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Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014


MISSÃO EM ANGOLA (IV)

O povo angolano

O “povo” angolano foi para mim uma das mais agradáveis surpresas que me foram reservadas. Eu, por preconceito e desconhecimento, considerava os angolanos prepotentes e arrogantes. E esperava um clima de alguma intimidação, de segurança à força das armas e recolhimento a casa ao escurecer, aos aldeamentos ou condomínios fechados. Mas mudei radicalmente de opinião, quer quanto às características idiossincráticas do povo quer no que respeita às questões de segurança.

Quanto ao primeiro ponto os meus preconceitos dever-se-iam precisamente à confusão entre elites e povo. Em Portugal não estamos habituados a falar com o “povo” de Angola. Quem costumamos ver na televisão, com quem nos cruzamos na rua ou em ambiente profissional será gente das elites angolanas (ou pessoas que a tal aspiram ou que se destacam do “povo” só porque têm o privilégio de emigrar ou viajar em passeio ou em negócios pela Europa). Pessoas que são referidas nos jornais, que se sentam à mesa das negociações, pessoas que ganham muito dinheiro a dar uns chutos numa bola. Tudo o que estas pessoas ganham, por mais enquadrável que seja nos padrões europeus, atinge uma marca verdadeiramente obscena quando comparada com os rendimentos e consequente padrão de vida do verdadeiro “povo” angolano. Talvez por isso os angolanos que conhecemos sejam habitualmente arrogantes e prepotentes. Muitos angolanos que estão em Portugal, que ocupam as embaixadas e os consulados, que aparecem mencionados nos jornais, regra geral não se integram bem no conceito de “povo, ou aspiram à mudança de escalão social, ou procuram afinidades com as elites. Mas quando lidamos com o povo genuíno, principalmente quando saímos de Luanda e particularmente quando nos deslocamos para o sul, o povo é afável, alegre, confiante no futuro. Não são agressivos, nem vejo notório ressabiamento contra os portugueses (como eu, confesso, estava à espera). Pelo contrário vi muitas manifestações de simpatia e um natural convívio, franco e aberto, em momentos de descontração. Em ambiente profissional registei cordialidade, respeito e consideração. Isto não invalida que haja portugueses ainda com alguns tiques de colonizador e alguns angolanos que apresentem os típicos tiques de novo-rico ou de um ressabiado.

Outro aspeto agradável ao nosso ouvido resulta de confirmarmos que a língua portuguesa chega praticamente a todos os estratos da população (pelo menos nas cidades) sendo já a língua materna de mais de um terço da população e a segunda língua de outro terço. Deixou de ser uma mera língua veicular para ser a língua do futuro, deixando cada vez menos espaço aos dialetos locais que, por muita simpatia e curiosidade que suscitem, estão condenados ao fracasso ou a um papel folclórico, neste caso no sentido mais nobre do termo.

 (continua)

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