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Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015


EM DEFESA DAS SCUT’S (II)

2 – as Scut’s serão necessárias?

Há uns anos atrás surgiu um slogan a propósito dos custos da formação:

“se acham que a educação é cara experimentem investir na ignorância”

Este slogan vem-me à memória sempre que vejo ser discutido o problema das Scut’s. Tenho visto pessoas respeitáveis, e até técnicos reputados, discutirem o problema das Scut´s com o único foco nos custos, parecendo ignorar que o interesse de qualquer investimento só pode ser avaliado no balanceamento entre custos e benefícios. Por muito elevados que sejam os custos um investimento pode ser interessante se os benefícios os suplantarem. Ora, quando vejo os críticos das Scut’s falarem dos benefícios é só para referirem a escassez das receitas de portagens. É uma análise confrangedoramente redutora, que faria qualquer defensor da ideia reprovar num exame de economia. Não haverá outros e importantíssimos benefícios? Para começar, a queda do número de mortos nas estradas (que desceu ao nível da altura em que o nosso parque automóvel era 100 mil veículos, quando hoje é sete milhões – 70 vezes maior) em grande parte deve-se à melhoria das nossas vias rodoviárias, nomeadamente troços com faixas de rodagem com separador central, sem cruzamentos ao nível, interditos a peões e com desvio do tráfego do centro das nossas cidades, vilas e aldeias, onde os atropelamentos, nomeadamente crianças, eram diários, configurando tragédias sem fim e sem preço. Quantos milhares de vidas se terão poupado nos últimos 20 anos?

E quanto se poupa em horas de viagem e desgaste nas viaturas numa viagem longa? Lembro-me que há 30 anos para ir fazer uma curta reunião em Bragança (partindo do Porto) tinha obrigatoriamente de pernoitar naquela cidade, salvo se saísse de madrugada e quisesse regressar a altas horas da noite. Pois há pouco tempo precisei de ir a Chaves, saí do Porto era quase meio-dia, almocei no destino, tratei dos assuntos que lá me levaram, regressei a casa e às 17 horas estava numa esplanada a tomar uma bebida à beira-mar. Há 30 anos isto era completamente impossível e uma mera miragem.

Experimente-se agora pôr uns pedregulhos à entrada das Scut’s e obrigar os condutores de carros ligeiros, camiões e camionetas a voltar a passar nas estradas do início do século passado, atravessando o centro das cidades, vilas e aldeias. Imagine-se qual seria a reação das populações ao perderam a qualidade de vida que as suas terras ganharam com a passagem próxima de uma Scut e com o desvio do tráfego. E pergunte-se ao maior detrator das Scut’s se ainda está disposto a ir do Porto a Bragança pela velha estrada de Amarante, galgando a serra do Marão em fila indiana atrás de camiões que não podem ser ultrapassados, descendo depois as célebres curvas de Murça. Os mais novos já nem fazem uma ideia do que é uma viagem dessas e se a tivessem de fazer achariam, com razão, que tínhamos voltado à idade média.

Não vale a pena alongar-me muito mais a falar nos horrores das nossas antigas estradas, no comodismo e na segurança das nossas Scut´s e nos benefícios económicos que nos proporcionam e ainda mais proporcionarão no futuro.

Façamos as contas aos benefícios (presentes e futuros), comparemos com os custos e então sim, estaremos honestamente a tomar uma posição séria e fundamentada sobre o interesse ou a inutilidade das Scut´s. Continuar a falar só de custos e de negociatas não acrescenta nada de útil à essência do problema, salvo se conseguirmos alterar a relação de força e as cláusulas leoninas de que usufruem as concessionárias. E mesmo quando se fala em autoestradas com escasso movimento – outro chavão que estamos sempre a ouvir - não podemos esquecer-nos do enorme benefício de que usufruem não só os utilizadores (mesmo que escassos), mas também os povoados para onde se dirigem ou de onde partem, esses muito mais difíceis de quantificar. E não podemos esquecer que nos primeiros tempos a ponte da Arrábida também esteve às moscas. Nem podemos ignorar que as Scut´s vão ser muito mais utilizadas, e provavelmente durante um período útil mais alargado, que as estradas romanas, tão caras na altura, mas tão importantes para o crescimento do império e o desenvolvimento da civilização.

 

(continua)

 

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