potenciado por um clima social de otimismo, quase se diria de euforia, que, pese embora os riscos que comporta (como veremos mais tarde), propicia a envolvência das pessoas e potencia enormemente o crescimento. A opção foi claramente pelo crescimento económico, pela criação de infra-estruturas e pela redução das desigualdades sociais. A despesa foi considerada uma variável meramente instrumental.

Já no tocante às condicionantes externas essas são profundamente contrastantes com as atuais. Desde logo a comunidade europeia vivia ainda um período onde a solidariedade era um valor fundamental no projeto europeu e a convergência dos diversos países era um objetivo assumido e a redução de assimetrias era uma realidade que os países mais atrasados sentiam e viam. Havia um “espírito europeu”, uma emergente cultura europeia, um orgulhoso sentimento de pertença. A Europa comunitária era um projeto de êxito, um orgulho para quem já lá estava, uma expectativa e um sonho para os que queriam entrar, uma inveja para quem nunca a poderia vir a integrar. Os fluxos financeiros eram fáceis, de uma grandeza descomunal, quase sem limites. O dinheiro corria a jorros, sendo usado para o que era necessário e para o consumo perdulário. No rating das nações não havia lixo, mas apenas classificações excelentes. Ainda não se sentiam os efeitos (sociais, políticos e económicos) da implosão da União Soviética e da queda do muro de Berlim. Os mercados financeiros ainda não tinham grandes “bolhas” que pudessem explorar nem ousavam atacar vítimas indefesas na Europa.

Foi este contexto que, simultaneamente, proporcionou o crescimento e a vivência dos anos de ouro de Portugal e da Europa, mas que deixou cair na terra as sementes que anos mais tarde nos haveriam de conduzir ao empobrecimento coletivo.

Hoje sabemos (nós e a Europa) o que é que fizemos bem e o que é que fizemos mal. A opção devia ser uma: tentar repetir o que fizemos bem, sem cometer os erros onde caímos antes. Mas hoje os tempos são completamente outros. Todavia, não podemos esquecer que os cidadãos, quem produz riqueza e quem consome, são as mesmas pessoas. Mas as “elites” dirigentes mudaram. Nos organismos europeus e nos governos nacionais da altura já lá não está ninguém. Dessa época restam apenas os povos. Agora tristes, acabrunhados, temerosos, descrentes.

Don’t cry for me, Europe!

quinta-feira, 29 de maio de 2014


Portugal será capaz?

Para sabermos do que verdadeiramente somos capazes precisamos de começar por revisitar a nossa história. Não vamos recuar ao tempo das conquistas aos mouros, da luta pela independência face a Castela ou ao período épico dos descobrimentos. Recuemos apenas algumas décadas e analisemos um lustro (período de 5 anos) da nossa economia.

Nota: todos estes valores foram calculados a preços constantes, de forma a tornar irrelevante o efeito erosivo da inflação)

- o nosso PIB cresceu a uma taxa média de 4,2%

- 0 PIB per capita cresceu 20% nesse período de 5 anos

- a nossa dívida em valores brutos, cresceu apenas 0,06%

- a dívida em relação ao PIB desceu de 59,2% para 48,4% (único período da nossa história recente em que isso aconteceu de forma consolidada, em 5 anos consecutivos

- a taxa de desemprego desceu de 7,1% para 3,9%.

De registar ainda que nesse período:

- as nossas exportações representavam apenas cerca de 28% do PIB

- a taxa média dos juros foi 6,7%, significativamente acima das melhores taxas que o mercado nos exige atualmente e que hoje seria verdadeiramente escandalosa e absolutamente incomportável

- as despesas cresceram a uma taxa média de 4,1%, valor que hoje seria quase um sacrilégio

- O nosso deficit médio foi 2,9%, abaixo do valor máximo que durante muitos anos a comunidade europeia aceitava (3%).

Se confrontarmos estes valores com os aterradores números da atualidade, se pensarmos em taxas de crescimento superiores a 4%, se voltássemos a ter uma dívida inferior a 50% do PIB, se pudéssemos hoje sonhar com taxas de desemprego inferiores a 4%, até parece que voltaríamos a um qualquer paraíso perdido. Mas atenção, nos anos seguintes a história começou a mudar, até chegarmos ao ponto onde estamos hoje.
Os leitores estarão certamente a perguntar: quando é que foi isso? Terá sido nos já distantes tempos do marcelismo? Frio, frio. Foi num período que todos os que me leem vivenciaram, imediatamente antes da chamada década perdida, que há pouco tempo aqui analisei. Estes números são precisamente do período que vai de 1995 a 2000.


Importa agora saber em que contexto é que tudo isto aconteceu, e comparar com a situação que temos vindo a viver desde 2008. É o que farei no próximo post.

