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Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

terça-feira, 1 de abril de 2014


AINDA A PRODUTIVIDADE PORTUGUESA E ALEMÃ


O proprietário de um terreno contratou dois trabalhadores para que, cada um deles, lhe abrisse um poço. Ao primeiro prometeu dar-lhe 5 euros por cada metro executado; ao segundo prometeu dar 10 euros por metro. Ao primeiro deu-lhe apenas uma enxada; ao segundo deu uma picareta, uma pá e um balde.

Começa por ser aberrante que a um se dê uma simples enxada, quando há outras ferramentas  mais adequadas; é incongruente que a um se pague o metro a 5 euros e ao outro se pague o metro a 10 euros; é chocante que se exija àquele a quem se deu a enxada que produza tanto como o outro que recebeu pá, picareta e balde; é irritante ouvir chamar malandro ao que trabalha de enxada só porque escava menos; é revoltante ver exigir ao da enxada que escave tanto como o colega; é aviltante ouvir dizer que a culpa da baixa produtividade é daquele a quem se deu uma simples enxada; é humilhante saber que o da enxada é o nosso compatriota e o outro é um estrangeiro. É inqualificável ver o dono da obra pagar ao da enxada, por cada metro escavado,  metade do que paga ao “outro” e ainda ouvi-lo dizer que a culpa de tudo é dele e se quer ganhar mais tem de fazer tanto como o “colega”.

 

Há estatísticas que dizem que os portugueses trabalham cerca de 20% mais horas que os alemães. Também as estatísticas mostram que a produtividade (média) na Alemanha é cerca do dobro da produtividade em Portugal.

Numa recente mensagem neste blogue abordei o tema da produtividade a propósito do comentário de um empresário que parecia acusar os trabalhadores portugueses de serem pouco produtivos, atirando a “boca” que na Alemanha a produtividade é 3 ou 4 vezes superior, pretendendo assim justificar o baixo nível salarial praticado em Portugal.

Após algumas considerações “de cidadão comum”, que reage a algo que o deixa chocado, parece-me justificar-se fazer uma análise um pouco mais técnica.

Mas ainda como “cidadão comum” começo por realçar um primeiro ponto:  a diferença de produtividade Portugal/Alemanha é de 1 para 2 e nunca de 1 para 4, o que faz a diferença entre a realidade/verdade das estatísticas e a demagogia de uma “boca” sem sentido, porquanto completamente desproporcionada e inverosímil.

Em termos mais técnicos vou procurar explicar usando uma linguagem acessível: a produtividade depende de dois fatores - depende do trabalhador (comparando aquilo que cada um faz quando usa as mesmas ferramentas) e  do “stock de capital por trabalhador (o que faz variar o resultado em função das ferramentas usadas), que por sua vez  está associado à “formação bruta de capital fixo”, ou seja, depende do investimento. Em linguagem mais básica a produtividade depende das capacidades do trabalhador e das ferramentas que usa.

 Ora, não tenho dúvidas (e pouca gente as terá) que na parte que depende do trabalhador  a nossa produtividade estará sensivelmente ao nível dos alemães (vejam-se os exemplos que eu citei na anterior mensagem). A razão para Portugal perder terreno é precisamente devido à nossa escassez de investimento, ou seja, o stock de capital por trabalhador é, em Portugal, muito mais baixo que na Alemanha. Mas os investimentos, as ferramentas, os métodos e o controlo competem a quem? Naturalmente às empresas e aos acionistas e não aos trabalhadores propriamente ditos.  

É por isso é que acho particularmente irritante ver empresários portugueses (!!!) falar da nossa baixa produtividade deixando subentender que a culpa é dos trabalhadores, seja por serem malandros (onde é que eu já ouvi isto?) seja por serem simplesmente “pouco produtivos”. Em resumo, quando a nossa baixa produtividade tem como causa primeira a escassez de investimento (a que se pode juntar a má gestão de muitas empresas), choca ver ser atirado o ónus da situação para cima de quem, neste caso, não tem culpa, pois não é isso que lhe compete fazer. E mais ainda choca quando esse argumento é usado para justificar o baixo nível dos nossos salários. Se os trabalhadores têm culpas (e às vezes têm-nas) não é, seguramente, neste caso. Muito menos na dimensão que lhe atribuem.

Quanto à produtividade dos trabalhadores portugueses na parte que lhes diz diretamente respeito, os resultados falam por si, seja na AutoEuropa seja o trabalho dos nossos emigrantes na França, na Alemanha, nos Estados Unidos, em toda a parte….

Parece que nos querem tomar por papalvos.

3 comentários:

  1. Este exemplo que aqui dás, ao discordares daqueles que dizem que a culpa da diferença entre a produtividade Alemã e a Portuguesa se deve exclusivamente aos trabalhadores portugueses, quer “seja por serem malandros” (…) quer seja “por serem simplesmente pouco produtivos”, fez-me lembrar aquele ditado popular português que diz: “Não se fazem omeletes sem ovos”.
    Concordo com o teu ponto de vista neste post pois não é possível concretizar qualquer obra, ou projecto, sem os recursos humanos e os materiais necessários.

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  2. Falaste no stock de capital mas faltou-te falar na gestão. A nossa incipiente produtividade é também muito devido à falta de estratégia e gestão de qualidade. Por isso é que os trabalhadores portugueses produzem mais lá fora: têm acesso a melhor gestão em empresas com melhor estratégia inseridas em melhores contextos empresariais, o que também vem com mais capital. Simplesmente são melhores geridos, o esforço do seu trabalho é melhor aproveitado e rentabilizado. Parece-me que a nossa principal deficiência actual, mesmo com as limitações históricas, é a baixa qualidade e preparação da gestão, que mina toda a produtividade que se pode tirar do trabalhador (e nem os 20% de tempo de trabalho a mais compensa).

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    1. Tens toda a razão ao falar na gestão. Eu só muito pela rama aflorei essa vertente - a gestão - apenas para não derrapar para esse lado, uma vez que neste momento o foco da questão era outro.

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