OBSERVAR… EM CONTRAMÃO
Já anteriormente o
referi, mas volto a repeti-lo: estar em contramão não significa, no meu caso,
ser do contra. Significa apenas que direciono o meu foco mais para as margens
da estrada, ou mesmo para trás, para observar as marcas deixadas no caminho ou
a poeira que fica a pairar no ar, turvando a vista de quem vem a seguir. Aqui
vão mais dois exemplos:
I
É mais ou menos
unânime que uma taxa de juro à roda dos 4% é considerada muito satisfatória e
não podemos legitimamente esperar muito mais. Também é mais ou menos unânime (e
até Machete dixit) que uma taxa acima
de 4,5% tornava a dívida incomportável. Estamos, assim, perfeitamente balizados
entre o expectável e o inaceitável.
Demos agora um passo
em frente: apesar de ser matéria com alguma controvérsia, eu até concordo que,
por elogiáveis razões de prudência, o estado aproveite as atuais taxas de juro
(baixas) para antecipar financiamento, criando uma confortável almofada
financeira que nos ponha a salvo de movimentos especulativos do mercado quando
viermos a ficar entregues a nós próprios. Mais uma vez se coloca aqui a questão
do ponto até onde devemos ir.
Vamos analisar a
questão com um exemplo:
Admitamos que
precisamos de ir ao mercado buscar 100 e a taxa de juro é 4%. Se em lugar de
irmos buscar apenas os 100 de que precisamos aproveitarmos para pedir 120, a
nossa taxa de 4% transforma-se, na prática, numa taxa “real” de 4,8%, que é
quanto vamos ter de pagar de juros pelo financiamento de que efetivamente
precisamos (apenas 100). Ou seja, passamos de uma taxa “interessante” para um
custo e uma taxa manifestamente acima dos valores que antes tínhamos
considerado como o plafond acima do qual a dívida se tornaria incomportável.
Para fugirmos do lobo
metemo-nos na toca da raposa.
II
Se perguntarmos a um
qualquer português quais os três principais problemas que ele entende que
precisavam imperiosamente de ser resolvidos, provavelmente receberíamos
respostas centradas naquilo que são as principais preocupações da generalidade
dos portugueses: o desemprego, o montante da nossa dívida e a ausência de
crescimento. Se os portugueses virem resolvidos estes 3 magnos problemas
seguramente verão muitas outras questões resolvidas e começarão a enfrentar o futuro
com outro otimismo. Mas enquanto estes problemas subsistirem pode mudar muita
coisa mas seguramente o pessimismo continuará a reinar.
Vejamos agora como estava
Portugal no início de 2011 (registos do ano 2010) nestes três domínios e como
está hoje:
- A
taxa de desemprego era de 10,8%. Em 2012 era 15,8% e em 2013 o abaixamento
foi real, mas insignificante.
- A
dívida portuguesa era 94% do PIB. Em 2012 passou a 124% e em 2013 é quase 130%
- O
PIB (a preços constantes de 2006) foi de 163 mil milhões de euros. Em 2012 foi 156
mil milhões, mantendo um valor semelhante em 2013.
Procuremos agora
enquadrar estes números na visão do eurodeputado Nuno Melo quando afirma
categoricamente que ”Portugal está melhor que em 2011. É um dado objetivo, inquestionável e
indesmentível”.
Se o sr. Deputado
substituir 2011 por 2013, bastar-nos-á um
pouco de objetividade e ausência de facciosismo para concordar. E também poderá
ter alguma razão se quiser analisar mil e um indicadores que, embora
importantes, seguramente não têm para os portugueses o impacto dos 3 mencionados.
Mas nos termos em que
coloca a questão chega a ser insultuoso tomar-nos por parvos. A memória das
pessoas pode ser curta, mas os registos estatísticos não podem ser alterados.
Mas os políticos, esses podem ser mudados. O seu futuro está nas mãos dos
portugueses.
Nota final – não tenho nada de particular contra o deputado Nuno Melo.
Mas irritou-me a sua frase e o tom em que foi proferida.
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