O
futuro das nossas pensões (III)
As reformas atuais e o desemprego
Vou fazer aqui um ligeiro desvio para falar não das
pensões futuras mas antes refletir um pouco sobre o que está a acontecer hoje
mesmo às pensões. Obviamente a análise segue a linha do post anterior,
focada no impacto da taxa de desemprego na sustentabilidade da segurança
social.
Por uma questão de princípio, e até prova em
contrário, costumo partir de uma posição de boa fé e acreditar que é verdade
aquilo que nos dizem os nossos governantes, nomeadamente quando o que está em
causa não são questões de ordem partidária, mas temas de muita seriedade e que
foram objeto de estudo e decisão após uma participação ativa de vários agentes sociais,
incluindo estado, partidos, associações patronais e sindicais, entre outros. Por
isso, após a reforma de Vieira da Silva (vai a caminho de uma década), acreditei
que a sustentabilidade da segurança social estaria assegurada por 30/40 anos,
ou até mais. Naturalmente era no pressuposto de que a economia iria continuar a
funcionar dentro da “normalidade”. Ou seja, na altura não se colocava um
cenário de crise como a que veio a ocorrer e muito menos passava pela cabeça de
quem quer que fosse que a taxa de desemprego pudesse ultrapassar os 15%, ficando
nesse patamar sem perspetivas de baixar muito num prazo curto. Mas essa reforma
entrava já em linha de conta com a demografia e com o aumento da esperança de
vida. Mesmo assim apontava para a sustentabilidade do sistema nas décadas mais
próximas.
Dito isto terá de se concluir que a reforma
apontava para graduais alterações nas pensões, sem serem colocadas em causa a
estabilidade das relações sociais, sem se criarem graves conflitos geracionais e
sem se beliscar a sustentabilidade da segurança social num prazo razoavelmente
alargado.
Mas de repente veio a crise. Os reformados passaram
então a ser um alvo especial É preciso perceber porquê. Obviamente que perante
uma qualquer crise os reformados terão de ser chamados a participar na solução
na exata medida de todo e qualquer outro cidadão (esta é a minha opinião). Nem
mais nem menos. Mas, à boleia da ideia de que a demografia e o aumento da
esperança de vida estariam a pôr em causa a sustentabilidade da segurança
social, entendeu-se que havia que fazer de imediato cortes drásticos no valor das pensões. É
evidente que a segurança social entrou em pré-rotura e passou a necessitar de
cortes drásticos. Mas a razão não foi (ainda) a demografia ou a esperança de
vida. A razão da pré-rotura nos cofres da segurança social foi, conforme
mostrei no post anterior, o aumento abrupto e brutal da taxa de desemprego.
Essa é que foi a verdadeira causa do esvaziamento súbito dos cofres.
Perante a situação dramática do país, confirmada e
agravada na segurança social, quem foi chamado a pagar a fatura? Em grande
parte, e com uma carga desproporcionada, foram os reformados. Não vou entrar
aqui na análise da maior ou menor justiça/injustiça destes cortes. Falo apenas
na verdadeira causa do estouro de um modelo que deveria ainda aguentar-se mais
uma ou duas décadas e que estourou de um dia para o outro. Se as pensões eram
excessivas e em muitos casos injustificadas isso é outra questão de que falarei
mais adiante.
