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Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

segunda-feira, 21 de abril de 2014


CAUSAS OU CONSEQUÊNCIAS?


Hoje vou arriscar a dizer um conjunto de banalidades, muito repetidas por muita gente. Mas faço-o porque sei que, apesar de tudo, são ideias não partilhadas (ou não totalmente partilhadas) por todos os nossos concidadãos. E é necessário perceber que todas as nossas posições e decisões como cidadãos assentam em princípios básicos do tipo dos que vou enunciar e que traduzem valores e são princípios orientadores de toda a nossa conduta e vida em sociedade. Quem partilha essas ideias e valores vive num mundo completamente diferente de quem os nega. É a própria dialética social a funcionar.

Como é normal na vida real, em economia, por maioria de razão, os factos e ocorrências costumam ter causas várias na sua origem e acabam inevitavelmente por gerar consequências. A questão que muitas vezes se coloca é saber o que nasceu primeiro, se o ovo, se a galinha, porque há um efeito de feedback em que uma dada situação é geradora de novos factos, com retorno e influência sucessiva uns nos outros, tornando-se por vezes difícil discernir onde está a causa primeira das coisas.

Recentemente enunciei aqui três problemas que concentram a minha atenção: a necessidade de crescimento da economia; o desemprego; a dívida.

Para mim (mas é meramente a minha opinião) é muito claro: a causa primeira dos nossos problemas económicos e financeiros é a nossa reduzida capacidade de gerar riqueza e de crescer. Porque se (e quando) crescermos o necessário e suficiente, tudo depois se torna muito mais fácil… desde que a seguir não se cometam asneiras graves. Bastará então ser sensato e responsável. Mas se não conseguirmos gerar riqueza e crescer, não há sentido de responsabilidade nem sensatez que nos valha.

É evidente que o fraco crescimento tem causas: será o nosso baixo nível de instrução e iniciativa; a nossa atávica aversão ao risco e a ausência de capacidade de empreender; serão os baixos níveis de investimento, etc., etc., etc.. Mas voltamos sempre à questão inicial, saber o que apareceu primeiro, se o ovo, se a galinha. O que é facto é que se não ultrapassarmos este nó górdio então nada feito e não saímos da cepa torta.

Como consequência do nosso fraco crescimento durante muitos anos (e da sua queda abrupta nos últimos), os nossos problemas tornaram-se insolúveis num prazo curto.

À cabeça desses problemas de ordem prática surge, na minha maneia de ver, o desemprego, cujos efeitos ultrapassam em muito a vertente económica, sendo particularmente graves na esfera social, destruindo irremediavelmente a necessária coesão e o sentido de pertença dos cidadãos, vitória que tanto esforço custou e tanto tempo demorou até chegarmos ao ponto onde chegamos a estar. E apresentam um efeito perverso incontornável: o desemprego faz cair as receitas (do estado e das famílias) e eleva brutalmente os custos sociais (monetários e não monetários). Só na parte monetária e no que respeita à segurança social, as contribuições terão descido 400 milhões de euros nos anos 2010 a 2012 e as despesas com subsídios de desemprego terão crescido 480 milhões.

Em minha opinião o desemprego é o mais grave de todos os problemas que enfrentamos e que, por isso, deve (deveria) merecer toda a nossa atenção e ocupar todas as nossas energias. Porque tudo o resto, todos os outros problemazinhos, são insignificantes quando comparados com este magno problema.

Provavelmente não lhe damos a devida atenção porque, afinal, “só” 16% dos trabalhadores ativos estarão desempregados e os restantes não sabem verdadeiramente o que é estar desempregado (só o saberão no dia em que o drama lhes bata à porta e apenas caso não disponham de economias que lhes permitam passar mais ou menos incólumes ao lado do problema).

Tudo se iria resolver muito mais facilmente se não tivéssemos resvalado para este poço de onde demoraremos décadas (pelo menos uma) a sair. E depois surgem problemas em cascata: prolongamento indefinido da crise, emigração, subemprego, salários baixos, aumento da conflitualidade social, aumento da criminalidade, surtos de determinado tipo de doenças, etc., etc..

 Sempre me custou muito a perceber como é que vários governos (por cá e lá por fora) e as respetivas sociedades civis não elegem este como o problema dos problemas. E há até quem considere que é precisamente na gestão adequada do desemprego que se encontrará a solução para a saída das crises. Até pode, tecnicamente e no curto prazo, vir daí uma parte da solução. Mas no longo prazo o valor da fatura económica e financeira e da fratura social criadas é dramático.

Retomando o tema: como consequência do fraco crescimento da economia e do crescimento aterrador da taxa de desemprego, aparece o crescimento galopante da nossa dívida. Mas, enquanto o crescimento e o desemprego são questões nucleares e estratégicas, a dívida não passa de uma questão meramente instrumental. A dívida não é um problema em si mesmo (até pode haver dívidas “virtuosas”)

À maneira de Arquimedes - que pedia uma alavanca e um ponto de apoio e dizia que com isso conseguiria mudar o mundo - eu direi algo semelhante: resolva-se o problema do crescimento e do desemprego e a dívida resolver-se-á em três tempos.

Mas não chega fazer um diagnóstico correto. É depois necessário aplicar a terapia adequada. Se falharmos num ou noutro, seja no diagnóstico seja na terapia, ficamos irremediavelmente enredados numa teia da qual não nos conseguimos desenvencilhar e as amarras não nos deixarão sair do fundo do poço onde caímos.

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