(continua)













terça-feira, 27 de maio de 2014


Uma história passada longe daqui

Esta história deve ser muito antiga. Ouvi-a há tempos na rádio e não resisti a reescrevê-la ao meu estilo. 
Nos tempos em que os reis mandavam, numa noite escura, à entrada de dezembro, o rei veio à varanda do seu iluminado palácio e reparou que a cidade estava escura como breu.
Chamou o seu primeiro-ministro e ordenou-lhe:
- Antes do natal quero ver a cidade toda iluminada. Toma lá 100 mil euros e trata já de resolver o problema.
O primeiro-ministro chamou o presidente da câmara e ordenou-lhe:
- O nosso rei quer a cidade toda iluminada ainda antes do natal. Toma lá 50 mil euros e trata imediatamente de resolver o problema.
O presidente da câmara chama o chefe da polícia e diz-lhe:
- O nosso rei ordenou que puséssemos a cidade toda iluminada para o natal. Toma lá 20 mil euros e trata imediatamente de resolver o problema.
O chefe da polícia emite um edital a dizer:
“Por ordem do rei em todas as ruas e em todas as casas deve imediatamente ser colocada iluminação de natal.  Quem não cumprir esta ordem será enforcado”.
Uns dias depois o rei veio à varanda e, ao ver a cidade profusamente iluminada, exclamou:
 - Que lindo! Abençoado dinheiro que gastei. Valeu a pena.


BALANÇO

Passaram dois meses sobre o início da publicação do blogue

É altura de fazer um primeiro balanço, para reforçar os pontos fortes e, eventualmente, corrigir algumas trajetórias menos conseguidas.

Numa análise quantitativa aos leitores/ seguidores do blogue há desde já a registar uma média de 100 visualizações por semana. Aparece um primeiro núcleo de leitores que praticamente todos os dias querem ver as novidades; há depois um segundo núcleo, provavelmente o mais numeroso, que irá ver o blogue 2 ou 3 vezes por semana; finalmente há um terceiro núcleo de visitantes que vão de vez em quando dar uma espreitadela.

Quanto aos temas publicados apresento uma pequena estatística:

- 5% - poesia

- 8% - publicações de post’s editados por amigos

- 10% - relatos de viagens e gastronomia

- 17% - citações recolhidas de livros, entrevistas, jornais ou revistas

- 23% - reflexões sobre assuntos diversos e comentários sobre a atualidade

- 37% - análise de temas de índole económica e financeira.

Gostava neste momento de conhecer a opinião dos leitores, nomeadamente sobre o tipo de assuntos que mais gostariam de ver abordados. Já agora seria interessante citarem o ou os post’s que mais atenção mereceram.

As respostas podem ser enviadas em comentário no próprio blogue, que em princípio farei publicar. Quem pretender alongar-se ou personalizar a resposta pode enviar a opinião para o e-mail:


Um agradecimento a todos os leitores, com os votos de que tenham encontrado alguma utilidade naquilo que escrevo. É para vós que o faço.

Um abraço

Alexandre Ribeiro

sábado, 24 de maio de 2014


POR ONDE PASSAM AS SOLUÇÕES PARA PORTUGAL? (Conclusão)

IV – a racionalidade dos devedores

 Do ponto de vista do devedor o problema da racionalidade é completamente diferente do ponto de vista do credor. Regra geral ninguém melhor que o devedor sabe se vai ou não ter condições para pagar as suas dívidas. E melhor que ninguém sabe se as quer pagar ou se vai tentar “passar a perna” ao credor. Daí que, na lógica do devedor, é frequente, quando está de boa fé e com vontade de cumprir, ele não perceber nem aceitar os argumentos do credor quando este coloca entraves ao financiamento que o devedor considera excessivos ou injustificados.

Se o devedor quer pagar e se acha que o pode fazer, o que pretende é que o credor lhe conceda condições justas e aceitáveis. E sente como pura irracionalidade ver que o credor não lhe proporciona essas condições que lhe iriam permitir pagar o que deve. Se essas condições não lhe forem proporcionadas ele pode mesmo acabar por se tornar um devedor incumpridor, quando a sua vontade era cumprir.

Que conclusões tirar daqui? Devedores e credores terão sempre “perspetivas” diferentes sobre a situação. Mas se o credor e devedor, para além das naturais divergência de perspetiva tiverem, além disso, “visões” objetivamente diferentes sobre a situação real, isso vai implicar um processo negocial longo e de sucesso nem sempre garantido. No caso de uma empresa, convencer um banco ou um fornecedor a dar apoio exige uma atitude de muita paciência, muita capacidade argumentativa e apresentação de “provas” da nossa vontade e da nossa capacidade. Com os países é exatamente o mesmo. Preparemo-nos, pois, para este processo longo, penoso e de resultado incerto. O “Manifesto dos 70”, abstraindo do problema do timing, da forma e dos interlocutores, aponta um caminho absolutamente incontornável. Comecemo-lo quando podermos, chamemos-lhe reforma da dívida, reestruturação da dívida, perdão parcial, alongamento dos prazos, negociação de taxas ou o que quisermos. Mas vamos ter de meter pés a caminho, escolher os parceiros, apresentar provas da nossa vontade e da nossa capacidade e negociar a solução. Ou então esperar que a solução nos caia do céu, como parece estar a acontecer. Até quando? E depois?

Já agora uma observação: que acham de uma empresa que tivesse planos de investimento e, tendo em determinada altura acesso facilitado ao crédito, fosse meter o dinheiro no colchão?  Será que verdadeiramente sabemos o que queremos e temos planos de desenvolvimento?

