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Mistura de pensamentos, reflexões, sentimentos; um risco, assumido; uma provocação, em tom de desafio, para que outros desçam ao terreiro; um desabafo, às vezes com revolta à mistura; opiniões, sempre subjectivas, mas normalmente baseadas no estudo, ou na experiência ou na reflexão. Sem temas tabu, sem agressividades inúteis, mas sem contenção, nem receios de ser mal interpretado. Espaço de partilha, que enriquece mais quem dá que quem recebe.

segunda-feira, 9 de junho de 2014



O futuro das nossas pensões (III)

As reformas atuais e o desemprego

Vou fazer aqui um ligeiro desvio para falar não das pensões futuras mas antes refletir um pouco sobre o que está a acontecer hoje mesmo às pensões. Obviamente a análise segue a linha do post anterior, focada no impacto da taxa de desemprego na sustentabilidade da segurança social.

Por uma questão de princípio, e até prova em contrário, costumo partir de uma posição de boa fé e acreditar que é verdade aquilo que nos dizem os nossos governantes, nomeadamente quando o que está em causa não são questões de ordem partidária, mas temas de muita seriedade e que foram objeto de estudo e decisão após uma participação ativa de vários agentes sociais, incluindo estado, partidos, associações patronais e sindicais, entre outros. Por isso, após a reforma de Vieira da Silva (vai a caminho de uma década), acreditei que a sustentabilidade da segurança social estaria assegurada por 30/40 anos, ou até mais. Naturalmente era no pressuposto de que a economia iria continuar a funcionar dentro da “normalidade”. Ou seja, na altura não se colocava um cenário de crise como a que veio a ocorrer e muito menos passava pela cabeça de quem quer que fosse que a taxa de desemprego pudesse ultrapassar os 15%, ficando nesse patamar sem perspetivas de baixar muito num prazo curto. Mas essa reforma entrava já em linha de conta com a demografia e com o aumento da esperança de vida. Mesmo assim apontava para a sustentabilidade do sistema nas décadas mais próximas.

Dito isto terá de se concluir que a reforma apontava para graduais alterações nas pensões, sem serem colocadas em causa a estabilidade das relações sociais, sem se criarem graves conflitos geracionais e sem se beliscar a sustentabilidade da segurança social num prazo razoavelmente alargado.

Mas de repente veio a crise. Os reformados passaram então a ser um alvo especial É preciso perceber porquê. Obviamente que perante uma qualquer crise os reformados terão de ser chamados a participar na solução na exata medida de todo e qualquer outro cidadão (esta é a minha opinião). Nem mais nem menos. Mas, à boleia da ideia de que a demografia e o aumento da esperança de vida estariam a pôr em causa a sustentabilidade da segurança social, entendeu-se que havia que fazer de imediato cortes drásticos no valor das pensões. É evidente que a segurança social entrou em pré-rotura e passou a necessitar de cortes drásticos. Mas a razão não foi (ainda) a demografia ou a esperança de vida. A razão da pré-rotura nos cofres da segurança social foi, conforme mostrei no post anterior, o aumento abrupto e brutal da taxa de desemprego. Essa é que foi a verdadeira causa do esvaziamento súbito dos cofres.

Perante a situação dramática do país, confirmada e agravada na segurança social, quem foi chamado a pagar a fatura? Em grande parte, e com uma carga desproporcionada, foram os reformados. Não vou entrar aqui na análise da maior ou menor justiça/injustiça destes cortes. Falo apenas na verdadeira causa do estouro de um modelo que deveria ainda aguentar-se mais uma ou duas décadas e que estourou de um dia para o outro. Se as pensões eram excessivas e em muitos casos injustificadas isso é outra questão de que falarei mais adiante. 

