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Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

sexta-feira, 30 de maio de 2014


Portugal será capaz? (conclusão do post anterior)

Se queremos saber se, enquanto povo e nação autónoma, somos capazes de dar a volta a uma situação complicada, não chega olhar para a história e regozijar-nos com os períodos de ouro que vivemos. Cada momento é único e as condições em que se operou são determinantes. O que não há dúvida é que os genes estão cá, e se noutras ocasiões conseguimos, provavelmente voltaremos a conseguir… desde que se criem as condições adequadas.

Vou aqui apresentar algumas explicações (algumas eventualmente polémicas) que são apenas um pequeno contributo para a discussão do problema e para a abertura de uma frente de diálogo. Para além dos comentários que os meus leitores possam fazer, certamente irão acrescentar muitos tópicos à minha análise que, aliás, quero deixar propositadamente incompleta e polémica.

Começo por fazer um pequeno enquadramento da situação sócio-política vivida na altura em Portugal. No período 1995/2000 tivemos um governo de caras novas, gente cheia de vontade de mudar, após um período natural e inevitável de desgaste, cansaço e esgotamento de um governo que estava há muitos anos à frente do país. Conclusão: sem se pôr em causa o que vem de trás, por vezes é absolutamente necessário mudar os rostos e injetar sangue novo. Acresce que se viveu um período de paz social, fator não despiciendo para se mobilizar um país para os desafios que se têm de enfrentar. O crescimento económico foi potenciado por um clima social de otimismo, quase se diria de euforia, que, pese embora os riscos que comporta (como veremos mais tarde), propicia a envolvência das pessoas e potencia enormemente o crescimento. A opção foi claramente pelo crescimento económico, pela criação de infra-estruturas e pela redução das desigualdades sociais. A despesa foi considerada uma variável meramente instrumental.

Já no tocante às condicionantes externas essas são profundamente contrastantes com as atuais. Desde logo a comunidade europeia vivia ainda um período onde a solidariedade era um valor fundamental no projeto europeu e a convergência dos diversos países era um objetivo assumido e a redução de assimetrias era uma realidade que os países mais atrasados sentiam e viam. Havia um “espírito europeu”, uma emergente cultura europeia, um orgulhoso sentimento de pertença. A Europa comunitária era um projeto de êxito, um orgulho para quem já lá estava, uma expectativa e um sonho para os que queriam entrar, uma inveja para quem nunca a poderia vir a integrar. Os fluxos financeiros eram fáceis, de uma grandeza descomunal, quase sem limites. O dinheiro corria a jorros, sendo usado para o que era necessário e para o consumo perdulário. No rating das nações não havia lixo, mas apenas classificações excelentes. Ainda não se sentiam os efeitos (sociais, políticos e económicos) da implosão da União Soviética e da queda do muro de Berlim. Os mercados financeiros ainda não tinham grandes “bolhas” que pudessem explorar nem ousavam atacar vítimas indefesas na Europa.

Foi este contexto que, simultaneamente, proporcionou o crescimento e a vivência dos anos de ouro de Portugal e da Europa, mas que deixou cair na terra as sementes que anos mais tarde nos haveriam de conduzir ao empobrecimento coletivo.

Hoje sabemos (nós e a Europa) o que é que fizemos bem e o que é que fizemos mal. A opção devia ser uma: tentar repetir o que fizemos bem, sem cometer os erros onde caímos antes. Mas hoje os tempos são completamente outros. Todavia, não podemos esquecer que os cidadãos, quem produz riqueza e quem consome, são as mesmas pessoas. Mas as “elites” dirigentes mudaram. Nos organismos europeus e nos governos nacionais da altura já lá não está ninguém. Dessa época restam apenas os povos. Agora tristes, acabrunhados, temerosos, descrentes.

Don’t cry for me, Europe!

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