 

sexta-feira, 23 de maio de 2014


POR ONDE PASSAM AS SOLUÇÕES PARA PORTUGAL? (Continuação)

III – Condições de financiamento – a “(i)racionalidade” dos mercados

Muito se tem dito sobre a (i)racionalidade dos mercados e sobre a necessidade de nos submetermos aos seus ditames. Importa desde logo distinguir a “racionalidade” vista pelo ângulo do credor e a “racionalidade” vista pelo ângulo do devedor. Socorro-me aqui da minha experiência na gestão de empresas, principalmente a lidar com a banca e com fornecedores.

A “racionalidade” do credor é vista essencialmente em dois aspetos: a possibilidade de obtenção do maior ganho possível nos investimentos financeiros que faz e a “perceção” do risco do negócio. Falo em perceção e não em risco real. O que move o investidor em matéria de risco é o risco que ele julga que exista, através do que sabe, do que ouve, do que imagina. Pode ter razão, ou pode mesmo não ter razão absolutamente nenhuma. Pode ser induzido em erro por agências de rating ou por boatos; pode atuar por conhecimento oriundo de informações privilegiadas que detenha, não importa como; pode decidir apenas em função do que julga ser a capacidade do credor para pagar ou do que julga ser a sua simples vontade de o fazer ou a perspetiva de fuga às responsabilidades. E se é difícil convencer um credor quando o risco é real, talvez mais difícil ainda é convencê-lo quando a sua “perceção” está errada.

Outro aspeto a ter em conta é o “horror” destes investidores a terem dinheiro parado, o que vulgarmente é sinónimo de perda. O dinheiro anda sempre a girar e qualquer abalo é suficiente para fazê-lo  “mudar de poiso”.

Esta é a racionalidade do credor que, é fácil de ver, tem tanto de racional quanto de irracional e incompreensível. E o que se passou em 2008 (subidas brutais das taxas de juro) e o que se está a passar agora (quedas impensáveis das taxas de juro) aí está para o demonstrar.
(continua)

quinta-feira, 22 de maio de 2014


POR ONDE PASSAM AS SOLUÇÕES PARA PORTUGAL? (Continuação)

II – O período pós troika (após 2014)

Ao contrário do que se possa pensar, o período pós-troika vai ser completamente diferente do anterior no que respeita à “receita” a aplicar. Vamos ter necessariamente de aplicar um “cocktail” exatamente com os ingredientes anteriores, mas variando completamente as doses de cada um. Numa determinada perspetiva será “mais do mesmo”, mas noutra perspetiva é uma solução completamente diferente.

Como em qualquer tratamento médico, a medicação terá de ter em conta a reação do organismo aos tratamentos anteriores. E desde logo há a destacar um aspeto fundamental: os “ingredientes” 3 e 4 – crescimento do PIB e redução dos custos de financiamento – passaram de desejáveis a absolutamente indispensáveis, ou seja, passaram a ser fatores críticos. O crescimento (negativo) do PIB, que antes não passava de um “efeito colateral”, passa a ser a chave do êxito. E o custo e as condições do financiamento, que escapavam ao nosso controlo, têm de passar a ser variáveis razoavelmente controladas (por nós e/ou pela Europa), sob pena de total fracasso, ou sujeição a movimentos erráticos, ao sabor dos “humores” do mercado. Aqui o papel da Europa será absolutamente crucial.

Já os “ingredientes” 1 e 2 – redução de despesas e aumento de receitas – continuam a ser indispensáveis no cocktail de fármacos a utilizar, mas com efeito “terapêutico” já muito reduzido. As doses cavalares aplicadas no período da troika tornam os seus efeitos pouco eficazes e o nosso organismo já só aceita doses muito reduzidas, sob pena de o nosso sistema imunológico colapsar e morrermos da cura. O “ai aguenta, aguenta” tem limites. E ai de quem não o perceber e não souber dimensionar.

Estamos, assim, confinados a um equilíbrio instável num caminho estreito, onde o aumento do PIB é praticamente o único fator capaz de nos tirar deste buraco. Mas só a redução dos custos do financiamento nos permite obter condições para aumentar o PIB, dada a premência dos investimentos a fazer para o podermos aumentar.

Estamos, assim, como a pescadinha de rabo na boca, havendo condicionantes que escapam completamente ao nosso controlo, pois a solução acaba sempre por passar por melhores condições de financiamento, o que por sua vez é condição absolutamente necessária para aumentarmos o PIB. Ou seja, chegamos a um ponto em que, mesmo que da nossa parte façamos tudo bem feito, nada nos garante que venhamos a ter êxito. Atenção, isto não quer dizer, de maneira nenhuma, que estejamos condenados. Aliás, continuo moderadamente confiante. Isto significa apenas que não temos o nosso destino na nossa mão. E quem disser o contrário ou é ignorante ou mente. Ou então aceita a continuação do nosso processo de empobrecimento.

