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Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

sexta-feira, 6 de junho de 2014


O futuro das nossas pensões (II)

O impacto da taxa de desemprego e dos subsídios de doença

Ainda recentemente “O Economista Insurgente” comparava, com toda a propriedade, o nosso sistema de segurança social com o esquema da D. Branca. De facto os benefícios a pagar a quem integra o sistema estão dependentes da entrada de novos aderentes. E quando estes começam a escassear… o esquema implode inapelavelmente.

Por isso se diz, e com razão, que com a quebra da natalidade e com o aumento da esperança de vida o sistema está prestes a estourar e tem de se mudar de paradigma. As soluções, a que não podemos fugir, serão basicamente duas: ou o estado passa a assumir uma parte significativa das pensões (o que obrigaria a aumentar os impostos) ou se caminha para um sistema de capitalização, onde o valor das pensões estará associado de uma forma muito direta (embora com os devidos ajustamentos) ao somatório das contribuições individuais ao longo de toda uma vida profissional. Naturalmente só esta segunda opção tem futuro e certamente acabará por colher, embora a contragosto de muitos, a aceitação dos nossos concidadãos. Falaremos disto mais tarde.

Mas a demografia e a esperança de vida não são os únicos nem sequer os principais perigos que o nosso sistema de segurança social enfrenta. Aliás, esses são problemas já há muito identificados e dimensionados, deixando algum tempo (não muito, mas mesmo assim algumas décadas), para se encontrar a solução. São uma simples bomba ao retardador. Mas há um outro perigo muito mais imediato que ameaça fazer ruir o edifício: é o desemprego (a que se associam os subsídios de doença, que para este efeito se podem englobar, pois se comportam exatamente da mesma maneira).

Como é facilmente compreensível os subsídios de doença e os subsídios de desemprego correspondem a situações em que as contribuições para a segurança social diminuem e os encargos crescem. Isso todos percebem. O que escapa à perceção imediata do cidadão comum é a dimensão que o problema rapidamente assume.

Façamos umas contas muito simples: um desempregado ou um doente, se receber um subsídio correspondente a 60% do seu salário bruto, custará à Segurança Social muito mais que aquilo que esta receberia do contribuinte num mês (34,75% do salário - 11% do trabalhador e 23,75% da sua entidade patronal). É por isso evidente que com um nível de 50% de desemprego+doença se originariam muitos mais encargos que contribuições, nada restando para pensões. Zero absoluto.

Fazendo um pouco melhor as contas: se o desemprego+doença se aproximar de 35% já estaremos no referido patamar de esgotamento das receitas só para pagar a essas classes de beneficiários. Estamos hoje longe desse ponto? E temos verdadeiramente a noção do que isso significa? Vamos dar um exemplo: imaginemos uma família com várias crianças e apenas 3 adultos a contribuir para o orçamento familiar. As despesas da família estão ao nível das receitas, pelo que não sobra nada na gaveta no final do mês. Como é que sobreviverá esta família se um dos 3 adultos deixar de auferir salário ou qualquer outro rendimento? E se, para cúmulo, essa pessoa passar a ir diariamente ao cofre da família rapar dinheiro (reservado para as despesas do mês) para gastar em despesas de saúde, nos copos ou no jogo? Como é que essa família irá sobreviver?

Não sejamos tão pessimistas e vejamos então outro exemplo. Admitamos que com zero doentes e desempregados o valor das contribuições para a segurança social dava à justa para pagar as pensões. Com uma taxa de 20% de desempregados+doentes (valor próximo da nossa situação real) as reduções das contribuições conjugadas com o inerente aumento das despesas só deixarão livre uma verba que dará para pagar… 45% das pensões. Pois, pois…

Façamos ainda outras contas mais favoráveis: vamos admitir, bondosamente, que o sistema estava preparado para suportar uma taxa de desemprego+doença à volta de 10%, permitindo mesmo assim pagar a totalidade das pensões. Com o disparar do desemprego para os números que temos hoje as contribuições só darão para pagar …63% das pensões.

As consequências do nosso nível de desemprego atual é, para a segurança social, uma catástrofe de dimensões inimagináveis para quem anda distraído ou é pouco dado a fazer contas. O efeito é devastador e o reflexo aparece imediatamente nas contas da segurança social, não ficando meio escondido, a dormitar, durante uma ou duas décadas.

Esta é uma questão de que pouco se fala, mas é o mais dramático e premente problema que a Segurança Social enfrenta no curto prazo, o qual só resolverá quando baixar drasticamente o número de desempregados. E isso será daqui a quantos anos? E como sobreviveremos até lá?

Se recuarmos meia dúzia de anos, antes do flagelo do desemprego que atualmente nos assola, provavelmente a segurança social tinha assegurada a sua sustentabilidade por mais 30 ou 40 anos, mesmo tendo em conta o problema da demografia e do aumento da esperança de vida. Com os níveis atuais de  desemprego todo o cenário mudou instantânea e brutalmente. E o problema não acaba aqui: a estes números ainda temos de juntar aquelas pessoas que estavam no ativo (a contribuir) e por razões várias, que não a velhice, passaram entretanto à reforma (atente-se, por exemplo, no caso dos professores e outros funcionários públicos).

Com o nível atual de inativos (que deixaram de ser contribuintes e passaram a ser beneficiários) a sustentabilidade da segurança social, de repente, reduziu-se a fanicos. Agora, ou o Estado entra com dinheiro para as pensões ou então…

(continua)

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