AINDA A PRODUTIVIDADE PORTUGUESA E
ALEMÃ
O proprietário de um terreno
contratou dois trabalhadores para que, cada um deles, lhe abrisse um poço. Ao
primeiro prometeu dar-lhe 5 euros por cada metro executado; ao segundo prometeu
dar 10 euros por metro. Ao primeiro deu-lhe apenas uma enxada; ao segundo deu
uma picareta, uma pá e um balde.
Começa por ser aberrante que a um se
dê uma simples enxada, quando há outras ferramentas mais adequadas; é incongruente que a um se
pague o metro a 5 euros e ao outro se pague o metro a 10 euros; é chocante que
se exija àquele a quem se deu a enxada que produza tanto como o outro que
recebeu pá, picareta e balde; é irritante ouvir chamar malandro ao que trabalha
de enxada só porque escava menos; é revoltante ver exigir ao da enxada que
escave tanto como o colega; é aviltante ouvir dizer que a culpa da baixa
produtividade é daquele a quem se deu uma simples enxada; é humilhante saber
que o da enxada é o nosso compatriota e o outro é um estrangeiro. É
inqualificável ver o dono da obra pagar ao da enxada, por cada metro escavado, metade do que paga ao “outro” e ainda ouvi-lo
dizer que a culpa de tudo é dele e se quer ganhar mais tem de fazer tanto como
o “colega”.
Há estatísticas que dizem que os
portugueses trabalham cerca de 20% mais horas que os alemães. Também as
estatísticas mostram que a produtividade (média) na Alemanha é cerca do dobro
da produtividade em Portugal.
Numa recente mensagem neste blogue abordei
o tema da produtividade a propósito do comentário de um empresário que parecia
acusar os trabalhadores portugueses de serem pouco produtivos, atirando a “boca” que na Alemanha a produtividade é
3 ou 4 vezes superior, pretendendo assim justificar o baixo nível salarial
praticado em Portugal.
Após algumas considerações “de cidadão comum”, que reage a algo que
o deixa chocado, parece-me justificar-se fazer uma análise um pouco mais
técnica.
Mas ainda como “cidadão comum” começo por realçar um primeiro ponto: a diferença de produtividade Portugal/Alemanha
é de 1 para 2 e nunca de 1 para 4, o que faz a diferença entre a
realidade/verdade das estatísticas e a demagogia de uma “boca” sem sentido, porquanto completamente desproporcionada e
inverosímil.
Em termos mais técnicos vou procurar explicar
usando uma linguagem acessível: a produtividade depende de dois fatores -
depende do trabalhador (comparando
aquilo que cada um faz quando usa as mesmas ferramentas) e do “stock de capital por trabalhador (o que faz variar o resultado em função
das ferramentas usadas), que por sua vez
está associado à “formação bruta
de capital fixo”, ou seja, depende do investimento. Em linguagem mais básica
a produtividade depende das capacidades do trabalhador e das ferramentas que
usa.
Ora, não tenho dúvidas (e pouca gente as terá)
que na parte que depende do trabalhador
a nossa produtividade estará sensivelmente ao nível dos alemães (vejam-se
os exemplos que eu citei na anterior mensagem). A razão para Portugal perder
terreno é precisamente devido à nossa escassez de investimento, ou seja, o stock de capital por trabalhador é, em
Portugal, muito mais baixo que na Alemanha. Mas os investimentos, as
ferramentas, os métodos e o controlo competem a quem? Naturalmente às empresas
e aos acionistas e não aos trabalhadores propriamente ditos.
É por isso é que acho particularmente
irritante ver empresários portugueses (!!!) falar da nossa baixa produtividade deixando
subentender que a culpa é dos trabalhadores, seja por serem malandros (onde é
que eu já ouvi isto?) seja por serem simplesmente “pouco produtivos”. Em
resumo, quando a nossa baixa produtividade tem como causa primeira a escassez
de investimento (a que se pode juntar a má gestão de muitas empresas), choca
ver ser atirado o ónus da situação para cima de quem, neste caso, não tem culpa,
pois não é isso que lhe compete fazer. E mais ainda choca quando esse argumento
é usado para justificar o baixo nível dos nossos salários. Se os trabalhadores
têm culpas (e às vezes têm-nas) não é, seguramente, neste caso. Muito menos na
dimensão que lhe atribuem.
Quanto à produtividade dos
trabalhadores portugueses na parte que lhes diz diretamente respeito, os
resultados falam por si, seja na AutoEuropa seja o trabalho dos nossos emigrantes
na França, na Alemanha, nos Estados Unidos, em toda a parte….
Parece que nos querem tomar por
papalvos.
Este exemplo que aqui dás, ao discordares daqueles que dizem que a culpa da diferença entre a produtividade Alemã e a Portuguesa se deve exclusivamente aos trabalhadores portugueses, quer “seja por serem malandros” (…) quer seja “por serem simplesmente pouco produtivos”, fez-me lembrar aquele ditado popular português que diz: “Não se fazem omeletes sem ovos”.
ResponderEliminarConcordo com o teu ponto de vista neste post pois não é possível concretizar qualquer obra, ou projecto, sem os recursos humanos e os materiais necessários.
Falaste no stock de capital mas faltou-te falar na gestão. A nossa incipiente produtividade é também muito devido à falta de estratégia e gestão de qualidade. Por isso é que os trabalhadores portugueses produzem mais lá fora: têm acesso a melhor gestão em empresas com melhor estratégia inseridas em melhores contextos empresariais, o que também vem com mais capital. Simplesmente são melhores geridos, o esforço do seu trabalho é melhor aproveitado e rentabilizado. Parece-me que a nossa principal deficiência actual, mesmo com as limitações históricas, é a baixa qualidade e preparação da gestão, que mina toda a produtividade que se pode tirar do trabalhador (e nem os 20% de tempo de trabalho a mais compensa).
ResponderEliminarTens toda a razão ao falar na gestão. Eu só muito pela rama aflorei essa vertente - a gestão - apenas para não derrapar para esse lado, uma vez que neste momento o foco da questão era outro.
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