Importa, por isso, dedicar um post a analisar as condições de financiamento.
(continua)

 

quarta-feira, 21 de maio de 2014


POR ONDE PASSAM AS SOLUÇÕES PARA PORTUGAL? (Continuação)
I – O período da troika (2011-2014)
A minha análise será essencialmente técnica e factual, evitando a abordagem ideológica e/ou partidária, ou sequer de responsabilização dos agentes envolvidos. E quando falar em troika será por simplificação de linguagem, pois obviamente terá de ser incluído o governo de Portugal. A solução apresentada pela troika baseava-se numa receita clássica que era um cocktail de “remédios” vários, que deveriam atacar em simultâneo o nosso sistema económico-financeiro. Vou passar ao lado da ideologia subjacente a este modelo, detendo-me nas vertentes económicas e financeiras e nos seus resultados práticos. A solução correspondia, grosso modo, à 4.ª via que identifiquei nos post’s anteriores, ou seja um cocktail assente nos seguintes “ingredientes”:
1 – redução da despesa – vertente absolutamente indispensável.
2 – aumento das receitas (via impostos) – também absolutamente indispensável.
3 – crescimento do PIB – via desejável, embora reconhecida como impossível numa fase inicial do processo de ajustamento , mas apontada como meta para o futuro.
4 – redução dos custos de financiamento (redução de taxas de juro ou aumento dos prazos de pagamento) – via desejável, mas considerada fora do controlo de Portugal e da Troika.
Vamos ver como os vários “ingredientes” potenciaram o efeito deste “cocktail”. As vertentes 3 e 4, vias desejáveis, tiveram um comportamento desolador até perto da data da saída da troika. O seu contributo para o resultado final foi absolutamente desastroso. Daí que as vertentes 1 e 2, indispensáveis, tiveram de ver a receita aplicada em doses cavalares, para compensar.
A troika manteve sempre invariavelmente os ingredientes da receita, mas foi ajustando as quantidades de cada um à evolução da “doença” e às reações do doente.
Já muito próximo da saída da troika houve uma inversão do comportamento do PIB e das condições de financiamento: as taxas de juros deram uma cambalhota verdadeiramente imprevisível e o PIB, finalmente, iniciou o processo de crescimento. Foram sinais extraordinariamente positivos, que devem ser saudados, mas que, não só pela sua insuficiente dimensão, como pelo escasso tempo em que foram aplicados, não alteraram praticamente nada os resultados desastrosos do período da troika, limitando-se a criar expectativas para o futuro.
(Continua)
 

terça-feira, 20 de maio de 2014


POR ONDE PASSAM AS SOLUÇÕES PARA PORTUGAL?

Nos meus últimos post’s abordei a questão da responsabilidade dos portugueses na crise, delineando um plano de ajustamento que nos teria permitido abordar a crise de 2008 sem as fragilidades que nos atiraram para os braços da troika. Vou agora abordar as soluções para a saída da crise, distinguindo o período da troika (já passado) e o período pós troika, que é o futuro que nos espera.

Imediatamente antes da troika temos o período de 2008 a 2010, quando fomos sujeitos ao vendaval da crise. Para esse período a poeira ainda está muito longe de assentar. Há mais que uma narrativa, há acusações mútuas, há diferentes e inconciliáveis pontos de vista sobre a responsabilidade do governo da altura (e da oposição), a responsabilidade da Europa e a responsabilidade dos mercados (incluindo aqui particularmente o papel da banca). Ainda não é o momento para que, com distanciamento, clarividência e isenção, se escreva a história. Na opinião de Gavin Hewitt trata-se de “o momento mais negro da Europa, a sua maior tragédia política desde a II Guerra Mundial”. “A crise é fruto de um delírio” que mistura “a ganância do sistema bancário” com os erros do “euro e a sua construção imperfeita”. E Philippe Legrain, conselheiro económico do presidente da Comissão Europeia revelou recentemente que a Goldman Sachs “resolveu deixar falir o Lehman, um banco rival, inventando um plano de resgate do sistema financeiro pago pelos contribuintes”. E acrescenta: ”bancos alemães e franceses, em situação de pré-colapso, tiveram de ser salvos pelas políticas de austeridade dos governos alemão e francês enquanto se passava a mensagem que os países do sul gastavam o dinheiro dos países do norte”, para concluir que a troika, (nos países onde atuou), agiu no interesse dos países credores”.  Michael Lewis é ainda mais concreto e afirma que “a Alemanha tinha colaborado ativamente com a corrupção grega” (cita a Siemens) enquanto “a Goldman Sachs tinha ajudado a camuflar a vigarice das contas, que a Alemanha e a Europa bem conheciam e silenciaram”.

Começa lentamente a escrever-se a história da crise, mas muita roupa suja ainda há para lavar. Por isso vou dar um salto por cima desse período e passar a analisar o “reinado” da troika e o pós-troika.

(Continua)

 

segunda-feira, 19 de maio de 2014


A dimensão da nossa (i)responsabilidade - (Conclusão) 
          - O habitual sadomasoquismo dos portugueses -



Eis então, claramente escarrapachada e quantificada, a dimensão da nossa (i)responsabilidade, da nossa incapacidade em fazer as reformas que é preciso fazer. Aqui se traduz a dimensão do nosso despesismo e da nossa fobia a pagar impostos quando é mesmo necessário.

