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Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

sábado, 17 de maio de 2014

A dimensão da nossa (i)responsabilidade - (Continuação - III)
                      - O plano de reajustamento -


A metodologia usada parte de uma “narrativa” que fez escola e de uma meta que hoje é consensual. Tem sido dito e repetido à exaustão que os primeiros anos deste século foram uma “década perdida”. E, após a crise, as instituições internacionais chegaram ao entendimento que uma dívida em redor dos 60% do PIB são, em princípio, um alvo a atingir, significando o atingimento de um patamar de equilíbrio financeiro razoavelmente saudável.
Vamos então tomar por base os números do ano 2000 e vamos procurar definir as condições que nos teriam permitido chegar a 2008 (ano do despoletar da crise internacional) numa situação de economia e finanças “limpinhas” (dívida a representar 60% do PIB), sem deixar aos credores e outros detratores de Portugal argumentos para nos acusarem do que quer que fosse. Ou seja, vamos aqui traçar um “plano de ajustamento” que, a ter sido levado à prática em 8 anos (de 2000 a 2008), nos teria permitido chegar com pleno êxito ao final do referido período (o que se passou depois de 2008 é outro campeonato).
Vamos admitir que a partir de 2000 seríamos governados por políticos honestos e competentes, que contaríamos com o empenho de todos os cidadãos em prol do bem comum e com o investimento necessário e a gestão empenhada dos nossos empresários.
Que condições é que deveriam ter constado desse plano de ajustamento?
Trata-se de um verdadeiro memorando antes da troika, mas sem a troika:
1.ª via a seguir – opção pelo crescimento – esta via, de que hoje tanto se fala, traduz o esforço que seria necessário fazer para que pudéssemos sustentar o nosso nível de despesas, garantindo uma evolução equilibrada da dívida. Se o nosso PIB tivesse crescido 2,24% acima do valor real verificado nesses 8 anos, teríamos chegado a 2008 com a dívida a representar exatamente 60% do PIB. Para se conseguir esse resultado provavelmente deveria ter sido feita a tão falada reconversão do nosso setor produtivo. Por isso estes 2,24% representam a dimensão da nossa incompetência por não termos conseguido definir, cumprir e executar o que devíamos.
2.ª via – através da redução da despesa – se tivéssemos conseguido uma redução estrutural de despesa da ordem dos dois mil e sessenta milhões de euros, essa seria outra via para atingir o mesmo objetivo. Isso deveria resultar da propalada e sempre adiada reforma do estado. Assim, 2.060 milhões é a dimensão do nosso despesismo.
3.ª via – aumento das receitas – outra forma de conseguir o mesmo desiderato seria aumentar as receitas, através do aumento da carga fiscal, por forma a sustentar o nosso nível de despesa. Se os governos tivessem proposto e os portugueses tivessem aceite, ter-se-ia equilibrado o deficit e a dívida com um aumento da carga fiscal que se traduzisse num acréscimo das receitas do estado em 3,15%. Este valor traduz a dimensão da nossa incapacidade de perceber que são os nossos impostos que devem financiar as nossas despesas e a nossa aversão em contribuir para o bem comum.
4.ª – via – solução mista -  em lugar de se atuar apenas sobre uma variável o mais lógico e correto será atuar em simultâneo sobre as três. Uma das muitas soluções poderia ser aumentar o crescimento do PIB em 0,5%, reduzir a despesa em 800 milhões e fazer crescer a receita em 1,25%.
5.ª via – havia ainda uma possível 5.ª via, mas essa já não depende de nós – se as taxas de juros (que no período 2000/2008 se situaram num valor médio de 4,7%) tivessem baixado 2,5%, o objetivo também seria atingido. Repare-se que mesmo assim pagaríamos uma taxa de juro de 2,2%, valor que consideramos utópico, mas que mesmo assim se situa muito acima daquilo que os mercados exigem à Alemanha. Esta é a dimensão da nossa pequenez e da nossa impotência.


(Continua)



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