Mas para além do desemprego – que explodiu no prazo
de um ano - ainda se juntou ao cenário apocalítico uma situação que
politicamente foi gerida de forma que agora não comento por estar fora do âmbito desta análise. Aprofundemos um pouco esse
tema começando por esquematizar a forma como deveria ter avançado a chamada reforma
do estado. Vejamos um hipotético exemplo de um pequeno serviço:
- o serviço precisava de reduzir as despesas com
pessoal
- onde havia 10 funcionários devia passar a haver
9, após a reorganização dos serviços, redefinições de funções e introduções de
novas tecnologias
- idealmente o funcionário excedentário deveria
poder ser reconvertido
- a solução ideal seria o trabalhador voltar ao
mercado de trabalho, preferencialmente passando ao setor privado
Mas vejamos como é que de facto o esquema (não lhe
chamo reforma) funcionou:
- por forma a reduzir o número de funcionários
públicos o governo propôs um esquema de antecipação de reformas
- um dos funcionários aproveitou a oportunidade e
reformou-se
- a despesa direta do estado efetivamente reduziu,
conforme o desejado
- mas como não se tratou de uma verdadeira reforma
do estado, o serviço passou a ficar desfalcado de uma unidade, com os inerentes
problemas de ineficiência e sobrecarga dos que ficaram
- entretanto o ex-funcionário deixou de fazer
contribuições para a segurança social (ou caixa de aposentações) e, ao
contrário passou a ser mais um beneficiário. O serviço reduziu as despesas, mas
à custa de um aumento dos gastos da segurança social.
Foi com a multiplicação de muitos casos afins, a
juntar à já analisada explosão do desemprego, que a segurança social entrou em
pré-rotura e os cofres rapidamente se esvaziaram.
E que ideia foi então lançada para a opinião
pública? A ideia de que os reformados eram os grandes responsáveis pela rotura.
Pese embora a necessidade (imperiosa e agora mais premente ainda) de se mexer
no método de cálculo de pensões, não se podem misturar os factos e, à boleia da
crise, acusar os reformados de algo que efetivamente lhes passou completamente ao
lado. A rotura está associada ao desemprego e à frustrada reforma do estado. Mesmo
dando de barato que muitos reformados possam estar a receber pensões acima do que as suas
contribuições o justificariam, o seu contributo para a rotura não foi sequer inesperado,
nem foi consequência da crise. O seu peso estava previsto e foi calculado ainda
a crise não se adivinhava. É por isso que me manifesto contra a invocação da
culpa dos reformados para os taxar de forma desproporcionada.
Que o esquema de pensões precisa de uma rápida e
profunda revisão é uma coisa; que os reformados têm de participar na resolução da
crise, é outra. Mas serem acusados e olhados de soslaio pelas gerações mais
jovens com base em premissas várias, algumas das quais não são verdadeiras é algo chocante. Num futuro
próximo também irei abordar o problema dos conflitos intergeracionais. Mas no
próximo post voltarei ao tema de fundo desta série: o futuro das nossas pensões.
(continua)
Aprecio muito a forma como escreves. Relativamente ao conteúdo ele, por vezes, ultrapassa o limite dos meus conhecimentos. No entanto hoje permite-me discordar um pouco contigo nomeadamente quando dizes: “Obviamente que perante uma qualquer crise os reformados terão de ser chamados a participar na solução na exata medida de todo e qualquer outro cidadão”.
ResponderEliminarEmbora reconheça que mais à frente enquadras melhor esta afirmação quando dizes: “Que o esquema de pensões precisa de uma rápida e profunda revisão é uma coisa; que os reformados têm de participar na resolução da crise, é outra”, de facto, a segurança social entrou em pré-rotura e passou a necessitar de cortes drásticos porque os governantes indevida e ilegitimamente retiraram (ou desviaram) para outros fins, os fundos aí depositados pelos trabalhadores, ao longo de toda a sua carreira contributiva.
Por outro lado é injusto que, sem qualquer reforma estrutural do estado, estes governantes incompetentes se “limitem” a fazer o que está “mais à mão” fazendo cortes num sector da população que não tem qualquer poder reivindicativo demonstrando também a sua cobardia (são fortes com os fracos e fracos com os fortes) pois continuam a não mexer substancialmente nas fundações público-privadas nos inúteis institutos públicos, nas PPP(s) ao mesmo tempo que continuam a desviar e a injectar o dinheiro que desviam dos reformados, nos bancos e banqueiros, nomeadamente no BPN.
Desculpa o desabafo. Um abraço