Comparem-se agora estes números com os que resultam de termos sido atirados para o olho no furacão da crise internacional, de que resultou a entrada da troika em Portugal:
o nosso ajustamento não demora 8 anos, mas sim 40; os cortes nas nossas despesas não se ficaram pelos 2 mil milhões, mas por um valor 4 a 5 vezes maior; o aumento das receitas, via impostos, não são os mencionados 3,15% mas aqueles que me abstenho de mencionar, pois todos o sentem e conhecem e apresenta valores diferentes para cada classe social. E, atenção, tudo isto é cumulativo!
Entretanto abriram-se enormes rasgões no nosso tecido produtivo; destruiu-se o equilíbrio da nossa segurança social; reduziu-se o nível de apoio prestado pelo Serviço Nacional de Saúde; provocou-se a emigração em massa, principalmente de jovens; elevou-se para patamares inaceitáveis o nível do desemprego.
Identifiquei e quantifiquei com bastante rigor e precisão a dimensão dos nossos erros associados a algumas das causas em cima enunciadas. Digamos que correspondem aos erros e responsabilidades pelos quais o povo português é inequivocamente responsável e teria, sempre, de uma maneira ou de outra, de “expiar”. Mas deixo agora ao critério de cada um identificar, avaliar e quantificar o peso e as responsabilidades imputáveis aos nossos governantes, à troika, à Comunidade Europeia e à crise internacional, sem esquecer aqui a responsabilidade da banca e dos mercados no despoletar e avolumar da crise.

P.S. – contraímos uma dívida de 10 e vamos ter de pagar 100. Há quem ache, com naturalidade, que é o preço a pagar pelas asneiras que cometemos. Esta é a dimensão do nosso sadomasoquismo.


sábado, 17 de maio de 2014

A dimensão da nossa (i)responsabilidade - (Continuação - III)
                      - O plano de reajustamento -


A metodologia usada parte de uma “narrativa” que fez escola e de uma meta que hoje é consensual. Tem sido dito e repetido à exaustão que os primeiros anos deste século foram uma “década perdida”. E, após a crise, as instituições internacionais chegaram ao entendimento que uma dívida em redor dos 60% do PIB são, em princípio, um alvo a atingir, significando o atingimento de um patamar de equilíbrio financeiro razoavelmente saudável.
Vamos então tomar por base os números do ano 2000 e vamos procurar definir as condições que nos teriam permitido chegar a 2008 (ano do despoletar da crise internacional) numa situação de economia e finanças “limpinhas” (dívida a representar 60% do PIB), sem deixar aos credores e outros detratores de Portugal argumentos para nos acusarem do que quer que fosse. Ou seja, vamos aqui traçar um “plano de ajustamento” que, a ter sido levado à prática em 8 anos (de 2000 a 2008), nos teria permitido chegar com pleno êxito ao final do referido período (o que se passou depois de 2008 é outro campeonato).
Vamos admitir que a partir de 2000 seríamos governados por políticos honestos e competentes, que contaríamos com o empenho de todos os cidadãos em prol do bem comum e com o investimento necessário e a gestão empenhada dos nossos empresários.
Que condições é que deveriam ter constado desse plano de ajustamento?
Trata-se de um verdadeiro memorando antes da troika, mas sem a troika:
1.ª via a seguir – opção pelo crescimento – esta via, de que hoje tanto se fala, traduz o esforço que seria necessário fazer para que pudéssemos sustentar o nosso nível de despesas, garantindo uma evolução equilibrada da dívida. Se o nosso PIB tivesse crescido 2,24% acima do valor real verificado nesses 8 anos, teríamos chegado a 2008 com a dívida a representar exatamente 60% do PIB. Para se conseguir esse resultado provavelmente deveria ter sido feita a tão falada reconversão do nosso setor produtivo. Por isso estes 2,24% representam a dimensão da nossa incompetência por não termos conseguido definir, cumprir e executar o que devíamos.
2.ª via – através da redução da despesa – se tivéssemos conseguido uma redução estrutural de despesa da ordem dos dois mil e sessenta milhões de euros, essa seria outra via para atingir o mesmo objetivo. Isso deveria resultar da propalada e sempre adiada reforma do estado. Assim, 2.060 milhões é a dimensão do nosso despesismo.
3.ª via – aumento das receitas – outra forma de conseguir o mesmo desiderato seria aumentar as receitas, através do aumento da carga fiscal, por forma a sustentar o nosso nível de despesa. Se os governos tivessem proposto e os portugueses tivessem aceite, ter-se-ia equilibrado o deficit e a dívida com um aumento da carga fiscal que se traduzisse num acréscimo das receitas do estado em 3,15%. Este valor traduz a dimensão da nossa incapacidade de perceber que são os nossos impostos que devem financiar as nossas despesas e a nossa aversão em contribuir para o bem comum.
4.ª – via – solução mista -  em lugar de se atuar apenas sobre uma variável o mais lógico e correto será atuar em simultâneo sobre as três. Uma das muitas soluções poderia ser aumentar o crescimento do PIB em 0,5%, reduzir a despesa em 800 milhões e fazer crescer a receita em 1,25%.
5.ª via – havia ainda uma possível 5.ª via, mas essa já não depende de nós – se as taxas de juros (que no período 2000/2008 se situaram num valor médio de 4,7%) tivessem baixado 2,5%, o objetivo também seria atingido. Repare-se que mesmo assim pagaríamos uma taxa de juro de 2,2%, valor que consideramos utópico, mas que mesmo assim se situa muito acima daquilo que os mercados exigem à Alemanha. Esta é a dimensão da nossa pequenez e da nossa impotência.