Mas para além do desemprego – que explodiu no prazo de um ano - ainda se juntou ao cenário apocalítico uma situação que politicamente foi gerida de forma que agora não comento por estar fora do âmbito desta análise. Aprofundemos um pouco esse tema começando por esquematizar a forma como deveria ter avançado a chamada reforma do estado. Vejamos um hipotético exemplo de um pequeno serviço:

- o serviço precisava de reduzir as despesas com pessoal

- onde havia 10 funcionários devia passar a haver 9, após a reorganização dos serviços, redefinições de funções e introduções de novas tecnologias

- idealmente o funcionário excedentário deveria poder ser reconvertido

- a solução ideal seria o trabalhador voltar ao mercado de trabalho, preferencialmente passando ao setor privado

Mas vejamos como é que de facto o esquema (não lhe chamo reforma) funcionou:

- por forma a reduzir o número de funcionários públicos o governo propôs um esquema de antecipação de reformas

- um dos funcionários aproveitou a oportunidade e reformou-se

- a despesa direta do estado efetivamente reduziu, conforme o desejado

- mas como não se tratou de uma verdadeira reforma do estado, o serviço passou a ficar desfalcado de uma unidade, com os inerentes problemas de ineficiência e sobrecarga dos que ficaram

- entretanto o ex-funcionário deixou de fazer contribuições para a segurança social (ou caixa de aposentações) e, ao contrário passou a ser mais um beneficiário. O serviço reduziu as despesas, mas à custa de um aumento dos gastos da segurança social.

Foi com a multiplicação de muitos casos afins, a juntar à já analisada explosão do desemprego, que a segurança social entrou em pré-rotura e os cofres rapidamente se esvaziaram.

E que ideia foi então lançada para a opinião pública? A ideia de que os reformados eram os grandes responsáveis pela rotura. Pese embora a necessidade (imperiosa e agora mais premente ainda) de se mexer no método de cálculo de pensões, não se podem misturar os factos e, à boleia da crise, acusar os reformados de algo que efetivamente lhes passou completamente ao lado. A rotura está associada ao desemprego e à frustrada reforma do estado. Mesmo dando de barato que muitos reformados possam estar a receber pensões acima do que as suas contribuições o justificariam, o seu contributo para a rotura não foi sequer inesperado, nem foi consequência da crise. O seu peso estava previsto e foi calculado ainda a crise não se adivinhava. É por isso que me manifesto contra a invocação da culpa dos reformados para os taxar de forma desproporcionada.

Que o esquema de pensões precisa de uma rápida e profunda revisão é uma coisa; que os reformados têm de participar na resolução da crise, é outra. Mas serem acusados e olhados de soslaio pelas gerações mais jovens com base em premissas várias, algumas das quais não são verdadeiras é algo chocante. Num futuro próximo também irei abordar o problema dos conflitos intergeracionais. Mas no próximo post voltarei ao tema de fundo desta série: o futuro das nossas pensões.

(continua)

1 comentário:

  1. Aprecio muito a forma como escreves. Relativamente ao conteúdo ele, por vezes, ultrapassa o limite dos meus conhecimentos. No entanto hoje permite-me discordar um pouco contigo nomeadamente quando dizes: “Obviamente que perante uma qualquer crise os reformados terão de ser chamados a participar na solução na exata medida de todo e qualquer outro cidadão”.
    Embora reconheça que mais à frente enquadras melhor esta afirmação quando dizes: “Que o esquema de pensões precisa de uma rápida e profunda revisão é uma coisa; que os reformados têm de participar na resolução da crise, é outra”, de facto, a segurança social entrou em pré-rotura e passou a necessitar de cortes drásticos porque os governantes indevida e ilegitimamente retiraram (ou desviaram) para outros fins, os fundos aí depositados pelos trabalhadores, ao longo de toda a sua carreira contributiva.
    Por outro lado é injusto que, sem qualquer reforma estrutural do estado, estes governantes incompetentes se “limitem” a fazer o que está “mais à mão” fazendo cortes num sector da população que não tem qualquer poder reivindicativo demonstrando também a sua cobardia (são fortes com os fracos e fracos com os fortes) pois continuam a não mexer substancialmente nas fundações público-privadas nos inúteis institutos públicos, nas PPP(s) ao mesmo tempo que continuam a desviar e a injectar o dinheiro que desviam dos reformados, nos bancos e banqueiros, nomeadamente no BPN.
    Desculpa o desabafo. Um abraço

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