MISSÃO EM ANGOLA (III)
Elites e povo
Como vou falar várias vezes em povo convém
fazer aqui uma pequena clarificação para apresentar uma definição concetual
(sem qualquer pretensão de rigor técnico ou científico). Vou considerar que em
Portugal 80% a 90% da população são o povo. Povo anónimo, que engloba o estrato
mais baixo da população, toda a classe média e a classe média alta, com
eventual vontade (e até capacidade) para integrar as elites, mas com escassas
condições para dar esse salto qualitativo.
Vou chamar elites ao grupo que
engloba os 10% a 20% da população que usufrui de um elevado padrão de vida, que
tem formação cultural bastante acima da média do país, que ocupa lugares de
topo nas empresas e nas instituições, que detém efetivo poder, seja a nível
local, regional ou nacional, seja a nível empresarial político ou social. Se
compararmos Portugal com Angola eu diria que o povo angolano abrangerá mais de 95% da população e as elites confinam-se aos restantes menos de 5%.
Daqui resultam várias diferenças,
que vão desde a grande necessidade de quadros, imprescindíveis para o impulso pedido
pelo desenvolvimento, ao longo tempo necessário para produzir mudanças de fundo
e duradoiras. A grande dicotomia social observada em Angola, patente na
disparidade dos padrões de vida das elites e do povo, não deixa dúvidas quanto
aos escolhos do caminho e ao tempo necessário para se verem resultados
palpáveis.
Luanda versus Lisboa
Se considerarmos Lisboa o centro
de uma área geográfica que vive o dia a dia centrado e dependente da cidade (agora
em sentido estrito), poderemos dizer que Lisboa-cidade terá entre meio e um
milhão de residentes e a grande Lisboa cerca de 2 milhões, ou seja 3 vezes
mais. Se pensarmos em Luanda os números serão meio milhão para qualquer coisa
como 4 a 5 milhões. Ou seja, nos arredores de Luanda há uma imensa mole humana,
várias vezes superior a Lisboa. Isto torna o casco da cidade absolutamente
caótico quando a atividade diária obriga a um enorme fluxo de pessoas em
deslocação da periferia para o centro da cidade.
Por outro lado Lisboa é uma
cidade histórica, monumental, recomendável para o turismo. Manteve o centro em
condições aceitáveis de habitabilidade, mas cresceu para a periferia em
condições que, se não são as melhores para os nossos padrões de exigência, não
têm qualquer ponto de comparação com a periferia de Luanda.
Luanda, enquanto cidade, pouco
passa de um centro político e empresarial. Não tem propriamente monumentos
históricos ou arquitetonicamente atrativos. E se a marginal se engalanou e
apresenta uma assinável beleza e atratividade, se há um surto de construção de
grandes edifícios, se há planos de reconversão total de algumas zonas (um pouco
à semelhança do que foi feito na zona da Expo de Lisboa, embora a outra escala),
a verdade é que - e falo por experiência de uma visita anterior a Luanda, há 25
anos - o restante casco da cidade praticamente não foi intervencionado. Talvez
80% da sua área continua profundamente inestética, degradada, carente de tudo o
que é mais básico, desde a limpeza à garantia de fornecimento de água, energia
ou comunicações dentro dos nossos padrões de exigência.
Os custos de habitação nesta zona
são incomparavelmente mais caros que em Portugal (pelo menos o dobro) para um
nível de qualidade a que eu não atribuiria um grau superior a 4 se atribuísse o
nível 10 às condições médias de qualidade de vida nas cidades portuguesas. E se
passarmos aos arredores e compararmos o padrão das nossas aldeias
vilas/dormitório eu não atribuiria nem sequer nível 2 às “casas” da periferia de Luanda, onde vivem milhões de pessoas. Em
muitos casos o nível 1 seria o mais razoável e nenhum português da classe média aceitaria hoje viver
naquelas condições.
(continua)
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