(Continua)



sexta-feira, 16 de maio de 2014

A dimensão da nossa (i)responsabilidade - (Continuação - II)
                 - Principais causas dos nossos problemas -
Comecemos pelo princípio, pelo arrolamento das principais causas dos nossos problemas. Vamos enunciar algumas:

a) a nossa incapacidade para reformar o nosso aparelho produtivo e fazer crescer a economia na dimensão necessária.
b) o excesso de gastos (vulgo despesismo), principalmente associados à dimensão do estado tentacular que temos e que urge reformar.
c) a insuficiência dos nossos impostos para suportar o nível das despesas a que nos habituamos.
d) as incapacidades, erros e vícios dos nossos governantes e classes dirigentes, incapazes de reformar o estado e conduzir o país no caminho do equilíbrio e progresso sustentado.
e) a agiotagem dos mercados financeiros, ávidos de lucros e implacáveis no ataque às suas vítimas.
f) os erros da União Europeia, iniciados com a criação do euro, potenciados pela dificuldade em fazer a correta leitura da crise e com a exuberante manifestação de falta de solidariedade entre estados-membros (os piores efeitos sentir-se-ão mais tarde, quando alguns estados vierem a provar o veneno que agora destilaram).
g) os erros da troika e a aplicação desajustada de terapias, algumas das quais  experimentais e que nos usaram como cobaias.
Perante esta vasta panóplia de causas coloca-se a questão: qual é o contributo de cada uma para a situação a que chegamos? Poderemos quantificar e definir responsabilidades?
A resposta a estas perguntas é ambígua: em alguns casos é quase impossível, mas no que respeita a algumas destas causas é perfeitamente possível quantificar, com muita aproximação e rigor, o peso e a dimensão do fator em causa. É o que vou fazer. Desde já alerto que os resultados podem apresentar significativas surpresas.
(Continua)

quinta-feira, 15 de maio de 2014

A dimensão da nossa (i)responsabilidade - I


Publiquei há dias um longo post sob este título. Reconheço que o mesmo deveria ter sido fracionado, mas também admito que haja quem prefira ler tudo de uma vez. Por isso vou manter a publicação original e iniciar hoje o fracionamento.


Quando chegamos a 2008 e irrompeu nos Estados Unidos a chamada “crise”, que rapidamente se propagou aos mais frágeis países da Comunidade Europeia, Portugal foi pública e explicitamente humilhado pelos seus parceiros e pelas instituições internacionais. Fomos rotulados de lixo, incumpridores, despesistas, madraços, incapazes de nos governar, avessos a pagar impostos. Os nórdicos e os germânicos consideraram, à boa maneira luterana, que cometemos “pecados”, somos “culpados” e teremos de “expiar” os nossos erros. Internamente fomos também assaltados por sentimentos de culpa, com acusações à esquerda e à direita, com laivos de verdadeiro masoquismo.
Fizemos asneiras, não nos soubemos governar, vamos ter de pagar por isso.
Agora parece, finalmente, que há verdadeira consciência de que algo terá mesmo de mudar (já deveria ter mudado há muito). Mas, assente alguma poeira, é altura de saber onde erramos e calcular a dimensão dos nossos erros. Só assim poderemos verdadeiramente arrepiar caminho e iniciar o processo de cura.
Todos temos consciência que não se pode gastar mais do que o que se ganha. Quem ganha 100 e gasta 101 fatalmente terá problemas, mesmo que tenha algumas reservas no colchão. Mas já poucos terão ideia da dimensão do esforço que é preciso fazer para resolver os nossos problemas. Vamos procurar dar expressão numérica a essas dúvidas.
(continua)

terça-feira, 13 de maio de 2014


A dimensão da nossa (i)responsabilidade

Quando chegamos a 2008 e irrompeu nos Estados Unidos a chamada “crise”, que rapidamente se propagou aos mais frágeis países da Comunidade Europeia, Portugal foi pública e explicitamente humilhado pelos seus parceiros e pelas instituições internacionais. Fomos rotulados de lixo, incumpridores, despesistas, madraços, incapazes de nos governar, avessos a pagar impostos. Os nórdicos e os germânicos consideraram, à boa maneira luterana, que cometemos “pecados”, somos “culpados” e teremos de “expiar” os nossos erros. Internamente fomos também assaltados por sentimentos de culpa, com acusações à esquerda e à direita, com laivos de verdadeiro masoquismo. Fizemos asneiras, não nos soubemos governar, vamos ter de pagar por isso.

Agora parece, finalmente, que há verdadeira consciência de que algo terá mesmo de mudar (já deveria ter mudado há muito). Mas, assente alguma poeira, é altura de saber onde erramos e calcular a dimensão dos nossos erros. Só assim poderemos verdadeiramente arrepiar caminho e iniciar o processo de cura.

Todos temos consciência que não se pode gastar mais do que o que se ganha. Quem ganha 100 e gasta 101 fatalmente terá problemas, mesmo que tenha algumas reservas no colchão. Mas já poucos terão ideia da dimensão do esforço que é preciso fazer para resolver os nossos problemas. Vamos procurar dar expressão numérica a essas dúvidas.

