O ERRO DE CAMILO
LOURENÇO E JOSÉ GOMES FERREIRA (III) - Conclusão
No
final de 2008, mais de um ano depois de ter estalado a crise nos Estados Unidos
e que afetou todo o mundo, particularmente a Europa, a nossa dívida situava-se
ainda abaixo dos 72% do PIB. Belos tempos, diremos hoje. Em 2011, com 3 anos de
crise a martirizarem particularmente a periferia da Europa, quando em Portugal se
preparavam eleições e a entrada da troika, a dívida estava (já ou ainda) nos
94% do PIB. A responsabilidade pela passagem dos 72% para os 94% reparte-se, em
proporções que não quero especular, entre os erros do segundo mandato de
Sócrates, a crise internacional e a resposta pífia e suicida da comunidade
europeia.
É
verdade que posteriormente o valor da dívida teve de ser corrigido,
nomeadamente pela incorporação de dívidas das autarquias e das empresas
públicas, que até então tinham servido para desorçamentar despesas que deveriam
constar do Orçamento do Estado, tendo assim ficado escondidas das contas
públicas.
Com
muita falta de rigor e de objetividade, mas com algum equilíbrio e bom senso,
poderemos dizer que, no dealbar da crise internacional, o valor real da nossa
dívida situar-se-ia, com grande amplitude na margem de erro, algures entre os
80% e os 100% do PIB, ou seja, 20%, 30% ou 40% acima do valor a que deveria
situar-se a nossa dívida para ser considerada normal, equilibrada,
perfeitamente controlável e pagável. Ora, se nós estamos neste momento com uma
dívida da ordem dos 130% do PIB tal significa que estamos também 20%, 30% ou
40% acima do valor que supostamente teríamos se não nos tivesse caído em cima a
crise internacional, com todas as consequências que daí advieram.
A
conclusão a retirar daqui é óbvia e imediata: se é verdade que a origem da nossa
crise tem a ver com os nossos erros (análise com a qual estou de acordo), a dimensão
atual da mesma significa que a crise internacional teve um peso enorme no
avolumar da dívida, podendo significar a diferença entre uma dívida pagável
e uma dívida impagável; entre uma austeridade necessária mas moderada e uma
austeridade brutal; entre resolvermos o problema em 3 ou 4 anos ou termos de andar
uma vida inteira a pagar dívidas. E estas diferenças, como é óbvio, fazem toda
a diferença.
E
é nesta vertente que eu divirjo acentuadamente de CL e JGF. Não quero cometer a
injustiça de dizer ou pensar que eles ignoraram a crise internacional. Muito
menos ainda minimizar o relevante papel pedagógico que têm tido junto do grande
público. Mas não há dúvida que desvalorizaram a crise internacional, quase a
tratando como irrelevante para o caso português. Fartaram-se de carregar nas
tintas das nossas culpas, alinhando com aqueles que entendem que somos culpados
de tudo e mais alguma coisa; esqueceram que a solução seguida em Portugal (e
outras vítimas) serviu claramente alguns países “amigos”, permitindo-lhes
resolver a sua crise bancária (também) à nossa custa; parecem endeusar os
sacrossantos mercados como nossos particulares amigos, esquecendo quanto se
fartaram de ganhar à nossa custa; parecem considerar natural que um país pague
0% de juros pelos capitais que recebe e outros paguem mais de 20%; parecem não
ter reparado que quem fez subir os juros para 20% aceitou agora descê-los para
cerca de 3%, sem que tal mudança seja compreensível e tenha uma base objetiva; parecem
ter esquecido o enorme peso nas nossas contas que alguns casos de polícia (BPN,
BES, corrupção, etc.) têm no valor da dívida que os cidadãos portugueses terão
de pagar: parecem ter esquecido a importância para os países periféricos das
imperfeições do euro desde a sua conceção; parecem esquecer que o excesso de
austeridade e o garrote dos credores é responsável pela brutal queda do PIB e
pela subida vertiginosa do desemprego, com todos os problemas que daí advém;
parece não terem visto o nosso tecido produtivo a ficar desfeito em fanicos, não
por causa das nossas dívidas mas pelo descomunal esforço exigido à sua cobrança.
Como costuma dizer-se, deixamos ir para o esgoto a criança juntamente com a
água suja do banho.
Em
suma: CL e JGF quase passaram uma esponja por cima de tantos responsáveis e
desvalorizaram a crise internacional, para porem um enfoque quase exclusivo na
irresponsabilidade dos portugueses e dos seus dirigentes.
Não
posso aqui deixar de referir um problema que julgo ter estado sistematicamente
a escapar à compreensão do público: a segurança social precisa de uma nova
reforma que ajuste as taxas de desconto, os anos de desconto e o valor das
pensões às novas condições determinadas principalmente pelo aumento da
esperança de vida. Mas neste momento o grande e mais imediato problema tem a
ver com a taxa de desemprego. Se hipoteticamente a taxa de desemprego subisse
para 40% todas as receitas correntes provenientes dos descontos dos
trabalhadores e contribuições das entidades patronais seriam necessárias para
pagar subsídios de desemprego, nada sobrando para reformas. Assim, o desemprego
é o primeiríssimo problema que urge resolver para equilibrar as contas da
segurança social. Se resolvermos este problema as receitas sobem de imediato e
as despesas caem significativamente. Com o nível de desemprego em que estamos é
que não há solução.
Repetindo
o que já disse, estou de acordo com a análise de CL e JGF quanto à primeira origem
da crise e quanto às soluções preconizadas para a sua superação, nomeadamente a
necessidade da austeridade e o imperioso equilíbrio das nossas contas públicas.
Mas, por favor, parem de nos tratar como uns irresponsáveis e parem de louvar
os sacrossantos mercados e os países que dominam o mundo, os quais, muito mais
do que nos ajudaram quando precisávamos, trataram de nos esfolar a pele e nos sugaram
(e vão continuar a sugar) até ao tutano.
Concordo em absoluto com a tua análise que é sucinta, clara e objectiva. Gostei particularmente do parágrafo onde dizes: "...parecem considerar natural que um país pague 0% de juros pelos capitais que recebe e outros paguem mais de 20%; parecem não ter reparado que quem fez subir os juros para 20% aceitou agora descê-los para cerca de 3%, sem que tal mudança seja compreensível e tenha uma base objetiva; parecem ter esquecido o enorme peso nas nossas contas que alguns casos de polícia (BPN, BES, corrupção, etc.) têm no valor da dívida que os cidadãos portugueses terão de pagar...". Um abraço
ResponderEliminarObrigado Bernardino pelo teu comentário. Eu aproveito para repetir que a crise internacional teve um peso enorme no avolumar da dívida, podendo significar a diferença entre uma dívida pagável e uma dívida impagável; entre uma austeridade necessária mas moderada e uma austeridade brutal; entre resolvermos o problema em 3 ou 4 anos ou termos de andar uma vida inteira a pagar dívidas. E estas diferenças, como é óbvio, fazem toda a diferença.
ResponderEliminarUm abraço