O
futuro das nossas pensões (IV)
Onde vai a segurança social buscar dinheiro para pagar as pensões?
Os leitores deste blogue interagem comigo de
diversas formas. Relativamente a este tema têm-me colocado algumas questões
pertinentes, que me obrigam a fazer novamente uma alteração ao meu plano, pois
julgo importante clarificar alguns pontos básicos para se perceber toda a
mecânica de um processo que é muito mais complexo do que parece. O fundo da
questão é saber de onde vêm os fundos geridos pela segurança social e onde esses
recursos vão ser aplicados.
Vou desprezar os pormenores e as diferenças entre
vários regimes ao longo do tempo, limitando-me a apresentar a situação de forma
esquemática e, tanto quanto possível, universal.
Vamos partir de um exemplo com bastante adesão à
realidade. Vamos admitir que um trabalhador inicia a vida profissional aos
vinte e tal anos e se reforma com 36 anos de serviço. Ora, o direito à reforma
advém de um “contrato social” implícito onde a segurança social garante uma pensão
vitalícia mediante a entrega mensal por parte do trabalhador de uma quotização (11%
do salário). Admitamos agora que o valor da pensão é 80% do salário. Fazendo
umas contas rápidas verifica-se que os descontos de uma vida inteira dariam para
a segurança social pagar a pensão durante ….menos de 5 anos. Ora, aqui temos
desfeito o primeiro grande mito: muita boa gente julga que o facto de ter contribuído
uma vida inteira lhe deveria garantir uma boa reforma …até ao resto da vida. Erro
grosseiro, resultante da falta de conhecimento de como as coisas se passam na
realidade. Se um trabalhador tivesse a prerrogativa legal de rescindir com a
segurança social o “contrato social”, podendo levantar a totalidade das suas quotizações,
facilmente concluiria que teria feito um péssimo, péssimo negócio. Salvo se
tivesse os seus dias contados e estivesse já com os pés apontados ao cemitério.
Então, para garantir as pensões com o nível
previsto no “contrato social” é necessário que a segurança social disponha de
outras receitas. Aí entra o segundo pilar: as contribuições das entidades
patronais – 23,75% do salário. Convenhamos que é um valor pesado (mais do dobro
da quotização dos trabalhadores), que dificulta (e muitas vezes inibe mesmo) a
criação de empregos. Daí que algumas políticas apontem para soluções de
dispensa ou redução de tais contribuições (isenção temporária de contribuições,
por exemplo, a quem dê trabalho a desempregados), visando aumentar as ofertas
de emprego. Mas fazendo as contas constata-se que estas contribuições a cargo
das entidades patronais dão à segurança social meios para pagar pensões apenas durante
11 anos.
E por aqui se esgotam as receitas próprias e
específicas da segurança social que dariam, grosso modo, para pagar as pensões
durante 16 anos em condições normais. Mas há que ter em conta as situações
anormais, que podem funcionar nos dois sentidos: as despesas da segurança
social baixam quando um beneficiário falece antes da data prevista nas estatísticas,
deixando a “herança” para os restantes beneficiários. Mas as receitas também
decrescem nas situações de desemprego, de doença ou de reforma antecipada. E as
despesas crescem exatamente nas mesmas circunstâncias. E crescem ainda quando
os beneficiários vivem para lá de período em que esgotaram as contribuições de
uma vida. E não se pode esquecer que muitos beneficiários (principalmente
trabalhadores rurais) usufruem de pensão sem terem contribuído para a segurança
social em percentagem minimamente compatível com as reformas que auferem (por
muito miseráveis que sejam).
Não se pode também ignorar que uma estrutura pesada
como a segurança social tem custos muito elevados, apenas parcialmente cobertos pelas
receitas provenientes dos investimentos financeiros.
Mas entramos então no cerne da questão: se há 40 ou
50 anos muita gente falecia poucos anos depois de ter entrado na reforma, hoje
a situação mudou radicalmente. Então perguntar-se-á onde é que a segurança
social vai buscar receitas para continuar a pagar as pensões depois de
esgotadas as receitas provenientes das quotizações dos trabalhadores e das
contribuições das entidades patronais. Se as contribuições não chegam (são
manifestamente insuficientes) alguém tem de pagar para que não faltem as pensões
aos reformados. Aqui começa a funcionar a “engenharia financeira” em tudo
semelhante ao já referido esquema tipo D. Branca: as receitas dos novos aderentes
passaram a ser utilizadas para pagar aos pensionistas. Só que o esquema só
funciona enquanto a economia cresce e os novos contribuintes superam os
pensionistas. Quando a economia estagna ou decresce, quando a demografia não
ajuda e quando a esperança de vida se prolonga por muito tempo o sistema
estoura como estourou o esquema D. Branca. E é precisamente nesse patamar que
estamos neste momento.
Que resta então fazer? Ou reformamos completamente o
esquema ou o estado, para que se cumpra o “contrato social”, tem de injetar
dinheiro na segurança social (aos milhões) e numa dimensão cada vez maior. Mas
aí estaremos todos a pagar e a situação a agravar-se de ano para ano e sem fim à
vista.
Vamos
dedicar então algum tempo a explorar os possíveis caminhos da reforma da
segurança social para concluirmos o que é possível fazer para salvar um dos
mais espetaculares avanços da nossa
civilização.
(continua)
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