Comecemos pelo princípio, pelo arrolamento das principais causas dos nossos problemas. Vamos enunciar algumas:

a) a nossa incapacidade para reformar o nosso aparelho produtivo e fazer crescer a economia na dimensão necessária.

b) o excesso de gastos (vulgo despesismo), principalmente associados à dimensão do estado tentacular que temos e que urge reformar.

c) a insuficiência dos nossos impostos para suportar o nível das despesas a que nos habituamos.

d) as incapacidades, erros e vícios dos nossos governantes e classes dirigentes, incapazes de reformar o estado e conduzir o país no caminho do equilíbrio e progresso sustentado.

e) a agiotagem dos mercados financeiros, ávidos de lucros e implacáveis no ataque às suas vítimas.

f) os erros da União Europeia, iniciados com a criação do euro, potenciados pela dificuldade em fazer a correta leitura da crise e com a exuberante manifestação de falta de solidariedade entre estados-membros (os piores efeitos sentir-se-ão mais tarde, quando alguns estados vierem a provar o veneno que agora destilaram).

g) os erros da troika e a aplicação desajustada de terapias, algumas das quais  experimentais e que nos usaram como cobaias.

Perante esta vasta panóplia de causas coloca-se a questão: qual é o contributo de cada uma para a situação a que chegamos? Poderemos quantificar e definir responsabilidades?

A resposta a estas perguntas é ambígua: em alguns casos é quase impossível, mas no que respeita a algumas destas causas é perfeitamente possível quantificar, com muita aproximação e rigor, o peso e a dimensão do fator em causa. É o que vou fazer. Desde já alerto que os resultados podem apresentar significativas surpresas.

 A metodologia usada parte de uma “narrativa” que fez escola e de uma meta que hoje é consensual. Tem sido dito e repetido à exaustão que os primeiros anos deste século foram uma “década perdida”. E, após a crise, as instituições internacionais chegaram ao entendimento que uma dívida em redor dos 60% do PIB são, em princípio, um alvo a atingir, significando o atingimento de um patamar de equilíbrio financeiro razoavelmente saudável.

Vamos então tomar por base os números do ano 2000 e vamos procurar definir as condições que nos teriam permitido chegar a 2008 (ano do despoletar da crise internacional) numa situação de economia e finanças “limpinhas” (dívida a representar 60% do PIB), sem deixar aos credores e outros detratores de Portugal argumentos para nos acusarem do que quer que fosse. Ou seja, vamos aqui traçar um “plano de ajustamento” que, a ter sido levado à prática em 8 anos (de 2000 a 2008), nos teria permitido chegar com pleno êxito ao final do referido período (o que se passou depois de 2008 é outro campeonato).

Vamos admitir que a partir de 2000 seríamos governados por políticos honestos e competentes, que contaríamos com o empenho de todos os cidadãos em prol do bem comum e com o investimento necessário e a gestão empenhada dos nossos empresários.

Que condições é que deveriam ter constado desse plano de ajustamento?

Trata-se de um verdadeiro memorando antes da troika, mas sem a troika:

1.ª via a seguir – opção pelo crescimento – esta via, de que hoje tanto se fala, traduz o esforço que seria necessário fazer para que pudéssemos sustentar o nosso nível de despesas, garantindo uma evolução equilibrada da dívida. Se o nosso PIB tivesse crescido 2,24% acima do valor real verificado nesses 8 anos, teríamos chegado a 2008 com a dívida a representar exatamente 60% do PIB. Para se conseguir esse resultado provavelmente deveria ter sido feita a tão falada reconversão do nosso setor produtivo. Por isso estes 2,24% representam a dimensão da nossa incompetência por não termos conseguido definir, cumprir e executar o que devíamos.

2.ª via – através da redução da despesa – se tivéssemos conseguido uma redução estrutural de despesa da ordem dos dois mil e sessenta milhões de euros, essa seria outra via para atingir o mesmo objetivo. Isso deveria resultar da propalada e sempre adiada reforma do estado. Assim, 2.060 milhões é a dimensão do nosso despesismo.

3.ª via – aumento das receitas – outra forma de conseguir o mesmo desiderato seria aumentar as receitas, através do aumento da carga fiscal, por forma a sustentar o nosso nível de despesa. Se os governos tivessem proposto e os portugueses tivessem aceite, ter-se-ia equilibrado o deficit e a dívida com um aumento da carga fiscal que se traduzisse num acréscimo das receitas do estado em 3,15%. Este valor traduz a dimensão da nossa incapacidade de perceber que são os nossos impostos que devem financiar as nossas despesas e a nossa aversão em contribuir para o bem comum.

4.ª – via – solução mista -  em lugar de se atuar apenas sobre uma variável o mais lógico e correto será atuar em simultâneo sobre as três. Uma das muitas soluções poderia ser aumentar o crescimento do PIB em 0,5%, reduzir a despesa em 800 milhões e fazer crescer a receita em 1,25%.

5.ª via – havia ainda uma possível 5.ª via, mas essa já não depende de nós – se as taxas de juros (que no período 2000/2008 se situaram num valor médio de 4,7%) tivessem baixado 2,5%, o objetivo também seria atingido. Repare-se que mesmo assim pagaríamos uma taxa de juro de 2,2%, valor que consideramos utópico, mas que mesmo assim se situa muito acima daquilo que os mercados exigem à Alemanha. Esta é a dimensão da nossa pequenez e da nossa impotência.

Eis então, claramente escarrapachada e quantificada, a dimensão da nossa (i)responsabilidade, da nossa incapacidade em fazer as reformas que é preciso fazer. Aqui se traduz a dimensão do nosso despesismo e da nossa fobia a pagar impostos quando é mesmo necessário.

