MISSÃO EM ANGOLA (IV)
O povo angolano
O “povo” angolano foi para mim uma das mais agradáveis surpresas que
me foram reservadas. Eu, por preconceito e desconhecimento, considerava os
angolanos prepotentes e arrogantes. E esperava um clima de alguma intimidação,
de segurança à força das armas e recolhimento a casa ao escurecer, aos
aldeamentos ou condomínios fechados. Mas mudei radicalmente de opinião, quer
quanto às características idiossincráticas do povo quer no que respeita às
questões de segurança.
Quanto ao primeiro ponto os meus
preconceitos dever-se-iam precisamente à confusão entre elites e povo. Em
Portugal não estamos habituados a falar com o “povo” de Angola. Quem costumamos ver na televisão, com quem nos
cruzamos na rua ou em ambiente profissional será gente das elites angolanas (ou
pessoas que a tal aspiram ou que se destacam do “povo” só porque têm o privilégio de emigrar ou viajar em passeio
ou em negócios pela Europa). Pessoas que são referidas nos jornais, que se
sentam à mesa das negociações, pessoas que ganham muito dinheiro a dar uns
chutos numa bola. Tudo o que estas pessoas ganham, por mais enquadrável que
seja nos padrões europeus, atinge uma marca verdadeiramente obscena quando
comparada com os rendimentos e consequente padrão de vida do verdadeiro “povo” angolano. Talvez por isso os
angolanos que conhecemos sejam habitualmente arrogantes e prepotentes. Muitos angolanos
que estão em Portugal, que ocupam as embaixadas e os consulados, que aparecem
mencionados nos jornais, regra geral não se integram bem no conceito de “povo, ou aspiram à mudança de escalão social, ou procuram afinidades com as
elites. Mas quando lidamos com o povo
genuíno, principalmente quando saímos de Luanda e particularmente quando nos
deslocamos para o sul, o povo é afável, alegre, confiante no futuro. Não são agressivos, nem vejo notório ressabiamento contra os portugueses (como eu,
confesso, estava à espera). Pelo contrário vi muitas manifestações de simpatia e
um natural convívio, franco e aberto, em momentos de descontração. Em ambiente
profissional registei cordialidade, respeito e consideração. Isto não invalida
que haja portugueses ainda com alguns tiques de colonizador e alguns angolanos que
apresentem os típicos tiques de novo-rico ou de um ressabiado.
Outro aspeto agradável ao nosso
ouvido resulta de confirmarmos que a língua portuguesa chega praticamente a
todos os estratos da população (pelo menos nas cidades) sendo já a língua
materna de mais de um terço da população e a segunda língua de outro terço.
Deixou de ser uma mera língua veicular para ser a língua do futuro, deixando
cada vez menos espaço aos dialetos locais que, por muita simpatia e curiosidade
que suscitem, estão condenados ao fracasso ou a um papel folclórico, neste caso
no sentido mais nobre do termo.
(continua)
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