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Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

terça-feira, 10 de junho de 2014


O futuro das nossas pensões (IV)
Onde vai a segurança social buscar dinheiro para pagar as pensões?
Os leitores deste blogue interagem comigo de diversas formas. Relativamente a este tema têm-me colocado algumas questões pertinentes, que me obrigam a fazer novamente uma alteração ao meu plano, pois julgo importante clarificar alguns pontos básicos para se perceber toda a mecânica de um processo que é muito mais complexo do que parece. O fundo da questão é saber de onde vêm os fundos geridos pela segurança social e onde esses recursos vão ser aplicados.
Vou desprezar os pormenores e as diferenças entre vários regimes ao longo do tempo, limitando-me a apresentar a situação de forma esquemática e, tanto quanto possível, universal.
Vamos partir de um exemplo com bastante adesão à realidade. Vamos admitir que um trabalhador inicia a vida profissional aos vinte e tal anos e se reforma com 36 anos de serviço. Ora, o direito à reforma advém de um “contrato social” implícito onde a segurança social garante uma pensão vitalícia mediante a entrega mensal por parte do trabalhador de uma quotização (11% do salário). Admitamos agora que o valor da pensão é 80% do salário. Fazendo umas contas rápidas verifica-se que os descontos de uma vida inteira dariam para a segurança social pagar a pensão durante ….menos de 5 anos. Ora, aqui temos desfeito o primeiro grande mito: muita boa gente julga que o facto de ter contribuído uma vida inteira lhe deveria garantir uma boa reforma …até ao resto da vida. Erro grosseiro, resultante da falta de conhecimento de como as coisas se passam na realidade. Se um trabalhador tivesse a prerrogativa legal de rescindir com a segurança social o “contrato social”, podendo levantar a totalidade das suas quotizações, facilmente concluiria que teria feito um péssimo, péssimo negócio. Salvo se tivesse os seus dias contados e estivesse já com os pés apontados ao cemitério.
Então, para garantir as pensões com o nível previsto no “contrato social” é necessário que a segurança social disponha de outras receitas. Aí entra o segundo pilar: as contribuições das entidades patronais – 23,75% do salário. Convenhamos que é um valor pesado (mais do dobro da quotização dos trabalhadores), que dificulta (e muitas vezes inibe mesmo) a criação de empregos. Daí que algumas políticas apontem para soluções de dispensa ou redução de tais contribuições (isenção temporária de contribuições, por exemplo, a quem dê trabalho a desempregados), visando aumentar as ofertas de emprego. Mas fazendo as contas constata-se que estas contribuições a cargo das entidades patronais dão à segurança social meios para pagar pensões apenas durante 11 anos.
E por aqui se esgotam as receitas próprias e específicas da segurança social que dariam, grosso modo, para pagar as pensões durante 16 anos em condições normais. Mas há que ter em conta as situações anormais, que podem funcionar nos dois sentidos: as despesas da segurança social baixam quando um beneficiário falece antes da data prevista nas estatísticas, deixando a “herança” para os restantes beneficiários. Mas as receitas também decrescem nas situações de desemprego, de doença ou de reforma antecipada. E as despesas crescem exatamente nas mesmas circunstâncias. E crescem ainda quando os beneficiários vivem para lá de período em que esgotaram as contribuições de uma vida. E não se pode esquecer que muitos beneficiários (principalmente trabalhadores rurais) usufruem de pensão sem terem contribuído para a segurança social em percentagem minimamente compatível com as reformas que auferem (por muito miseráveis que sejam).
Não se pode também ignorar que uma estrutura pesada como a segurança social tem custos muito elevados, apenas parcialmente cobertos pelas receitas provenientes dos investimentos financeiros.
Mas entramos então no cerne da questão: se há 40 ou 50 anos muita gente falecia poucos anos depois de ter entrado na reforma, hoje a situação mudou radicalmente. Então perguntar-se-á onde é que a segurança social vai buscar receitas para continuar a pagar as pensões depois de esgotadas as receitas provenientes das quotizações dos trabalhadores e das contribuições das entidades patronais. Se as contribuições não chegam (são manifestamente insuficientes) alguém tem de pagar para que não faltem as pensões aos reformados. Aqui começa a funcionar a “engenharia financeira” em tudo semelhante ao já referido esquema tipo D. Branca: as receitas dos novos aderentes passaram a ser utilizadas para pagar aos pensionistas. Só que o esquema só funciona enquanto a economia cresce e os novos contribuintes superam os pensionistas. Quando a economia estagna ou decresce, quando a demografia não ajuda e quando a esperança de vida se prolonga por muito tempo o sistema estoura como estourou o esquema D. Branca. E é precisamente nesse patamar que estamos neste momento.
Que resta então fazer? Ou reformamos completamente o esquema ou o estado, para que se cumpra o “contrato social”, tem de injetar dinheiro na segurança social (aos milhões) e numa dimensão cada vez maior. Mas aí estaremos todos a pagar e a situação a agravar-se de ano para ano e sem fim à vista.
Vamos dedicar então algum tempo a explorar os possíveis caminhos da reforma da segurança social para concluirmos o que é possível fazer para salvar um dos mais espetaculares avanços  da nossa civilização.
(continua)
                                                                                              

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