Comparem-se agora estes números com os que resultam de termos sido atirados para o olho no furacão da crise internacional, de que resultou a entrada da troika em Portugal: o nosso ajustamento não demora 8 anos, mas sim 40; os cortes nas nossas despesas não se ficaram pelos 2 mil milhões, mas por um valor 4 a 5 vezes maior; o aumento das receitas, via impostos, não são os mencionados 3,15% mas aqueles que me abstenho de mencionar, pois todos o sentem e conhecem e apresenta valores diferentes para cada classe social. E, atenção, tudo isto é cumulativo!

Entretanto abriram-se enormes rasgões no nosso tecido produtivo; destruí-se o equilíbrio da nossa segurança social; reduziu-se o nível de apoio prestado pelo Serviço Nacional de Saúde; provocou-se a emigração em massa, principalmente de jovens; elevou-se para patamares inaceitáveis o nível do desemprego.

Identifiquei e quantifiquei com bastante rigor e precisão a dimensão dos nossos erros associados a algumas das causas em cima enunciadas. Digamos que correspondem aos erros e responsabilidades pelos quais o povo português é inequivocamente responsável e teria, sempre, de uma maneira ou de outra, de “expiar”. Mas deixo agora ao critério de cada um identificar, avaliar e quantificar o peso e as responsabilidades imputáveis aos nossos governantes, à troika, à Comunidade Europeia e à crise internacional, sem esquecer aqui a responsabilidade da banca e dos mercados no despoletar e avolumar da crise.



P.S. – contraímos uma dívida de 10 e vamos ter de pagar 100. Há quem ache, com naturalidade, que é o preço a pagar pelas asneiras que cometemos. Esta é a dimensão do nosso sadomasoquismo.


 

terça-feira, 6 de maio de 2014


A diferença entre tendência e resultado

Vai terminar (oficialmente) o período acordado para a permanência da troika entre nós.

Não vou entrar aqui na querela da saída mais ou menos “limpa”. Mas interessa-me refletir sobre a situação em que está o país no momento da “saída”.

De um lado e do outro da barricada vejo debitar argumentos que me levam a clarificar dois conceitos: o conceito de tendência e o conceito de resultado. Para o efeito vou começar por usar uma analogia com o desporto, que se presta às mil maravilhas para explicar e fazer perceber o que pretendo.

Imaginemos uma equipa que entrou mal no jogo e rapidamente ficou a perder por 10 a zero. Depois foi gradualmente recuperando, e levou para o intervalo o resultado em 10 a 4.

O resultado parece que não deixa dúvidas – é claramente desfavorável, por 10 a 4. Mas a tendência dos últimos minutos de jogo foi de franca (mas insuficiente) recuperação, deixando para trás um período francamente mau, mas sem conseguir mudar o sentido do resultado.

Passemos agora a uma situação com incidência económica: alguém que chegou a ganhar 1.000 viu os seus rendimentos descerem para 950, depois 900, a seguir 850, para se estatelar nos 800. Depois iniciou uma recuperação, passando a 810, 820, 830 e 840.

A tendência recente é de clara e até consolidada recuperação (de 800 para 840, sempre a subir em 4 períodos consecutivos), embora o resultado continue claramente desastroso: de um rendimento de 1.000 passou para 840.

O que mais se ouve neste momento no nosso país são comentários díspares, emitidos consoante queiramos ver o copo meio cheio ou meio vazio. Quem quer ver o copo meio cheio deita foguetes porque há sinais evidentes de que se iniciou uma recuperação. Quem quer ver o copo meio vazio chama a atenção para o resultado do jogo, que continua a ser-nos altamente desfavorável.

No desporto qualquer golo marcado é particularmente festejado pelo autor, que merece os parabéns, e é fonte de regozijo e incentivo a que a equipa se motive e galvanize, passando a jogar cada vez melhor. Mas, por mais sensacional que esteja a ser a recuperação, não é curial que ao intervalo, se deitem foguetes, muito menos se marcador ainda continua a ser-nos profundamente desfavorável.

Saibamos distinguir tendência e resultado. Festejemos sobriamente os golos que vamos marcando, mas guardemos os foguetes para o fim do jogo. E nessa altura, não tenhamos dúvidas nem ilusões: de nada vale o pressing final nem as “tendências” de melhoria do marcador nos últimos minutos. Só o “resultado final” é que conta.

domingo, 4 de maio de 2014


Adivinhe quem disse

O que é que a UE devia ter feito de diferente na resposta à crise?

Sempre defendi a combinação da disciplina orçamental com uma estratégia de investimento e luta contra o desemprego. Critiquei esta estratégia de redução de despesas públicas com a justificação de que o rigor orçamental recuperará a confiança dos investidores.

O que é que Portugal e os portugueses podem esperar (de si) à frente da Comissão Europeia?

… temos uma Europa onde os grandes têm milhões de lucros e não pagam impostos e quando têm milhões de perdas são os contribuintes que pagam.

Martin Schulz, (alemão) -  presidente do parlamento europeu e candidato a presidente da Comissão – Entrevista ao Expresso de 3 de Maio 2014

 

Houve um esmagamento excessivo dos salários. Os funcionários têm sido sacrificados neste processo de ajustamento.

Ministra das finanças – Expresso de 3 de Maio 2014