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Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015


EM DEFESA DAS SCUT’S (III)

3 – A solidariedade nacional e o princípio do utilizador pagador

O princípio do utilizador pagador é uma boa regra de gestão e um fator de equidade. Mas esses conceitos precisam de ser aprimorados. Se compete ao estado a manutenção das estradas municipais e a obrigação de proporcionar qualidade de vida aos cidadãos que pagam os seus impostos, se o imposto automóvel e sobre os combustíveis é já tão elevado, o apregoado princípio do utilizador pagador não pode ser uma regra universal e cega, nem simplesmente sujeita aos ditames economicistas analisado por quem tem vistas curtas.

Não esqueçamos que é ao estado que compete dotar o país das necessárias infraestruturas rodoviárias, utilizando os impostos que cobra aos cidadãos. Vou falar de cor, mas não deverei andar muito longe da verdade se disser que, esquecendo a nossa moderna rede de autoestradas e vias rápidas, a nossa rede de estradas nacionais deverá ter mais de um século, sem grandes alterações no seu traçado e no seu perfil, praticamente só tendo melhorado o piso. Ora, num país com tantas assimetrias regionais, nomeadamente no confronto litoral/interior, é absolutamente necessário – e compete ao estrado fazê-lo - meter este dado na equação, sob pena de ficarmos com o interior completamente despovoado (ainda mais) e o litoral sobrelotado. Depois não se queixem, nem se lamentem, se quiserem ir às aldeias tradicionais e só encontrarem ruínas; não se queixem se quiserem visitar o nosso riquíssimo património natural e não tiverem quem os acolha; não se queixem de querer saborear a nossa preciosa gastronomia regional e encontrarem os restaurantes fechados; não se queixem de não ver no mercado os nossos apreciados produtos regionais como o fumeiro, os queijos artesanais, o azeite e muitos outros produtos que fazem as delícias dos apreciadores; não se queixem dos incêndios resultantes do abandono das matas nas zonas mais despovoadas. E como desenvolver o turismo em zonas como o Douro e Trás-os-Montes se só dispusermos de uma rede de estradas  com mais de um século?

O desenvolvimento assimétrico do país e a desertificação do interior têm um custo brutal. Algum dia, quando acordarmos, pode ser tarde demais para corrigir os erros entretanto cometidos. Mas no presente há já dados visíveis e notórios dessa realidade.

E qual a racionalidade de acabar com algumas Scut’s se o trânsito caiu drasticamente, se as receitas ficaram muito aquém do esperado, se os custos a pagar ao concessionário aumentaram em vez de diminuírem, fruto de contratos leoninos e do sistema de rendas garantidas? E que dizer de algumas cidades, vilas e aldeias que se viram de novo devassadas por um trânsito infernal? E quem trabalha longe e passou a gastar muito mais tempo nos transportes, tendo de sair de casa muito mais cedo e chegando mais tarde, suportando filas a que já não estava habituado? E o estado que passou a gastar muito mais dinheiro na manutenção de estradas municipais, que passaram a ficar muito mais degradadas em muito menos tempo? E que dizer de soluções abusivas e à margem das próprias regras definidas pelo estado, como a colocação – absurda - de portagem à passagem por Francelos, em lugar de ter o pórtico apenas à saída de Miramar? E que pensar das coimas e custos processuais de milhares de euros com que alguns cidadãos estão a ser brindados devido às limitações e erros do sistema ou a simples abusos de quem pode e manda? (Veja-se um artigo publicado no JN de 12 o corrente)

O fim de algumas (repito – algumas) Scut’s que passaram a autoestradas está já a demonstrar o erro de decisões precipitadas, tão ou mais graves que o erro de algumas construções que pecaram por excesso e em relação às quais não se pode recuar e o que há a fazer é dar o melhor aproveitamento possível às infraestruturas de que agora dispomos.

 

(continua)

 


 

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